Entre cautela e muita empolgação: como é recebido teste para retomada do turismo em Portugal?

Após três meses, Portugal reabriu, nesta segunda-feira (19), shoppings, restaurantes, cinemas e teatros na terceira fase do plano de desconfinamento. Com os números de casos e mortes por COVID-19 em queda e a vacinação avançando, a reabertura é um teste para a retomada do turismo no verão europeu.
Sputnik

O boletim epidemiológico da Direção-Geral da Saúde (DGS) da segunda-feira (19) registrou apenas um óbito e 220 novos casos nas últimas 24 horas. Como a morte aconteceu nos Açores, foi a primeira vez desde 2 de agosto de 2020 que não houve nenhum óbito por COVID-19 em Portugal continental. 

O R(t), índice de transmissibilidade que é um dos principais norteadores do plano de desconfinamento, também apresenta tendência de queda. Já havia diminuído para 1,05 na última sexta-feira (16) e baixou novamente para 1,0. Porém, o número de internados subiu para 454 (26 a mais), sendo 112 em cuidados intensivos (três a mais).

As aulas nos ensinos secundário (médio) e superior também regressaram nesta segunda. Após visitar uma escola secundária em Lisboa, o presidente Marcelo Rebelo de Sousa não quis antecipar se o estado de emergência será prorrogado até maio, vontade que ele já havia manifestado anteriormente.

"É uma análise que é feita todos os 15 dias. Eu diria mesmo, todos os dias. Todos os dias eu olho, o senhor primeiro-ministro olha, a senhora ministra da Saúde olha e o governo todo olha para os números, para a incidência, para a situação dos internados, para o número dos internados em cuidados intensivos, para o número de mortos", disse o presidente, citado pelo Diário de Notícias.

O epidemiologista Ricardo Mexia, presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública de Portugal, é cauteloso ao ser questionado pela Sputnik Brasil se a reabertura de restaurantes e do comércio é um teste de fogo para ver quando será possível a retomada do turismo.

"Acho que todo o processo de retomada é um enorme desafio. E atendendo às semanas que já passaram das primeiras retomadas, a situação tem evoluído de forma relativamente controlada. Mas temos de ter muitas cautelas, nomeadamente no que diz respeito aos casos importados", pondera Mexia.

Variante britânica presente em 83% dos casos; brasileira em só 0,4%

A variante britânica do novo coronavírus, por exemplo, foi detectada em 82,9% dos casos de março, segundo o Relatório de situação sobre diversidade genética do novo coronavírus SARS-CoV-2 em Portugal, elaborado pelo Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA).

Já a estirpe brasileira P.1 estava presente em 22 das amostras analisadas, sendo apenas quatro casos em março, mantendo a mesma taxa de 0,4% de fevereiro e sugerindo que sua circulação "é muito limitada em Portugal", segundo o relatório do INSA.

"A variante P.2, também detectada inicialmente no Brasil, revelou um decréscimo na sua frequência relativa na amostragem de março, tendo sido detectado apenas um caso entre as 1.094 sequências analisadas", lê-se em um trecho do relatório.
Entre cautela e muita empolgação: como é recebido teste para retomada do turismo em Portugal?

Desde a última sexta-feira (16), Portugal autorizou o retorno dos voos com Brasil e Reino Unido, que haviam sido suspensos em 29 de janeiro. Até o fim de abril, as operações comerciais das companhias aéreas são apenas para viagens essenciais (estudo, trabalho e reuniões familiares) de cidadãos que tenham nacionalidade portuguesa, residência no país ou alguma autorização do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.

No entanto, a secretária de Turismo, Rita Marques, já demonstrou mais de uma vez a intenção de voltar a receber turistas britânicos em maio, tão logo o governo do Reino Unido autorize seus cidadãos a viajar para fora do país, que também retirou Portugal da sua lista vermelha de nações com entrada proibida. Indagado pela Sputnik Brasil se considera viável reabrir para os turistas já em maio, Mexia reage com precaução novamente.

"Acho que essa decisão terá de ser tomada em função da situação epidemiológica. Ou seja, haverá destinos que podem fazer sentido, outros que talvez não sejam aconselhados", recomenda.

A explicação é encontrada no mapa de 278 municípios do território português, dos quais 10 não progrediram à terceira fase do plano de desconfinamento. Quatro deles (Moura, Odemira, Portimão e Rio Maior) regrediram à primeira etapa do planejamento por apresentarem, pela segunda avaliação quinzenal seguida, uma taxa de incidência de casos de COVID-19 superior a 240 por 100 mil habitantes em 14 dias.

Seis outros municípios (Alandroal, Albufeira, Carregal do Sal, Figueira da Foz, Marinha Grande e Penela) permaneceram na segunda fase do desconfinamento, pois registraram taxa de incidência acima de 120 casos por 100 mil habitantes em 14 dias. Nesses, só podem estar abertas as esplanadas dos restaurantes (mesas ao ar livre), lojas de até 200 metros quadrados com porta para a rua, academias, além de museus, monumentos, palácios e galerias de arte, bem como feiras e mercados não alimentares.

Médica avalia que verão é momento ideal para país reabrir a turistas

A médica gaúcha Nair Amaral, que trabalha na linha de frente do combate à COVID-19 em dois hospitais portugueses, é mais otimista sobre a retomada do turismo, mas concorda com Mexia que a atividade econômica vai ter que se adaptar à nova realidade. Em entrevista à Sputnik Brasil, ela aposta na vacinação como um dos trunfos.

