O voo de deportação anunciado por Washington deve trazer de volta ao Brasil cerca de 130 brasileiros que tentaram entrar ilegalmente nos EUA. O número exato de pessoas ainda não foi confirmado. Esse tipo de deportação com aeronaves fretadas foi uma das marcas do governo anterior, de Donald Trump, e contrasta com a plataforma democrata, que levantou uma retórica humanitária em relação aos imigrantes.
Para Denilde Holzhacker, professora de Relações Internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing de São Paulo (ESPM-SP), a medida demonstra que o governo Biden está com dificuldades para sustentar as políticas propostas durante a campanha presidencial.
Conforme dados de membros do governo norte-americano ouvidos pela CNN, o número de imigrantes ilegais encontrados na fronteira dos EUA foi de, em média, 6.000 por dia ao longo de abril, sendo que em março havia sido de 5,560 diariamente. Esse é o maior fluxo migratório do país em 20 anos.
Segundo a Holzhacker, Biden adotou estratégias e medidas semelhantes às de Trump diante do recente aumento do fluxo migratório, o que tem insuflado críticas tanto dos defensores de direitos dos imigrantes, quanto dos que criticam a suposta permissividade anunciada pelo novo governo na política de imigração nos EUA.
"[São] duas situações que levam ele [Biden] a assumir um papel que não era a expectativa e que mostra a retomada de uma política que ele mesmo havia criticado durante a campanha", aponta a pesquisadora em entrevista à Sputnik Brasil.
"Havia uma decisão de suspensão das deportações imediatas, algumas táticas do Trump também tinham sido suspensas. Então, é entender por que esse grupo de brasileiros está sendo deportado e se é parte de uma política sistemática que vai ser retomada, ou se é específica para o caso do Brasil", afirma, acrescentando que o fluxo de brasileiros tentando entrar nos EUA aumentou.
A pesquisadora explica que caso essa seja realmente uma política contínua do governo Biden, é possível afirmar que há uma continuidade em relação ao governo anterior do campo da imigração. Apesar disso, Holzhacker salienta que o atual presidente dos EUA caminha em outra direção.
"Se ele adotar esta política ele vai ter, sim, uma estratégia semelhante [à de Trump]. Mas, no geral, desde que o Biden assumiu o poder, ele tem feito sinalizações muito diferentes. Tanto na questão de mandar para o Congresso a reforma da imigração, com foco especificamente no tratamento aos imigrantes que chegam, regularizar mais de 11 milhões de imigrantes, no fortalecimento das comunidades locais, no compromisso de não separar famílias - algo que havia acontecido sistematicamente com Trump – e na lógica de atuação na fronteira", expõe a pesquisadora.
Mudança de postura esbarra em quadro complexo
A professora da ESPM-SP acredita que, apesar das críticas, como no caso das dificuldades encontradas para reunir famílias imigrantes e também na continuidade da detenção de menores na fronteira, há diversas ações de Biden que vão na direção contrária da política do governo de Donald Trump.
"Acho que esse é um quadro um pouco mais amplo do que apenas dizer que ele [Biden] está assumindo a política do Trump", diz.
Segundo a professora, uma amostra sobre a mudança de percepção em relação à política norte-americana de imigração é o fato de que, em abril e março deste ano, o fluxo migratório disparou no país. Dessa forma, ela aponta que o quadro atual demonstra a complexidade da questão.
"De fato, mostra que não é um problema de fácil resolução. E o Biden enfrenta um problema que todos os presidentes norte-americanos enfrentam desde os anos 1980. A gente viu a tentativa de reforma do [ex-presidente George W.] Bush, a tentativa do [ex-presidente Barack] Obama, as ações do Trump. Então, essa não é uma questão que envolve apenas uma solução, mas envolve uma série de questões", avalia.