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Ameaça à democracia e vazamento de dados: o que está por trás da cooperação entre EUA e Lava Jato?

Na segunda-feira (7), um grupo de 20 congressistas norte-americanos pediram que o governo do presidente Biden informe como os órgãos de investigação do país cooperaram com a Operação Lava Jato.
Sputnik

Em uma carta enviada ao Departamento de Justiça dos EUA (DoJ, na sigla em inglês), os congressistas afirmaram estar "preocupados" com o envolvimento de agentes dos EUA em procedimentos investigativos e judiciais no Brasil, que geram controvérsia substancial e são vistos por muitos no país como uma ameaça à democracia e ao Estado de Direito.

Para comentar o assunto, a Sputnik Brasil entrevistou Vinicius Rodrigues, professor de Relações Internacionais da FGV e doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Oxford.

A citação de uma carta deixa claro que houve uma cooperação entre o DoJ e a Operação Lava Jato, contudo, resta saber o motivo desta cooperação e o que ela significa para as relações entre o Brasil e os EUA.

De acordo com Vinicius Rodrigues, "a cooperação entre os EUA e a Lava Jato ocorreu devido ao fato de todos os mecanismos de monitoramento de finanças de lavagem de dinheiro terem sido criados pelos EUA após o 11/09".

"Os EUA criaram uma série de leis domésticas e regulações internacionais sobre o assunto, então nada mais natural que [...] busque-se [com o Brasil] esse tipo de cooperação", ressaltou.

Contudo, o professor ressalta que "o grande problema é quais dados foram revelados, já que o Brasil teria compartilhado dados que afetam a soberania do país".

"Os EUA usaram a lei para afetar os inimigos, potenciais concorrentes, que tenham empresas que venham a concorrer com as empresas de seu país. Não que o Brasil represente uma ameaça aos EUA, mas é o país que mais tem potencial para construir um espaço de autonomia em relação à tradição de domínio americano no Hemisfério Ocidental", explicou.

Ao ser questionado sobre se esta cooperação entre os dois países teria trazido resultados, Vinicius Rodrigues acredita que o compartilhamento de informações foi essencial para identificar os rastros de depósitos, sobretudo no exterior, não necessariamente nos EUA, mas as movimentações financeiras. Contudo, a operação pode ter ultrapassado seus limites, principalmente sobre a questão de vazamento de informações.

"Então, me parece que os resultados não compensaram essa perda de soberania", enfatizou.

Em fevereiro deste ano, o ministro do Superior Tribunal Federal Gilmar Mendes declarou que os diálogos sugeriram cooperação internacional ilegal com os EUA, o que está causando apreensão no Congresso americano.

Vinicius Rodrigues concorda com a declaração de Gilmar Mendes, pois segundo ele, "quem tem poder para assinar tratados internacionais é o Executivo brasileiro e nenhum outro poder".

"O Executivo depende do Legislativo para fazer a ratificação, a confirmação dos tratados, enquanto o Judiciário internaliza os tratados como objeto de lei", explicou.

Para o especialista, não há nada nessa linha entre o Executivo brasileiro e o americano para que ocorra este tipo de cooperação "muito bem delimitada, fazendo com que ambas as partes sejam beneficiadas, e não haja uma concessão unilateral a favor de uma das partes".

"Tudo indica que o acordo beneficiou muito mais os americanos do que os brasileiros no sentido de passarmos aos americanos informações sensíveis sobre as investigações daqui que envolvem empresas estratégicas para a nossa segurança nacional, entre elas e, sobretudo, a Petrobras [...] O poder judiciário não poderia celebrar acordos, ainda que informais, por conta própria sob uma pena de ultrapassar as prerrogativas constitucionais", comentou.

A carta dos congressistas norte-americanos enviada ao DoJ é assinada por estrelas do Partido Democrata, como a deputada Alexandria Ocasio-Cortez. Com isso, surge a possibilidade de uma divisão dentro dos EUA, como explica o especialista.

Ameaça à democracia e vazamento de dados: o que está por trás da cooperação entre EUA e Lava Jato?

"Tradicionalmente, a esquerda americana dentro do Partido Democrata sempre foi muito solidária às lutas por soberania, independência, sobretudo dos povos latino-americanos. Então, há uma divisão dentro dos EUA, mas me parece que dentro do Executivo, seja governado por democratas ou por republicanos, a ideia é usar os instrumentos que os EUA têm em mãos para fazer valer o seu poder."

Carta do Congresso dos EUA surge em momento crucial

A carta dos congressistas norte-americanos surgiu em um momento em que o ex-juiz federal Sergio Moro está em baixa e em que o ex-presidente Lula está em alta, e arrefeceu temporariamente as críticas à operação Lava Jato.

A deputada democrata Susan Wild, da Pensilvânia, uma das signatárias da carta ao DoJ, afirmou à BBC que "há tempos estava preocupada com a Lava Jato e suas consequências para a democracia brasileira, particularmente com o que parece ter sido um esforço politizado e falho para prender o ex-presidente Lula e mantê-lo fora das urnas em 2018".

"À medida que o Brasil se aproxima da eleição presidencial de 2022, acredito ser crucial que os membros do Congresso dos EUA deixem claro que a era de interferência acabou, o povo brasileiro deve ser livre para escolher seus próprios governos", afirmou Wild.

Para Vinicius Rodrigues, a ação do Congresso americano aproveitou a janela de oportunidades, aproveitando-se da fragilidade de Moro, das ilegalidades expostas da Lava Jato, e a simpatia pela candidatura do Lula teria contribuído para um movimento transnacional para fortalecer ainda mais a candidatura do Lula, ou de qualquer outro candidato, como alternativa ao Bolsonaro.

O que esperar da carta do Congresso americano?

A carta dos congressistas americanos pode ser interessante, dependendo do que for encontrado.

De acordo com o especialista, há a possibilidade que haja registros de ligações, viagens do pessoal brasileiro da Lava Jato com americanos, que podem revelar o nível de contato e, portanto, esclarecer algumas situações inusitadas, como o caso de Moro, que após abandonar a carreira jurídica visitou a CIA acompanhado de Bolsonaro, o que é uma ação inapropriada.

Além disso, poderá expor a agenda de contatos, indicando o grau de interferência externa nas investigações, uma questão diretamente ligada à soberania nacional, ressalta Vinicius Rodrigues.

O especialista nota que o movimento servirá também para que o Congresso satisfaça suas bases, expondo as contradições da política externa dos EUA e o imperialismo norte-americano, que se sobrepõe à soberania de países aliados e inimigos.

"O combate à corrupção deve ser feito dentro dos limites da soberania nacional e dos marcos jurídicos nacionais", concluiu Vinicius Rodrigues.

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