De acordo com o relatório mais recente divulgado pelo Centro Europeu de Controle de Doenças (ECDC, na sigla em inglês), nos últimos 14 dias, Portugal registrou 75 casos positivos de SARS-CoV-2 por 100 mil habitantes. Em segundo lugar, aparece a Finlândia, com 82 casos por 100 mil habitantes e, em terceiro, a Irlanda, com 108. Em seguida, figuram Malta (145) e Dinamarca (164).
A análise dos dados permite ver ainda que a incidência de COVID-19 em Portugal nos últimos 14 dias foi mais alta entre pessoas de 25 a 49 anos, com 93 casos por 100 mil habitantes. Na sequência, surgem as faixas etárias de 15 a 24 anos (86); menores de 15 anos (83); de 50 a 64 anos (62); idosos de 65 a 79 anos (44); e de mais de 80 anos (32).
Em fevereiro, Portugal chegou a ter 1.190 casos por 100 mil habitantes em 14 dias, sendo o país com pior resultado na Europa, mais do que os 962 do Chipre, que ocupa a pior posição no ranking atualmente. Mas o que mudou em dois meses além de um rígido lockdown?
Em entrevista à Sputnik Brasil, o médico carioca Marcelo Teixeira Matos, que atua na linha de frente do combate à COVID-19 em dois hospitais da Área Metropolitana de Lisboa, elenca um conjunto de fatores, a começar pelo plano de desconfinamento faseado, que se encontra na terceira fase na grande maioria dos 278 municípios.
"Tenho acompanhado esses números com uma certa atenção. E o que percebo é que o plano do governo realmente é muito organizado em etapas. Há uma tendência natural de as pessoas se vigiarem, porque nenhum município quer ter o número de casos aumentado para ter que voltar a um patamar anterior com fechamento do comércio e lockdown. Então, isso tem contribuído", avalia Matos.
Outro fator apontado pelo especialista é a qualidade da vacina da Pfizer, preponderante em Portugal, com mais de 1,45 milhão de doses aplicadas, seguida da AstraZeneca, com 417 mil, e da Moderna, com 157 mil. Se a da AstraZeneca gerou desconfiança na Agência Europeia de Medicamentos (EMA, na sigla em inglês) devido a casos de tromboembolismo, Matos destaca que a da Pfizer trouxe mais segurança, o que tem se refletido na diminuição do número de casos, visível no atendimento.
"A [vacina] da Pfizer já tem sido bem elogiada pelos meus pares e colegas médicos. Pelo menos, aqui em Portugal, não tenho visto nenhuma recidiva da infecção após a vacinação. O Covidário aqui também anda com muito poucas pessoas positivas, são raríssimas as que aparecem", exemplifica.
Segundo dados da Direção Geral de Saúde (DGS), na semana entre 15 e 21 de março, por exemplo, havia 848 doentes internados por COVID-19, sendo 194 em unidades de cuidado intensivo. Na última semana, entre 19 e 25 de abril, esses números caíram pela metade, com 400 internados, 106 deles no intensivo.
Vacinação de população mais idosa leva à queda de mortes em asilos
Associado a isso, Matos acrescenta o fato de a vacinação estar cobrindo a população mais idosa e vulnerável. Mais de três milhões de doses já foram administradas em Portugal, com 21,71% da população imunizados pelo menos com a primeira dose, e 8,10% com as duas. Entre os portugueses de 80 anos ou mais, esses índices sobem para 91,37% e 58,32%, respectivamente.
Isso fez com que o número de mortes despencasse nessa faixa etária. Em 2020, por exemplo, houve 4.476 óbitos de pessoas acima dos 80 anos, decorrentes da COVID-19. Contudo, só nos dois primeiros meses deste ano, o número subiu para 6.138. Em março, a queda já foi acentuada para 298 mortes, caindo ainda mais, para 48, entre 1 e 22 deste mês. Nos asilos, os números caíram de 2.435, em janeiro e fevereiro, para 166 do mês seguinte, e apenas cinco nos 22 primeiros dias de abril.
