Fim da campanha militar da França no Mali: como ficará região ante ameaças terroristas?

Na sexta-feira (9), o presidente da França, Emmanuel Macron, anunciou que a França começará a fechar suas bases militares no norte do Mali até o final do ano. A Sputnik Brasil entrevistou especialista para saber como ficará o país africano após sete anos de presença militar francesa no combate ao terrorismo.
Sputnik

O Mali, país da região africana do Sahel, é um dos Estados mais problemáticos da África devido às atividades terroristas e de migração ilegal no país. Em 2014, a França iniciou a operação antiterrorista Barkhane na região. A missão foi apoiada pela estrutura regional do chamado G5 do Sahel, que inclui, além do Mali, Burkina Faso, Mauritânia, Níger e Chade.

Entretanto, no início desse ano, o presidente francês Emmanuel Macron, declarou que a França não mais participará da luta contra terroristas no Mali no futuro, afirmando que os esforços militares franceses não são suficientes na região, já que as autoridades do país devem, por sua vez, ajudar ativamente os moradores das áreas libertadas dos extremistas.

Fim da campanha militar da França no Mali: como ficará região ante ameaças terroristas?

No começo de junho, o presidente francês afirmou que começaria a retirar grande parte de seu contingente da operação Barkhane no território africano, após sete anos de apoio às forças locais na luta contra os extremistas.

Na sexta-feira (9), Macron anunciou que a França começará a fechar suas bases militares no norte do Mali até o final do ano. O fechamento "será concluído até o início de 2022", disse o presidente citado pela IstoÉ.

Para entender melhor a retirada francesa da região do Sahel, suas causas e consequências, a Sputnik Brasil entrevistou Aleksandr Sidorov, pesquisador do Instituto de Informação Científica em Ciências Sociais da Academia de Ciências da Rússia (INION-RAN, na sigla em russo).

Françafrique

França e Mali possuem laços históricos bem fortes, já que Bamaco sucumbiu ao domínio francês a partir de 1892. Em 1960, o Mali conquistou sua independência, tornando-se a República do Mali. O referido país africano é um entre muitos que foram colônias francesas por um longo tempo.

Diante desse cenário, foi criado o termo "Françafrique", usado para denotar o relacionamento da França com suas antigas colônias africanas. No entanto, em 2012, o ex-presidente francês, François Hollande, declarou o fim de tal política.

Ainda assim, mesmo com a afirmação de Hollande, Paris interviu militarmente no Mali em 2014, e tal ação poderia ser observada como um neocolonialismo. Entretanto, Sidorov explica que concluir a política da Françafrique não foi algo tão fácil, uma vez que a mesma resolveu alguns problemas específicos da própria França.

"Acredito que as ações da França poderiam ser atribuídas ao neocolonialismo apenas no que tange sua execução, a partir do momento que a operação [Barkhane] aconteceu de acordo com as decisões da ONU, com a aprovação da União Africana, da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental e atendendo ao pedido do governo legítimo do Mali", disse o pesquisador.

Ao citar essas organizações, Sidorov salienta que o papel das mesmas será ainda mais importante na fase pós-conflito, que acontecerá após a negociação de acordos político-militares. Segundo ele, serão necessárias poderosas injeções de recursos materiais, financeiros e de pessoal no desenvolvimento da região, que poderão vir através de tais organizações e também da União Europeia (UE).

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Presença europeia

Sidorov conta que, em 2020, a França aumentou seu número de soldados de 4.500 para 5.100. O cálculo foi feito para intensificar as operações militares em antecipação à chegada de forças da operação especial europeia Takuba.

Atualmente, o número de soldados europeus na região é de cerca de 600 efetivos. Dessa forma, Paris teve a oportunidade de otimizar a composição de seu próprio contingente. O pesquisador acredita que "pelo menos a curto prazo, a França não deve se retirar da região, mas sim fazer uma pausa temporária".

Ao ser indagado se os objetivos franceses foram alcançados no Mali, o pesquisador diz que a meta estabelecida pelo governo francês na região, na tentativa de atingir resultados na luta contra o terrorismo, foram de longo prazo, prevista para durar por um período entre dez a 15 anos, e que além dessa extensa meta, o país enfrentou muitas dificuldades no território africano.

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"A França se deparou com muitas dificuldades durante sua luta contra o terrorismo no Sahel. Aqui não estamos falando somente das grandes distâncias e territórios que excedem as capacidades da logística militar francesa, mas também sobre a intensidade do confronto e a impossibilidade de determinar com precisão o inimigo deixaram as tropas francesas à mercê das forças políticas. Isso levou a perda da 'imparcialidade' da intervenção armada, enquanto as forças terroristas tinham recursos ilimitados para reforçar as suas estratégias", contou Sidorov.

