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Brasil no comando: quais mudanças e perspectivas podemos esperar no Mercosul nesses 6 meses?

Na quinta-feira (8), o Brasil assumiu a presidência temporária do Mercosul, bloco que reúne, além do Brasil, o Uruguai, a Argentina e o Paraguai. A Sputnik Brasil falou com a professora de Relações Internacionais da UNIFESP para compreender as possíveis mudanças e perspectivas no Mercosul durante a presidência do Brasil.
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A decisão foi tomada após uma cúpula entre a liderança dos quatro países, lembrando que a Venezuela foi suspensa do bloco. Com a decisão, o Brasil ficará no comando pelos próximos seis meses.

Durante a cúpula, o presidente brasileiro Jair Bolsonaro criticou a gestão argentina e prometeu pressionar pela modernização do bloco.

Em entrevista à Sputnik Brasil, a professora de Relações Internacionais da UNIFESP e coordenadora do Observatório do Regionalismo, Regiane Nitsch Bressan, falou sobre o que pode acontecer com o bloco durante a presidência temporária do Brasil.

Temas da agenda da presidência do Brasil no Mercosul

Falando sobre os principais temas da agenda da presidência do Brasil, Regiane afirmou que a política externa brasileira para o Mercosul já há alguns anos vem pressionando para que o bloco faça um retrocesso em relação a suas etapas econômicas.

"Eu entendo que a presidência do Brasil, neste momento, vá pautar por esta temática, sobretudo com a declaração do Uruguai na última semana. A declaração do Uruguai foi uma grande surpresa, porque o Uruguai nestes 30 anos do Mercosul sempre pressionou pela maior institucionalização e, sobretudo, criação de instâncias supernacionais no bloco, ou seja, que o bloco tivesse poder acima dos Estados, que os Estados de alguma forma pudessem ceder soberania para a integração regional", comenta a Regiane.

De acordo com a professora, com a mudança de governo no Uruguai nos últimos anos, tivemos uma alteração bastante substantiva em relação à política uruguaia para o bloco. Com isso, acaba dando apoio para o Brasil levar adiante sua proposta de retrocesso a uma área de livre comércio.

"Hoje em dia, o Mercosul, que há 30 anos pretende ser um mercado comum do Sul, ele se situa na segunda etapa de uma união aduaneira imperfeita, onde existe uma tarifa externa comum e uma política comercial comum. Os países do bloco por unanimidade devem decidir deliberar com uma agenda comercial comum para negociarem mundo afora", destacou.

Mudanças no bloco

O Brasil há mais de dez anos vem pressionando por este retrocesso, dizendo que, com o Mercosul retrocedendo a uma área de livre comércio, todos os países do bloco poderiam negociar livremente, fazendo acordos de livre comércio com os EUA ou outras partes do mundo.

"Eu entendo que a presidência do Mercosul, neste momento pelo Brasil, vá se pautar nesta temática, principalmente", ressaltou Regiane.

Além disso, o Brasil possivelmente vai pressionar para eliminar a Taxa Externa Comum (TEC). Contudo, nos últimos anos também se deu a oportunidade de retomar o acordo-quadro entre a União Europeia e o Mercosul, propondo a maior negociação, o maior acordo entre blocos no mundo, ou seja, haveria um livre comércio entre os dois blocos. A União Europeia já sinalizou que só negocia com a América do Sul, com os membros do bloco, através do Mercosul, e não individualmente com os países.

"Isso acaba atraindo os países na manutenção do próprio Mercosul, mantendo a prerrogativa do bloco de ter uma política comercial comum, ter uma tarifa externa comum. A despeito das críticas, das exigências, das adversidades que surgem no bloco", observou.

Sendo assim, abrir mão da TEC significa abrir mão do acordo entre Mercosul e União Europeia, já que os europeus deixaram claro que vão negociar apenas bloco a bloco.

"O intento da União Europeia é fazer uma negociação com o Mercosul como ele está agora, com uma política comercial comum", explicou a professora.

Como eliminar a TEC sem desafetos no Mercosul?

De acordo com Regiane, há duas possibilidades de o bloco realizar este retrocesso, sendo a primeira delas por consenso, inclusive esta é a forma proposta pelo presidente argentino, para que todas as decisões tomadas no bloco continuem sendo tomadas de forma consensual e unânime.

"Não que o presidente argentino esteja propondo um retrocesso por consenso, mas sim que o Mercosul continue deliberando sempre de forma consensual. O bloco poderia se reunir e, de forma consensuada, decidir se devem retroceder no bloco ou passar a fazer acordos enquanto bloco com outros países, com terceiros", afirmou.

