Como identificar, em criadouros autorizados, os animais silvestres que foram capturados ilegalmente na natureza? Em 2021, a Polícia Federal no Amazonas passou a ter uma "arma química" poderosa para combater o tráfico de fauna e outros crimes ambientais no estado.
O órgão adquiriu, em janeiro deste ano, equipamentos que detectam a origem geográfica de espécies silvestres. Com isso, os peritos conseguem identificar se um animal foi criado em cativeiro ou se foi capturado de maneira ilegal na natureza.
A Superintendência Regional da Polícia Federal no Amazonas é a pioneira na implementação da tecnologia atômica, chamada de análise de isótopos estáveis.
No total, o órgão estadual investiu R$ 2,6 milhões em equipamentos e na adequação de instalações laboratoriais, sendo apenas R$ 100 mil de verba própria. A maior parte (R$ 2,5 milhões) veio de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) realizado com infratores, conforme publicado pela agência de notícias Mongabay.
O biólogo Rafael Leite, especialista em tráfico de fauna silvestre da ONG Worldlife Conservation Society (WCS Brasil), ressalta que a tecnologia dos isótopos estáveis já é amplamente conhecida, mas que, de fato, é inovadora na aplicação para o combate ao tráfico de espécies silvestres no Brasil.
"Através dela é possível traçar a origem dos elementos que compõem os organismos. Nesse aspecto, ela é bastante interessante e eficaz na fiscalização do tráfico de animais, porque pode indicar claramente se um animal é proveniente de cativeiro, criadouro ou se foi extraído da natureza", afirmou Leite em entrevista à Sputnik Brasil.
O especialista avalia que o uso da tecnologia tem enorme importância, não só para o combate ao tráfico de animais, mas também de madeira na região da Amazônia.
Segundo ele, as análises realizadas em laboratórios podem gerar uma "prova incontestável" do ponto de vista científico.
O biólogo explica que o tipo de alimentação dos animais em cativeiros e na natureza é bem distinta. Assim, mesmo após alguns anos de captura ilegal, ainda é possível identificar diferenças isotópicas nos tecidos dos animais.
Com os estudos dos materiais colhidos, os inquéritos policiais conseguem ter base para incriminar os culpados pelos atos ilícitos.
Leite diz que não há como os criminosos burlarem ou maquiarem as informações dos isótopos.
"Tem bastante efeito prático. Consegue detectar com bastante precisão", garantiu.
Do Amazonas para o Brasil?
Segundo o biólogo, um dos desafios para adotar a ferramenta em larga escala no país é que a técnica depende de laboratórios com boa infraestrutura, além da disponibilidade de recursos humanos para realizar as análises.
"Não é qualquer lugar que vai ter condições de montar. Talvez a maior dificuldade é conseguir levar esses laboratórios para outras regiões", disse.
Ele sugere uma alternativa: manter os laboratórios e centros especializados nas capitais ou grandes cidades, que receberiam as amostras colhidas. Dessa maneira, as fiscalizações poderiam ocorrer em todo o país.
"Isso parte muito da coordenação entre as diferentes autoridades que trabalham no combate ao tráfico de vida silvestre", apontou o biólogo.
O especialista diz que a comunicação e o trabalho de inteligência são fundamentais, já que os locais de fiscalização e as cidades com laboratórios, muitas vezes, poderão estar sob responsabilidade de autoridades distintas.
"Então, a aplicação em larga escala depende dessa articulação e também de promover os laboratórios e os recursos humanos capacitados para realizar esse tipo de análise, que tem um grande potencial para combater esses ilícitos", disse.