O pesquisador também comenta que a operação Barkhane levou os países do G5 a perceberem, de fato, a coesão da ameaça terrorista, mas que no desdobramento da situação ao longo do tempo, no âmbito dos "Cinco Sahel", formou-se uma espécie de "Três Sahel", do qual fazem parte o Mali, Burkina Faso e Níger.

"Nesse grupo [Três Sahel] é necessário, sem dúvida, um grande esforço para manter a situação controlada. No entanto, todos os países do G5, reconhecem a França como um elemento-chave da arquitetura de segurança regional."

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Retirada francesa e eleições em 2022

Após sete anos, só agora o o governo francês decidiu retirar seu contingente do Mali. Questionado do porquê dessa escolha a longo prazo, Sidorov explica que, ao assumir a presidência francesa em 2017, Macron herdou não apenas os problemas do Sahel, mas também muitos outros, e que levou um tempo para o presidente entender as circunstâncias da intervenção e sua deterioração.

"Ele [Macron] levou um certo tempo para se debruçar sobre o problema, para se inteirar sobre a conjuntura atual de pontos de vista muitas vezes díspares, em particular, os pontos de vista do Ministério das Relações Exteriores e do Ministério da Defesa da França […]. No contexto da deterioração da situação na região, os recursos humanos, materiais e financeiros que a França foi capaz de alocar, também eram insuficientes", explicou o pesquisador.

Sidorov também pontua que a opinião pública francesa ajudou na decisão do presidente, uma vez que começou gradualmente a se inclinar para redução da presença militar da França no país africano, e que a situação no Mali se transformou em um dos principais fatores por trás da luta política pela presidência em 2022.

"Certamente, essa decisão afetará a campanha eleitoral e a imagem de Macron na França em 2022. Normalmente, a imagem de 'pacificador' não prejudica ninguém. Um dos trunfos do programa de 2012, de seu antecessor, François Hollande, por exemplo, foi a retirada das tropas francesas do Afeganistão", afirmou o pesquisador.

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Consequências no Mali pós-retirada

Sidorov aponta que as possíveis consequências para a região pós-retirada francesa estão relacionadas ao ritmo dessa remoção e, mais importante, como as tropas francesas serão retiradas.

"Dada a natureza da campanha, não é o seu número, mas a qualidade e composição dos militares franceses que determinará a eficácia da luta contra grupos terroristas armados. A manutenção de militares na região ocupada será realizada de acordo com os cálculos dos militares franceses, às custas das Forças Armadas locais", comentou o pesquisador.

Segundo Sidorov, a principal tarefa será manter a confiança entre franceses e os aliados do Sahel, e que um elemento positivo é a retomada da cooperação militar francesa com as Forças Armadas do Mali e a realização de operações de combate conjuntas.

"A França já sentiu uma ameaça terrorista 'se alastrando' nos países que fazem fronteira com os países do G5 do Sahel. Dessa forma, podemos esperar uma mudança na estratégia francesa para concentrar seus esforços em conter ameaças de segurança a países mais prósperos do golfo da Guiné."

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Interesse russo na região

O pesquisador clarifica que os interesses da Rússia na região, levando em conta a natureza anticolonial tradicional da sua política, "estão associados à estabilidade e ao desenvolvimento econômico dos países da região", e que em relação a esses pontos, Moscou tem muito a oferecer.

"Uma grande vantagem da cooperação russa com os países da região é a 'não burocratização' dos procedimentos de tomada de decisão, [em oposição, por exemplo, aos da União Europeia], e à prestação de assistência pontual específica aos países interessados", disse o especialista.

Adicionalmente, Sidorov comenta que um elemento importante dessa dinâmica é o interesse econômico mútuo de tal cooperação.

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Situação no Mali e contexto terrorista na África

Se a situação no Mali pode alcançar um contexto mais pacífico, o pesquisador diz que, se acontecer, essa pacificação "ainda enfrentará muitos obstáculos em seu caminho", e que é necessário fornecer a todos os participantes locais uma "autonomia muito maior do que a observada até agora".

"[Será preciso] atores que realmente influenciam no território, os quais devem participar do processo negociador. Inevitavelmente, serão necessárias concessões significativas por parte das autoridades centrais [para pacificação]. A solução do conflito deve ser a mais inclusiva possível, com o envolvimento de novos atores, antes excluídos das negociações", comentou Sidorov.

No entanto, sobre a questão terrorista em países africanos, o especialista diz que Burkina Faso em conjunto ao Mali, se transformou no elo fraco do G5, e que apesar de todos os esforços da França e das forças do G5 do Sahel para combater terroristas nas áreas fronteiriças, principalmente nas regiões de Liptako e Gourma, a instabilidade se espalha cada vez mais para Burkina Faso.

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