Até o fim de dezembro de 2020, eram 183.993 brasileiros em terras portuguesas, um crescimento de 21,6% em relação a 2019, quando havia 151.304. Os números estão no Relatório de Imigração, Fronteiras e Asilo (Rifa 2020), divulgado pelo SEF na noite desta quarta-feira (23). Não entram nesse cálculo pessoas com dupla nacionalidade (brasileira e portuguesa, ou de outro país da União Europeia) nem em situação irregular.
Para efeitos comparativos, a segunda nacionalidade com mais residentes em Portugal é a britânica, com 46.238, perfazendo apenas 7% do total de estrangeiros. No entanto, o crescimento do número de cidadãos do Reino Unido em solo lusitano foi de 34,6% em relação a 2019, maior, portanto, do que o de brasileiros.
Apesar de a quantidade de brasileiros ter crescido pelo quarto ano consecutivo, quebrou-se a tendência de crescimento na emissão de novos títulos de residência. Em 2020, o SEF emitiu 118.124 novos títulos, sendo 42.245 para cidadãos do Brasil, representando quedas nas taxas de emissão de 8,5% (total) e 13,4% (para brasileiros) em relação a 2019.
À Sputnik Brasil o SEF confirmou que vai passar a agendar entrevistas para autorizações de residência com base na ordem cronológica dos pedidos. Muitos imigrantes chegam a esperar mais de dois anos pelo agendamento. O sistema de marcação é alvo de reclamações de associações de imigração, que denunciam esquemas de contratação de empresas para conseguir vagas.
"O SEF está, atualmente, e com base nos princípios da igualdade, oportunidade e disponibilidade, a analisar a metodologia mais adequada para o agendamento por ordem cronológica, tendo em conta a data da aceitação da Manifestação de Interesse, prevendo-se a sua implementação até ao final do terceiro trimestre, acautelando os mecanismos de verificação de segurança. Posteriormente, os cidadãos serão notificados por ordem cronológica, de acordo com a capacidade de atendimento", lê-se na nota enviada à Sputnik Brasil.
O órgão ressalta que as vagas para atendimento de cidadãos estrangeiros com manifestações de interesse formuladas ao abrigo dos artigos 88 e 89, nº 2 da Lei de Estrangeiros, estão totalmente preenchidas até 30 de outubro, não havendo, no momento, previsão de abertura de novas vagas.
A nota faz a ressalva de que todos os cidadãos estrangeiros com processos pendentes no SEF, cujo pedido tenha sido formulado entre 18 de março e 30 de abril de 2021, encontram-se, temporariamente, em situação regular em território nacional até a decisão administrativa definitiva do respectivo processo.
"Os processos ficam, assim, suspensos durante o período de apreciação e tramitação, garantindo a igualdade de tratamento entre cidadãos estrangeiros", lê-se em outro trecho.
Protestos marcados para 11 de julho pela autorização de residência
Para o próximo dia 11 de julho, brasileiros marcaram manifestações em Lisboa e no Porto por mudanças na forma de emissão da autorização de residência. Uma das principais reivindicações é a concessão automática de residência para imigrantes com manifestação de interesse aprovada pelo SEF, comprovando que o estrangeiro tem um contrato de trabalho, portanto, habilitado a pedir a autorização de residência.
Uma das criadoras da Comissão dos Imigrantes em Portugal para a Liberação da Residência, a carioca Karina Lerner realizou sua manifestação de interesse há um ano e meio. A comissão enviou uma carta aberta ao governo português pedindo celeridade. À Sputnik Brasil, Karina falou das dificuldades de brasileiros que ficam à espera da autorização de residência.
"Tem gente que não consegue entrar no sistema de saúde, não consegue emprego, mudar a carta de condução. Precisamos que o SEF faça [o agendamento] em ordem cronológica. Já se passou muito tempo. Não podemos esperar mais. Estamos aqui passando dificuldades, e o momento está muito delicado por causa da COVID-19", disse Karina.
Em entrevista à Sputnik, o advogado Fábio Pimentel, sócio do escritório J Amaral Advogados, especializado em internacionalização de empresas brasileiras e situação imigratória, diz que o decréscimo no número de autorizações de residência é pequeno e pode ser atribuído aos impactos provocados pela COVID-19.
"Essa ligeira queda no número de brasileiros residentes em Portugal de 2019 para 2020, de cerca de 13%, é naturalmente explicada pela pandemia, que acabou por forçar muitos a voltarem para o Brasil. Porém, é um número pequeno, se observarmos a gravidade do contexto envolvido", avalia Pimentel.
