Após o Jornal Nacional, da TV Globo, mostrar um e-mail enviado por ela, em 25 de janeiro, ao Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal (MNE), oferecendo-se para compartilhar a experiência brasileira em atendimento precoce no enfrentamento da COVID-19, Mayra compartilhou com o correspondente da Sputnik Brasil em Lisboa outro e-mail, datado de 25 de fevereiro.
O e-mail, dirigido a Tiago Serras Rodrigues, segundo-secretário da Embaixada de Portugal em Brasília e encarregado da seção consular, faz referência à reunião entre a secretária do Ministério da Saúde e o embaixador português, Luís Faro Ramos, ocorrida na tarde daquele dia. A correspondência eletrônica contém anexos como pareceres dos conselhos regionais de Medicina de Sergipe e do Distrito Federal, afirmando que os mesmos já haviam sido entregues presencialmente.
Este correspondente pediu à secretária do Ministério da Saúde que compartilhasse os documentos em anexo com a Sputnik Brasil. Ela informou que estava em um debate em Salvador, mas que o faria quando voltasse à capital. O MNE também foi questionado sobre a reunião, mas respondeu apenas que "não existe qualquer registro do e-mail referido no endereço institucional de correio eletrônico do gabinete do Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros".
No encontro com o embaixador, que teria durado cerca de uma hora no fim de fevereiro deste ano, Mayra também fez referência ao parecer do Conselho Federal de Medicina (CFM), de abril de 2020, que autorizou médicos a prescreverem a cloroquina e a hidroxicloroquina para pacientes com sintomas leves e moderados de COVID-19, além do uso em quadros críticos.
"Ele [embaixador] pediu para enviar por e-mail os dados que a gente discutiu na nossa visita informal para que ele pudesse compartilhar com os profissionais de saúde de Portugal. Conversamos sobre muitos aspectos da doença e, segundo o embaixador, a conversa foi esclarecedora. Depois disso, não voltamos a manter contato", diz Mayra à Sputnik Brasil (leia a íntegra da entrevista abaixo).
Nesta quinta-feira (22), os advogados de Mayra protocolaram no Supremo Tribunal Federal (STF) uma reclamação com pedido de liminar, requerendo informação do presidente da CPI da COVID-19 sobre as razões do descumprimento da ordem judicial proferida pelo ministro Ricardo Lewandowski, determinando que o material arrecadado com a quebra de sigilo da secretária poderia ser acessado apenas pelos senadores da CPI, só podendo vir a público por ocasião do encerramento dos trabalhos, no bojo do relatório final.
A defesa de Mayra cita especificamente o e-mail enviado ao MNE, vazado para a TV Globo, e requer que seja oficiado à Polícia Federal para apuração da autoria de delito tipificado artigo 330 do Código Penal: desobedecer a ordem legal de funcionário público.
Apelidada de Capitã Cloroquina, Mayra também é cidadã portuguesa e cursa um doutorado em Bioética na Universidade do Porto, na cidade homônima no norte de Portugal, onde tem parentes. Ela não descarta ser candidata nas eleições de 2022.
Na entrevista à Sputnik Brasil, ela também tenta se defender do vídeo veiculado pelo Jornal Nacional, em que conversa com o biólogo Regis Andriolo, fazendo referência a um acerto com senadores governistas sobre as perguntas que deveriam ser feitas por eles na CPI. Adotando o discurso da construção de uma narrativa pela oposição e pela imprensa, ela diz que não cometeu nenhum crime e ataca os políticos.
"Não somos bandidos que precisam apagar provas de crimes. Essa preocupação é de quem responde inquéritos como muitos senadores da CPI. Atos normais não precisam ser apagados. Não pratico crimes. Vou lutar para punir os criminosos", dispara Mayra.
Leia a íntegra da entrevista abaixo:
Sputnik: A iniciativa do encontro com o embaixador foi sua ou sugerida por alguém?
Mayra Pinheiro: Iniciativa minha por ser cidadã portuguesa e motivada pela possibilidade de ser solidária no enfrentamento à pandemia.
S: Quanto ao seu e-mail para o Ministério das Relações Estrangeiras de Portugal, ele foi enviado antes ou após a visita que a senhora fez à Embaixada de Portugal?