O país atingiu o recorde de 120 mil pessoas imunizadas em um dia no último sábado (17), chegando a 2,7 milhões de doses aplicadas. Agora, 19,83% da população já receberam pelo menos a primeira dose, e 6,78%, as duas. Portugal é o 32º país com a maior taxa de doses administradas por 100 habitantes do mundo, mas está 8,24 pontos percentuais acima da taxa de vacinação da União Europeia.

"É importante a retomada da vida. Os casos vão aumentar, mas, agora, temos três trunfos contra a mortalidade: não é inverno, tem muito idoso vacinado e já estamos todos mais experientes e menos atrapalhados. Isso vale para os profissionais e os sistemas de saúde", enumera Nair Amaral.
Entre cautela e muita empolgação: como é recebido teste para retomada do turismo em Portugal?

Confrontada com o mesmo questionamento se em maio já seria viável liberar a entrada de turistas, ela diz que a lógica do turismo vai ter que se adequar a uma equação que conjugue higiene, distanciamento, ar livre, voos curtos e viagens de preferência de carro com familiares para destinos turísticos na natureza.

"Melhor [reabrir] agora do que no outono ou inverno [no Hemisfério Norte]. Há poucos pacientes graves agora e assim será durante o verão. Nunca teremos zero caso. No inverno sempre é caótico. Se não abrir agora neste verão, teremos menos gente positiva que desenvolve imunidade natural. Aquela maioria que tem a doença e fica com imunidade natural é uma barreira à progressão da doença. Quanto mais gente com defesas, menor propagação", explica.

Sputnik Brasil enviou uma série de questionamentos para a Secretaria de Estado de Turismo a respeito da retomada da recepção de turistas. Em nota, o Ministério da Economia e da Transição Digital, ao qual a secretaria é subordinada, destaca que a presidência portuguesa do Conselho Europeu sublinha a importância de reforçar a coordenação entre os Estados-membros em matérias com impacto no setor do turismo, como fronteiras, circulação de pessoas, saúde ou mobilidade, não só no espaço europeu, mas também com países terceiros, como é o caso do Brasil. 

No comunicado enviado à Sputnik Brasil, a pasta acrescenta que, no âmbito desses trabalhos, está em curso a criação de um livre-trânsito digital para comprovar a vacinação, testagem ou recuperação da COVID-19, um documento bilíngue e com código QR, que se espera entrar em vigor no verão europeu e, tanto quanto possível, em países terceiros.

"O governo português acredita que este instrumento ajudará a recuperação do setor, quer em Portugal, quer na Europa, trabalhando em paralelo nesta altura em uma agenda para o futuro do turismo que impulsione também a transição verde e digital", lê-se em um trecho.

Resort no Algarve já tem mais de 90% de taxa de ocupação em agosto

Com 14 prêmios na 27ª edição do World Travel Awards, considerado o Oscar do turismo mundial, Portugal tenta se reinventar. Até o fim de abril, museus e monumentos de Lisboa, escolhida como Melhor Destino City Break do mundo, estão com entrada gratuita. Em Sintra, a meia hora da capital, a empresa Parques de Sintra, eleita a Melhor Empresa do Mundo em Conservação pelo oitavo ano consecutivo, promoveu o ingresso grátis apenas na data da reabertura, no dia 5 de abril.

De acordo com José Lino Ramos, administrador da Parques de Sintra, que congrega um conjunto de parques, palácios e castelos, o regresso do público decorreu com toda a segurança, seguindo com rigor as recomendações da Direção-Geral da Saúde. A empresa é detentora do selo "Clean and Safe" emitido pelo Turismo de Portugal, que certifica a aplicação de procedimentos seguros para prevenir a COVID-19. Ele faz um balanço positivo das duas semanas de reabertura e diz que já há visitas de estrangeiros.

"Tendo em conta que o processo de desconfinamento gradual das atividades econômicas ainda está em curso, com toda a prudência que a situação pandêmica exige, este regresso à operação está a decorrer de acordo com as expectativas, sendo o balanço positivo. Estamos confiantes no regresso dos visitantes estrangeiros, pois temos trabalhado para que todos os públicos possam voltar a desfrutar, com a máxima segurança, das muitas experiências proporcionadas. Este esforço começa a dar frutos, pois já estamos a receber visitantes estrangeiros", relata Ramos à Sputnik Brasil.
Entre cautela e muita empolgação: como é recebido teste para retomada do turismo em Portugal?

No Algarve, eleito o Melhor Destino de Praia do Mundo, o Dunas Douradas Beach Club, vencedor na categoria Melhor Golf & Villa Resort do Mundo, já está com uma taxa de ocupação para mês de agosto acima dos 90% de acordo com a diretora-geral Silvia Biscaia. Os meses de junho e julho também estão com uma ocupação média que ela considera satisfatória, de 50% e 70%, respectivamente.

"Maio, no entanto, continua ainda bastante titubeante quanto ao número de reservas, sobretudo pelas incertezas causadas pelas medidas de contenção dos governos inglês e irlandês, os nossos dois melhores mercados. No verão, temos uma procura muito intensa do mercado interno. O mercado turístico de luxo brasileiro é bastante expressivo em Portugal, mais em uma perspectiva de turismo de cidade. Esperamos que este mercado comece a ter uma percepção mais vincada da potencialidade do turismo de praia português e nos procurem com o intuito principal de relaxar e usufruir de uma experiência memorável", conclui Silvia.
Comentar