Ele explica que a liderança do Brasil no fluxo migratório é uma tendência histórica, seja pelas raízes coloniais, seja pelo desenvolvimento de relações comerciais, econômicas e políticas entre os dois países. O advogado, que tem escritórios no Porto e em São Paulo, relembra que nos anos 1930, estimava-se que a população de portugueses no Brasil era de cerca de 700 mil pessoas.
"Esse número vem caindo desde então, até que, em 2015, já era possível verificar claramente uma inversão no fluxo migratório", compara.
De acordo com o especialista, diversos fatores explicam essa inversão, desde a degradação nas condições de vida no Brasil, com o aumento da violência, até o abrigo que a legislação portuguesa dá a filhos e netos de portugueses nascidos no Brasil, que podem adquirir a nacionalidade portuguesa.
Número de pedidos de nacionalidade portuguesa cai 9%
Já em relação aos pedidos de aquisição da nacionalidade portuguesa para estrangeiros que vivam há pelo menos cinco anos em Portugal ou que tenham cônjuge português (casamento ou união estável), em 2020, o SEF registrou uma diminuição de 6,9% face a 2019. Dos 64.309 pareceres emitidos pelo SEF, 20.847 foram para brasileiros, 2.081 (9%) a menos do que no ano anterior.
Pimentel também atribui à pandemia a ligeira diminuição nos pedidos de aquisição de nacionalidade por brasileiros. No entanto, ele afirma que isso não muda o quadro geral de grande crescimento nos últimos anos. De 2018 para 2019, esse número praticamente duplicou, de 11.586 para 22.928.
"Ou seja, afetou bem pouco. Isso demonstra que cada vez mais os brasileiros estão buscando formas mais seguras e estáveis de permanecer no país. É importante lembrar também que a nacionalidade portuguesa permite o livre acesso à moradia e ao trabalho em qualquer outro país da União Europeia. Logo, é também possível que, a partir de Portugal, muitos estejam buscando acessar também outros mercados e países do bloco econômico", justifica.
O empresário carioca Eduardo Soares, que vive em Portugal há seis anos, fez o pedido de aquisição de nacionalidade portuguesa em maio. Ele conta que já teve os documentos aceitos pelo SEF, mas que o prazo para o parecer é de 12 meses. Ele chegou a Braga em 2015, com visto de estudante e, após duas renovações anuais, migrou para o visto de cônjuge de cidadão europeu, este com validade de cinco anos. Hoje, mora em Lisboa e considera-se um felizardo pela agilidade no seu processo.
"Ao completar o tempo mínimo de permanência em solo lusitano, resolvi aplicar para a cidadania portuguesa e enviei e-mail para algumas conservatórias de registros solicitando data para a apresentação dos documentos requeridos. Foi tudo muito dinâmico, todas as conservatórias me responderam num curto prazo e escolhi a que oferecia a data mais próxima, no caso, a de Braga. Não tive dificuldade alguma no ato da apresentação da documentação mesmo na pandemia", relata Soares à Sputnik Brasil.
Brasileiros lideram entre os barrados, mas número cai em 2020
De acordo com o Rifa 2020, a maioria das recusas de entrada em território nacional ocorreu em postos de fronteira aérea, destacando-se o Aeroporto de Lisboa. No total, foram barrados 1.589 estrangeiros, 1.172 (73,8%) deles brasileiros. Para efeitos comparativos, a segunda nacionalidade com maior recusa de entrada foi a angolana, com apenas 58 barrados.
Laudiciea Lima, uma das brasileiras barradas, em 28 de fevereiro de 2020, relatou ter sido coagida e obrigada por agentes do SEF a assinar documentos assumindo, de forma compulsória, que teria ido a Portugal em busca de trabalho, apesar de ter viajado por conta de turismo religioso, segundo explicou seu advogado à Sputnik Brasil, em dezembro. A prática também foi relatada por outras brasileiras para que o SEF pudesse justificar a proibição de entrada, a expulsão do país e o regresso ao Brasil.
Na época em que as denúncias vieram à tona na imprensa, o então chanceler interino do Brasil, Otávio Brandelli, telefonou para o ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, Augusto Santos Silva. As denúncias de maus-tratos brasileiros vieram na esteira da morte de Igor Homenyuk. O ucraniano morreu em 12 de março após ser espancado e torturado por agentes do SEF. Três Inspetores foram condenados a penas entre 7 a 9 anos de prisão.
No entanto, o número de brasileiros barrados caiu 70% em relação a 2019, acompanhando a queda total de 68% de estrangeiros que tiveram a entrada recusada em Portugal. Naquele ano, foram 3.965 barrados de uma totalidade de 4.995 em 2019. As reduções acentuadas podem ser explicadas pela drástica diminuição no tráfego aéreo no ano passado em decorrência das restrições provocadas pela pandemia.