Irã: próximos 6 meses serão decisivos para salvar acordo nuclear, diz especialista

Para o especialista Adlan Margoev, interesse dos EUA no acordo nuclear é "evidente", mas acertos precisam ser resolvidos nos próximos meses após a recente tomada de posse do novo presidente iraniano Ebrahim Raisi.
Sputnik

Esta semana, Ebrahim Raisi tomou posse como presidente do Irã. Ele ganhou a disputa presidencial em junho, marcada por uma taxa de abstenção recorde e vetos às candidaturas de vários rivais. Raisi é considerado ultraconservador, e chega como sucessor do moderado Hassan Rouhani, que alcançou em 2015 o acordo nuclear entre o Irã e as grandes potências após vários anos de tensão.

O novo presidente iraniano tem como missão principal recuperar a economia do país, que foi prejudicada pelas sanções americanas e pela pandemia. Um dos pontos mais importantes, no momento, para o Irã é a retomada das negociações para resgatar o acordo internacional sobre o programa nuclear do país.

Apesar das expectativas para o novo presidente, o sistema político iraniano combina elementos democráticos e teocráticos, então o aiatolá Ali Khamenei, guia supremo do Irã, deve continuar dando as cartas, principalmente no início do governo Raisi.

Para falar sobre as complexidades do assunto a Sputnik Brasil conversou com Adlan Margoev, especialista em não-proliferação nuclear e estudioso do programa nuclear iraniano do Instituto Estatal de Relações Internacionais de Moscou, a MGIMO. 

Expectativas da nova administração iraniana

Adlan Margoev ressalta que Raisi não vai poder chegar com a sua própria agenda, e não deve conseguir convencer o aiatolá a seguir uma política específica.

"Muito provavelmente ele [Raisi] vai receber instruções, indicações, demandas e diretrizes do escritório do guia supremo. Isso permitirá em algum sentido amortecer possíveis diferenças ente o presidente, que é o segundo cargo do poder executivo, e o aiatolá, que é o guia supremo", explica.

Raisi surge como uma figura mais conservadora do que seu antecessor Rouhani, apesar de não existirem muitos relatos na mídia sobre suas posições e opiniões na política externa, acredita-se que ele tenha pensamentos similares ao do aiatolá e deve ter o acordo nuclear como pauta.

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"Nos primeiros meses da administração Biden não houve avanço significativo no processo negociador […] porque as partes não conseguiram chegar a um acordo antes das eleições presidenciais no Irã", relata Margoev.

Restaurar o acordo nuclear é preciso

O especialista lista dois problemas principais nas negociações que estão por vir em Viena: "Um é o volume das sanções a serem levantadas. Das 1.500 pessoas físicas e jurídicas que estão nas listas das sanções dos EUA, aproximadamente mil pessoas podem ser retiradas", detalha, explicando que posteriormente pode ser mais difícil tentar remover as remanescentes.

E acrescenta que "o segundo problema é a sequência das ações: o Irã insiste que os EUA primeiro devam levantar todas as sanções e voltar ao acordo" já que foram eles que saíram do mesmo e só depois disso o Irã voltaria a "cumprir suas obrigações na área nuclear, de acordo com os limites estabelecidos pelo Plano de Ação Conjunto Global".

O Plano de Ação Conjunto Global (JCPOA, na sigla em inglês), foi firmado entre o Irã, e o P5+1, grupo que reúne China, EUA, França, Reino Unido, Rússia e Alemanha. O  acordo teve a saída dos EUA em maio de 2018, pelo então presidente dos EUA, Donald Trump.

Até agora os membros têm tentado negociar, mas ainda existe a possibilidade de abordagens mais rígidas tanto da parte iraniana, quanto norte-americana, apesar dos negociadores nucleares norte-americanos serem praticamente os mesmos da era Obama.

Segundo Margoev, a administração Joe Biden teria "interesse evidente" em voltar para o acordo nuclear que Trump rasgou. Biden ajudou a alinhavar o acordo quando era vice-presidente de Barack Obama em 2015.

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O acordo estipula uma drástica redução no programa nuclear iraniano e impõe sanções rígidas por parte de inspetores internacionais da Agência Internacional de Energia Atômica.

"Apesar de existirem críticas nos EUA ao acordo nuclear, ele realmente responde aos interesses norte-americanos e os democratas da administração Biden entendem isso […] O acordo permitiu estabelecer um regime de transparência no programa nuclear iraniano que era sem precedentes", aponta o analista.

Ele explica que ter transparência com o Irã depois dos 20 anos de problemas diplomáticos entre os países sobre a questão nuclear "é uma grande conquista que precisa ser restaurada" e ainda conclui que seria contra os interesses norte-americanos não voltar a essas negociações.

Margoev diz que os EUA continuam a "associar o retorno ao acordo nuclear com o início de novas negociações sobre outros assuntos como os programas de mísseis do Irã e a política regional". Mas sabendo que o Irã inicialmente avisou que pretende voltar ao acordo com a condição de ser recuperado a partir do seu formato original de 2015, para ele, se os EUA realmente insistirem em ir além do acordo nuclear com outras exigências, pode ser considerado um erro de abordagem da administração Biden em relação a Teerã.

Relações internacionais do Irã

De acordo com o especialista as contradições entre Rouhani e Khamenei, não devem se repetir no governo Raisi pelo fato de ter plataformas de política externa idênticas ao do guia supremo. Além disso, Margoev adiciona que outro ponto em comum seja a maior ênfase e interação com a China, Rússia e outros países que apoiariam o Irã no cenário internacional.

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"Essa plataforma inclui pontos como desconfiança em relação aos países ocidentais, principalmente dos EUA, e manutenção de contatos mínimos com eles e somente em casos críticos, como o levantamento das sanções para fortalecer a economia iraniana, e nada mais", exemplifica estudioso que alega que por conta disso, ainda é cedo para falar de avanços nas negociações entre o Irã e os EUA.

"É difícil para mim imaginar algo como uma ligação telefônica entre os presidentes dos EUA e do Irã, da mesma forma que ocorreu na época das negociações do acordo nuclear. Pelo contrário. Especialmente se considerarmos os incidentes frequentes no mar, na região do golfo Pérsico", pondera.

Definições urgem

Recentemente, o general iraniano Abolfazl Shekarchi criticou a imprensa ocidental, israelense e saudita por acusarem o Irã de realizar ataques marítimos na região do golfo Pérsico sem provas, qualificando as alegações de "guerra psicológica".

Mesmo nesse clima regional tenso e com a mudança na administração em Teerã, agora tanto os diplomatas que participam das negociações, como a comunidade de especialistas têm evitado fazer previsões em relação ao prazo para restauração do acordo nuclear. No entanto, Margoev acredita que definições não devem demorar.

A preocupação iraniana é de que os norte-americanos desistam das negociações se demorarem muito a decidir por uma definição. Ou ainda, se Washington decidir não restaurar o acordo nuclear por causa de alguma provocação militar na região. Mas segundo o especialista, o acordo e o fim das sanções são essenciais para as resoluções dos problemas sociais e econômicos no Irã.

"Entendemos que os iranianos têm o interesse inabalável nas negociações porque essa é a única oportunidade do Irã e da administração de Raisi ajustarem a situação econômica do país […] A situação não tolera procrastinação e acho que os próximos 6 meses devem ser decisivos para o acordo nuclear. Se não for possível o resolver agora, a chance de que a situação vá melhorar no próximo ano é mínima", dimensiona Adlan Margoev.
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