Na União Europeia, Portugal é o segundo país com o menor número de mortes (5,92) por milhão de habitantes nos últimos 14 dias, atrás apenas da Dinamarca, com 4,98, de acordo com o último relatório da ECDC. Na terceira posição, aparece a Noruega (6,15), seguida da Finlândia (8,14) e da Suécia (12,39).
"Os casos não têm sido graves e têm afetado mais a população jovem, porque a mais velha está vacinada. Então, onde havia mais mortes, foi prevenido, tanto que, nos lares de idosos, praticamente caiu a quase zero o número de mortes após a vacina. O governo, acho que acertadamente, priorizou o grupo mais vulnerável, que é acima de 80 anos de idade, onde a taxa de mortalidade é muito maior", analisa Matos.
A médica gaúcha Nair Amaral, que também trabalha na linha de frente do combate à COVID-19 em Portugal, acrescenta outros fatores para a evolução de Portugal. Além da melhora do clima, com temperaturas que chegam à casa dos 20 graus desde o fim de fevereiro, ela ressalta que o país foi um dos primeiros a fazer lockdown neste ano, justamente por ter sido a nação do mundo com o maior número de casos e mortes por milhão de habitantes no início de 2021.
"Os picos não acontecem simultaneamente em todos os países. Quando um país está em uma onda, os outros não estão, pode ser o país ao lado, como Portugal e Espanha, que têm tempo diferentes, porque o convívio e os hábitos são diferentes. Fomos os primeiros a ter a estirpe inglesa, na crista da onda, com os piores resultados. Depois de muitas mortes, com isolamento, distanciamento e um lockdown rigoroso, Portugal já deu a sua cota. Agora, merece um pouco de calmaria", compara Nair Amaral.
Pesquisa mostra que 15,5% da população já têm anticorpos
Outro aspecto destacado pela médica é a imunidade adquirida, seja pela vacinação ou pelos doentes recuperados. De acordo com os dados preliminares da segunda fase do Inquérito Serológico Nacional do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA), divulgados nesta segunda-feira (26), 15,5% da população residente em Portugal entre 1 e 80 anos já têm anticorpos contra o novo coronavírus, sendo 13,5% conferidos pela infecção.
Entre os vacinados, a proporção de pessoas com anticorpos foi de 74,9%, valor que sobe ainda mais, para 98,5%, quando consideradas apenas as pessoas imunizadas com duas doses há pelo menos uma semana. Foi analisada uma amostra de 8.463 pessoas entre 2 de fevereiro e 31 de março. Na primeira fase da pesquisa, entre maio e julho de 2020, quando ainda não havia vacinas, apenas 2,9% haviam adquirido anticorpos, após terem sido infectados.
"Acredito muito nessa barreira quando se tem pessoas vacinadas e outras com imunidade natural, que já tiveram a doença. Com isso, diminui a propagação do vírus. Se o clima estiver bom, mais seco e menos frio, melhor. Portugal tem grandes chances de fazer essa reabertura no verão, a melhor época de botar o pé para fora de casa", indica.
Contudo, a médica faz uma ressalva quanto às subnotificações, já que Portugal é um dos países que menos realizam testes para detecção de SARS-CoV-2. É o 19º colocado na União Europeia, com apenas 2,32 testes diários por 100 mil habitantes, segundo dados do ECDC. Para efeitos comparativos, o Chipre, que lidera o número de novos casos nos últimos 14 dias, é também o país que mais testa, com média de 57 pessoas testadas por dia a cada 100 mil habitantes.
"Temos muito mais gente positiva do que se pode imaginar. Se alguém espera que os casos vão estacionar ou parar, é uma ilusão. Vão aumentar até que toda população tenha contato com o vírus. Mas sou otimista. Por mais que se volte a ter outras ondas, não serão tão fortes como a última. O mais importante agora é a velocidade de vacinação", prevê.
Na segunda-feira (26), estavam previstas para chegar mais 384 mil doses da Pfizer. A partir de maio, o governo português pretende vacinar cerca de 100 mil pessoas por dia, durante quatro meses. A expectativa é de que, até o fim do próximo mês, já tenham sido vacinados todos os maiores de 60 anos, faixa etária em que se concentram 96% dos óbitos por COVID-19.