A Sputnik Brasil conversou com Paulo Velasco — cientista político, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e pesquisador do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) — para avaliar qual foi o comportamento de Bolsonaro na cúpula em relação à questão do desmatamento da Amazônia e às ameaças de Biden, ainda durante a campanha eleitoral americana, de impor sanções ao Brasil devido a problemas ambientais.
Velasco começou dizendo que não vê a fala desta quinta-feira (22) do presidente Bolsonaro na Cúpula do Clima como um discurso que tenha conseguido convencer aqueles que lhe assistiram. "Muitas das colocações que ele trouxe vão na contramão do que tem sido a realidade brasileira".
"Ele se compromete a aumentar os recursos para fiscalização e combate do desmatamento, aplicando recursos por exemplo na Força Nacional de Segurança, mas tem sido o contrário. Temos visto uma redução no orçamento, por exemplo, no Instituto Chico Mendes, uma redução no orçamento do Ibama, uma redução dos fiscais atuando no combate ao desmatamento. Então é um discurso que contradiz a realidade brasileira dos últimos dois anos", avaliou o especialista.
Para ele, o presidente reiterou a ideia de desmatamento ilegal zero, mas a questão já estava na Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês) brasileira apresentada na Cúpula de Paris, na época da assinatura do Acordo de Paris, ou seja, na COP-21 em 2015.
"É importante para evidenciar que o Brasil não está caminhando para trás. Mas na prática é exatamente isso que está acontecendo. Então é uma fala que acaba sendo esvaziada e contrariada pelos fatos. É importante reiterar o que estava no Acordo de Paris, mas o Brasil precisa de ações concretas e não de palavras vazias [...] É um governo que tem se mostrado muito caótico na gestão da temática ambiental, na questão climática e do desmatamento" continuou Velasco.
Pronunciamento de Bolsonaro vai melhorar sua imagem internacional?
Segundo o analista, a perspectiva é que o ceticismo continue em relação ao Brasil, pois as metas de redução de efeito estufa nesses prazos indicados acabam de alguma maneira sendo ameaçadas pela realidade. Nos últimos dois anos tem sido visto um grande avanço no desmatamento na Amazônia e na destruição de outros biomas.
"A prática do Brasil tem sido muito daninha, muito perversa. E não adianta o presidente Bolsonaro continuar de alguma maneira querendo responsabilizar os demais, ele assume um discurso que já é anacrônico, essa leitura histórica dos problemas ambientais prosperava e tinha margem até os anos 90. Nos últimos 30 anos esse discurso não cola mais. O Brasil tem pouca responsabilidade histórica nas emissões globais, porque não nos industrializamos no século XVIII, mas hoje o país é o sexto maior emissor e responde por 3% das emissões do planeta", explicou.
Velasco esclareceu que o desmatamento da Amazônia é a grande fonte de emissões do Brasil, porque a floresta é um estoque de carbono e a derrubada da mata nativa libera o carbono das árvores. "Então não vejo de fato que qualquer líder internacional, ativista, abandone seu ceticismo em relação ao Brasil, por causa do discurso de hoje".
"É importante o Brasil estar atento àquilo que se comprometeu a fazer nas NDCs do Acordo de Paris, mas a realidade tem sido outra, e esse discurso brasileiro de apelar para a responsabilidade maior dos países do Norte, fazendo uma leitura histórica, isso cada vez cola menos", declarou.
Brasil e a COP-26 em Glasgow
"Certamente veremos na COP-26 em Glasgow — que é uma reunião importante, que deveria ter sido no ano passado mas foi adiada para este ano por causa da pandemia — os Estados buscando avançar no cumprimento de suas NDCs. Lembrando que as NDCs assumidas no Acordo de Paris têm que ser revistas periodicamente, sempre haverá uma pressão para os Estados atualizarem suas metas", disse Velasco.
Para ele, é claro que o Brasil sempre será um alvo, até pela gestão caótica e o avanço gritante e preocupante do desmatamento amazônico. As palavras de Bolsonaro serão devidamente cobradas, seja no que tange aos aumentos dos recursos para a fiscalização, ao desmatamento ilegal zero até 2030 ou à redução das emissões na proporção de 37% até 2025 e 40% até 2030.
"O problema é que o Brasil tem assumido essas metas nas falas recentes de Bolsonaro, seja na carta que enviou a Biden, seja agora na Cúpula do Clima, o Brasil tende a condicionar essas metas ao aporte financeiro dos países desenvolvidos, quando uma coisa não tem a ver com a outra. O Brasil sempre foi um defensor de fundos ambientais, desde os anos 90 já víamos ali o país defendendo essas medidas na famosa COP-15, em Copenhague. Em 2009, defendemos a criação de fundos ambientais, depois se falou em fundos verdes, é uma tradição brasileira", avaliou o analista.
Finalizando, Velasco ponderou que o Brasil tem recursos para estes fundos, como por exemplo quando foi criado o Fundo Amazônia, que contou com aportes de Alemanha e Noruega, mas que agora dificilmente qualquer país desenvolvido vai encaminhar recursos para o Brasil enquanto não houver uma ação mais clara e contundente do governo no combate ao desmatamento e na proteção dos vários biomas.