MP: O e-mail foi enviado a pedido da visita que fui lá, pelo embaixador. Ele pediu para enviar por e-mail os dados que a gente discutiu na nossa visita informal para que ele pudesse compartilhar com os profissionais de saúde de Portugal. Levamos documentos do Conselho Federal de Medicina (CFM), de conselhos regionais, um artigo científico publicado pelo Ministério Público Federal, na revista de Direito Sanitário, nada que não seja de domínio público. E a gente enviou por e-mail como forma de documentar. Se tivesse algum crime nisso, não enviaríamos por e-mail. Crime é o que foi feito pelos senadores da CPI, divulgando dados que eram para ser mantidos em sigilo
S: Como foi a receptividade do embaixador Luís Faro Ramos a respeito da ajuda do Brasil a Portugal?
MP: Fui muito bem-recebida. Conversamos sobre vários assuntos, sobre como Portugal e Brasil vinham enfrentando a doença. Falamos do desempenho dos profissionais de saúde como elementos importantes dentro dos sistemas de saúde. A receptividade foi muito boa, foi um encontro cordial.
S: Uma dúvida quanto à data: o print a senhora que me enviou é de 25 de fevereiro. O e-mail que o Jornal Nacional veiculou diz que é de 25 de janeiro. Eles confundiram a data ou a senhora enviou outro e-mail 1 mês antes mesmo?
MP: Estou fora de Brasília, acho que devemos ter enviado um ou dois e-mails para a embaixada, porque tínhamos acertado o encontro, mas o embaixador teve que desmarcar porque teve outro compromisso oficial. Então, talvez, esses e-mails que foram divulgados sejam os nossos e-mails das visitas, que foram agendadas e desmarcadas. Precisaria ter acesso a eles, mas não tive ainda, para saber. É até importante que você esteja me dizendo isso, porque eu imaginava o vazamento de um e-mail, então tem mais de um. Está se tornando mais grave ainda o fato.
S: Mas faz sentido essa cronologia então? A senhora teria enviado mesmo no dia 25 de janeiro esse e-mail que foi vazado, antes do encontro com o embaixador, e, após a reunião, enviou este outro cujo print me mandou?
MP: Exato.
S: Após esse encontro no dia 25 de fevereiro com o embaixador e esse e-mail que a senhora enviou com os documentos, houve algum retorno ou mais troca de informações?
MP: Nenhuma. Conversamos sobre muitos aspectos da doença e, segundo o embaixador, a conversa foi esclarecedora. Depois disso, não voltamos a manter contato.
S: E, nessa conversa, a senhora falou explicitamente sobre a experiência brasileira com tratamento precoce e uso de cloroquina?
MP: Falamos sobre autonomia médica e posição do Conselho Federal de Medicina. E da orientação do Ministério da Saúde. Sobre fisiopatologia da doença.
S: Quando a senhora se refere à orientação do Ministério da Saúde era no sentido do tratamento precoce?
MP: Sim. Uma orientação oficial.
S: Poderia explicar melhor essa questão da fisiopatologia da doença?
MP: A fisiopatologia é a forma como a doença age no organismo humano. A compreensão acerca da estrutura e da patogenicidade do coronavírus é crucial para que medidas de prevenção e controle da infecção possam ser adotadas.
S: Quanto tempo durou a reunião com o embaixador?
MP: Creio que cerca de 1h.
S: Na reunião com o embaixador, a senhora chegou a falar do TrateCOV?
MP: Não. TrateCOV é uma ferramenta desenvolvida para auxiliar Manaus.
S: Sobre o vídeo divulgado pelo Jornal Nacional em que a senhora conversa com o biólogo Regis Andriolo, fazendo referência a um acerto com senadores governistas sobre as perguntas que deveriam ser feitas na CPI…
MP: Aquele vídeo, que a narrativa da imprensa apresentada que é um treinamento da CPI… o Regis é meu amigo. Estávamos fazendo um vídeo da minha casa, uma live, por um desses canais privados de videoconferência para discutir estatística e evidência científica. Não sou estatística, não sei como interpretar da forma conforme os estatísticos que são formados em medicina baseados em evidência fazem, na interpretação dos trabalhos científicos e os seus rigores metodológicos. Nos reunimos eu, Hélio [Angotti] e ele para a gente discutir…
S: Mas e a combinação de perguntas com senadores governistas?
