A Sputnik Brasil ouviu um defensor da flexibilização e um jurista que falou sobre a constitucionalidade ou não dos decretos do presidente sobre a questão.
Entre outras medidas, os decretos ampliam de quatro para seis o número de armas que um cidadão brasileiro pode possuir, permitem o porte simultâneo de duas armas e aumentam também a quantidade de munição para colecionadores, atiradores e caçadores.
Os quatro decretos entraram em vigor no dia 12 de abril com o intuito de flexibilizar as regras para aquisição de armas de fogo e munições no país. Foram alvos de ações por parte de três partidos políticos — PSB, PT e Rede —, que contestaram sua constitucionalidade, e o julgamento das ações teve início quatro dias depois no Supremo Tribunal Federal (STF).
A relatora do caso, a ministra Rosa Weber, pediu esclarecimentos à presidência da República, à Advocacia-Geral da União e à Procuradoria-Geral da República, e adotou o rito que leva a análise direto ao Plenário do STF.
Em defesa das armas
Hugo Santos, diretor-presidente da Associação dos Proprietários de Armas de Fogo do Brasil (Aspaf), declarou à Sputnik Brasil que a discussão atual remonta à aprovação do Estatuto do Desarmamento, que foi "aprovado não respeitando a vontade popular em referendo e que o resultado final foi de que a maioria dos brasileiros era a favor e continua sendo a favor da posse e do porte de armas de fogo".
"A verdade é que o direito de possuir armas de fogo ele está ali na nossa Constituição, explícito, mais precisamente no quinto artigo que fala sobre o direito à vida, o direito à propriedade, o direito à segurança [...] E a criminalidade crescente ela justifica a posse e o porte de arma de fogo pelo cidadão de bem", justifica Santos.
O posicionamento pessoal de Santos é que o cidadão deve poder comprar uma arma como compra qualquer outra coisa, devendo apenas guardar sua nota fiscal pela questão da propriedade e que o Estado não intervenha nessa relação. "É um tema bastante polêmico, que tem ganhado os noticiários, porque temos uma grande parte da imprensa que é contra o presidente da República".
"A realidade é que nos últimos dois anos o número de pessoas adquirindo armas praticamente dobrou e os índices de homicídios caíram mais do que metade, mas não se vê ninguém falando nada sobre isso", completou o diretor da Aspaf.
Santos lembra que as normas para se possuir uma arma de fogo no Brasil são extremamente rígidas: o comprador não pode ter nenhum antecedente criminal, tem que comprovar que é um cidadão de bem através de certidões negativas; tem que possuir endereço fixo próprio, comprovado através de documentação; tem que comprovar capacidade psicológica através de laudo emitido por um psicólogo e tem que mostrar capacidade técnica de manuseio de arma de fogo.
"A correlação direta entre o número de homicídios caírem e o número de armas de fogo terem aumentado comprova que a arma de fogo serve para defesa [do cidadão], ela não mata ninguém, pessoas é que matam pessoas e elas usam diversos meios para isso quando quer matar", defendeu o diretor da Aspaf.
O que juristas dizem
A Sputnik Brasil também ouviu um jurista para falar especificamente sobre os decretos de Bolsonaro. Wallace Corbo, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) Direito Rio, explicou que o presidente não pode alterar o Estatuto do Desarmamento por meio de decreto, porque o estatuto é uma lei, editada pelo Poder Legislativo e ao Executivo não cabe alterar leis.
"Diante de uma legislação, que vai prever direitos e deveres, que vai prever procedimentos, o presidente da República pode editar decretos que vão detalhar esses direitos, como esses direitos vão ser exercidos. Mas ele nunca pode contrariar a lei por meio do decreto", disse Corbo.
Segundo ele, o decreto pode detalhar a lei, mas sempre nos limites que a lei define. O presidente para fazê-lo precisa se assegurar se ele não é exaustivo sobre aquele tema. No caso, esse ato executivo poderia dizer, por exemplo, como uma pessoa vai acessar a posse de uma arma, qual vai ser o procedimento que vai ser seguido, em que prazo vão se manifestar as autoridades, ou seja, tudo que a lei não disser em detalhes o presidente pode detalhar, mas ele nunca pode justificar esse decreto com a necessidade de ampliar as hipóteses legais ou afastar as hipóteses previstas na lei.
Violação da Constituição
Corbo avalia que os decretos violam a Constituição em dois planos: "Primeiro no plano que nós chamamos de inconstitucionalidade formal, o que quer dizer isso? Que a forma pela qual o presidente buscou efetivar os objetivos dele de ampliação do acesso às armas é inconstitucional. Porque o presidente não pode por meio de decreto contradizer uma lei".
"Mas tem também um grupo de violações que chamamos de materiais à Constituição, ou seja, não só que o presidente está adotando uma forma equivocada, mas também que o decreto viola direitos fundamentais", continuou o especialista.
Para Corbo existe também um problema com relação à proteção de grupos vulneráveis, pois as armas de fogo são caras, não é qualquer um que vai ter acesso a elas no mercado lícito, como a população rural de baixa renda, por exemplo. Isso gera, segundo o professor de direito, um impacto desproporcional, de prejuízo desproporcional, para grupos como esses. Neles, Corbo inclui mulheres, pessoas negras, crianças e adolescentes.
"Esses decretos, de uma só vez, fazem aquilo que não poderiam — porque um decreto não poderia negar os objetivos do Estatuto do Desarmamento. E ao fazer isso, violam também os objetivos dos direitos previstos na Constituição: direito à vida, à segurança, à integridade física e também ao próprio controle do Estado sobre a segurança pública e sobre o armamento da população", finalizou o especialista.