Para a professora, a segunda alternativa seria justamente uma deliberação por parte dos países, rompendo com aquilo que já foi acordado, tratado, e os países de fato começariam a fazer acordos de livre comércio à revelia do Mercosul, levando à estagnação e exaustão do próprio Mercosul.

"Também teríamos uma chance de o Mercosul continuar como está, ou seja, a despeito da vontade uruguaia, da pressão brasileira, há uma atração muito grande pelo acordo Mercosul-União Europeia. Não podemos esquecer que muitos blocos da região, ainda que sejam fragilizados e que se enfraqueçam, continuam existindo na tentativa de manter as suas políticas já acordadas. Então, podemos ter um cenário que a presidência do Brasil possa tentar encampar esta ideia uruguaia, mas também uma manutenção, porque é de interesse de determinadas elites econômicas, de determinas lideranças regionais, pela própria manutenção do Mercosul", explicou.

Comentado sobre se este é o momento de dar um passo atrás em busca do retrocesso, Regiane observou que esta ação teria custos significativamente altos para a integração.

"O Brasil goza de um livre mercado com os países vizinhos bastante significativo, embora o nosso principal parceiro comercial sejam grandes potências, ou seja, EUA e China geralmente levam o cargo de primeiro parceiro comercial com o Brasil, é fato que para os países da região o Brasil tem um peso muito importante, então a partir do momento em que retrocedemos no Mercosul, o Brasil perderia espaço nos mercados consumidores da Argentina, do Uruguai, do Paraguai, e outros países poderiam ocupar este espaço", ressaltou.

Além disso, a professora observou que a China está cada vez mais se instalando na região, em diversas esferas, não apenas econômicas, mas políticas também.

"A partir do momento em que o Mercosul decide retroceder e o Brasil apoia esta ideia, esta perspectiva, não se pode esquecer que o Brasil vai concorrer com outros países, ocupando este espaço na região", comentou.

Mudanças na agenda social

Com relação à agenda, Regiane afirmou que, pelo regionalismo que se conformou nos últimos anos, percebemos uma agenda cada vez mais esvaziada, enfraquecida, e os países muitas vezes privilegiando seus interesses próprios ao invés dos interesses comuns do bloco, ou políticas comuns.

"Nesta presidência brasileira eu não consigo vislumbrar uma agenda forte, ampliada, que incorpore temáticas como combate à pobreza e desigualdade, desenvolvimento de infraestrutura, uma agenda mais desenvolvimentista, uma agenda social que permitisse a participação social em defesa dos direitos humanos. Eu vejo neste governo uma agenda esvaziada e com a tendência em tentar o retrocesso do Mercosul", adicionou.

Segundo a professora, o clima é bastante angustiante, e a cúpula do Mercosul realizada no dia 8 de julho de 2021 mostrou o quanto os países do bloco estão desconectados, desarticulados e isolados.

A professora também ressaltou que a cúpula foi muito afetada, já que 24 horas antes de ocorrer o Uruguai afirmou que começaria a negociar com países terceiros, ocasionando um desgaste perceptível na fala do presidente argentino que, por sua vez, afirmou que se o país considera o bloco um fardo, então deve se retirar do Mercosul.

Adesão da Bolívia ao Mercosul

Explicando a possibilidade de adesão da Bolívia ao Mercosul, Regiane citou que a política externa de Bolsonaro vislumbra se desvencilhar da América do Sul.

"Eu não consigo ver o Mercosul sendo empilhado, incorporando novos membros, novos países. Eu entendo que o Bolsonaro vá manter em banho-maria a situação da Bolívia. Por mais que a Bolívia tenha intento de participar, e com a mudança de governo pode renovar sua agenda, eu não vejo esta articulação brasileira em promover a ampliação dos membros do Mercosul. Eu vejo muito mais uma perspectiva de desmobilização do Mercosul do que a ampliação em relação aos seus membros", explicou.

Perspectivas nas relações entre Mercosul, Rússia e outros parceiros

Sobre a possibilidade de iniciar novos processos negociatórios com a União Aduaneira da Rússia ou com outros parceiros, como a Coreia do Sul, que estão sempre na agenda, a professora diz acreditar que haja a tentativa de negociar acordos de livre comércio com outros países.

"É possível que na política externa de Bolsonaro tenhamos a tentativa de negociar acordos de livre comércio com outros países, à revelia do próprio Mercosul, mas temos que reconhecer o quanto o Brasil está com dificuldade de fazer uma política externa independente do Mercosul, o quanto hoje em dia ele ocupa o papel de pária internacional. Eu vejo uma política externa também com dificuldade de atrair novos parceiros, investimentos e realização de novos acordos", disse Regiane.

Ela também enfatizou que o cenário é muito negativo ao Brasil neste momento, independentemente, inclusive, do próprio Mercosul.

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