MP: Quanto às perguntas que os senadores podem fazer na CPI, isso também não é crime, nada de anormal. Todo mundo da CPI, todos os senadores fazem perguntas, porque a CPI é de esclarecimento. A gente é impedido de falar. Fui interrompida várias vezes. Eu queria ter a oportunidade de falar, então o que a gente sugere? 'Então, se vocês puderem me fazer essas perguntas que eu possa responder explicando para a população e esclarecendo, que é o nosso papel, melhor'. Não há ilicitude nenhuma nesse ato. Todo mundo combina. Inclusive os senadores que não são considerados da base do governo me perguntaram: 'Mayra, eu posso te perguntar na CPI sobre esse assunto?'. O senador Tasso Jereissati fez isso lá transferindo a pergunta dele para o senador Otto [Alencar].
S: Mas se vocês fizeram a reunião virtual por um desses aplicativos devem ter escolhido por deixar a reunião gravada, né? Porque esse material deve ter sido obtido na quebra do seu sigilo telemático...
MP: Sim. Provavelmente. Não somos bandidos que precisam apagar provas de crimes. Essa preocupação é de quem responde inquéritos como muitos senadores da CPI. Atos normais não precisam ser apagados.
S: A senhora teme que mais algum documento ou vídeo sensível seja vazado e veiculado?
MP: Não. Não pratico crimes. Vou lutar para punir os criminosos.
S: No e-mail com o título 'Relatório UBS Manaus', enviado em 20 de janeiro por um grupo de médicos, a senhora concordou com a sugestão do médico Gustavo Vinícius Pasquarelli Queiroz da criação de 'tendas de tratamento precoce', com um 'kit' em Manaus para que a decisão ficasse a cargo dos pacientes e não dos médicos?
MP: Não lembro nem de ter lido esse e-mail. Não apoio nenhum tipo de atendimento precarizado. E a responsabilidade de conduzir os atendimentos nos estados e municípios não é do Ministério da Saúde.
S: No e-mail, também consta o relato de outro médico, Luciano Dias Azevedo, após visitas feitas a unidades básicas de saúde de Manaus no dia 15 de janeiro. Ele defendeu que enfermeiros passassem a prescrever o tratamento precoce no caso de resistência dos médicos. A senhora se lembra disso?
MP: Não. Muitas pessoas me enviam e-mails. E sugestões também não são crime.
S: Mas a senhora concorda com essa sugestão em particular?
MP: Não. Tratamento é prerrogativa médica.
S: O seu doutorado na Universidade do Porto é na modalidade sanduíche ou está fazendo virtual por causa da pandemia?
MP: Assisti às aulas aqui [Brasília] com os professores de lá [Porto]. Convênio com o CFM. A defesa será lá.
S: E qual o tema da sua dissertação?
MP: Ensino à distância na saúde sob a luz do princípio da responsabilidade.
S: As aulas foram presenciais ou à distância?
MP: Todas presenciais.
S: Os professores portugueses ficaram um tempo no Brasil por conta desse convênio com o CFM? Em Brasília mesmo?
MP: Sim. Nós pagamos pelo curso e isso é definido no plano do curso. Exato, em Brasília.
S: A senhora está no terceiro ano, né? Como está conseguindo conciliar a dissertação com a secretaria no Ministério da Saúde e todo esse turbilhão da pandemia?
MP: A vida do médico sempre é repleta de atividades e já estou em fase de conclusão dos meus artigos. E ainda dou plantão como médica.
S: Seus plantões são na linha de frente do combate à COVID-19 ou na pediatria mesmo?
MP: UTI de crianças. Atendendo inclusive COVID.
S: A senhora fez ou faz uso da cloroquina no tratamento com elas ou não é recomendado para crianças?
MP: Nenhuma delas precisou fazer uso. Há critérios para indicação em crianças. E seguimos rigorosamente as orientações.
S: E quais os critérios para usar em crianças?
MP: Estão na nota orientativa número 17 do Ministério [da Saúde, sobre uso da cloroquina como terapia adjuvante no tratamento de formas graves da COVID-19].
S: A senhora pretende se candidatar a algum cargo nas próximas eleições?
MP:No momento, a prioridade é meu trabalho pela educação em saúde.
S: Mas não descarta essa possibilidade então?
MP: Não.