Nesta segunda-feira (9), o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), corpo integrante da ONU, divulgou um novo relatório científico no tocante ao assunto. O relatório, elaborado por 234 cientistas de 66 países, confirma que as mudanças climáticas que nosso planeta enfrenta são claramente de origem humana, sendo "um fato inequívoco e comprovado".
A fim de entender detalhadamente se a política ambiental do Brasil será afetada pelas conclusões do relatório, a Sputnik Brasil conversou com Nadja Heiderich, professora da Faculdade de Economia da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP), coordenadora do Núcleo de Estudos em Conjuntura Econômica e especialista em economia ambiental.
Efeitos na economia
Segundo dados relatados, a temperatura global deve aumentar em 1,5 graus Celsius já em 2040, uma década antes do previsto anteriormente. O secretário-geral da ONU, António Guterres, comentou sobre o relatório que "os alarmes são ensurdecedores e as evidências são irrefutáveis".
Ultimamente, as mudanças climáticas têm se tornado mais visíveis, com ondas de calor sem precedentes em várias regiões no Canadá e nos Estados Unidos, inundações na Europa e na China e incêndios florestais descontrolados que têm alastrado na Sibéria, Turquia e Grécia. Tudo isso provoca vários problemas, particularmente de alimentação, já que leva à perda de colheitas por conta de geadas e queimadas, o que acaba afetando também o nível de preços de certos produtos.
Ao mesmo tempo, os esforços de reconstrução levam a uma ativação da atividade econômica em determinadas regiões, "isso não é algo bom, pelo fato das tragédias" e das "perdas imensuráveis".
Problemas irreversíveis?
Diante dessas notícias alarmantes, os países têm que reverter suas políticas relacionadas à utilização de combustíveis fósseis – os "grandes vilões dos gases do efeito estufa" como o carvão, petróleo e gás – levando cada vez mais à adoção de energias limpas, "que não causam nenhum tipo de efeito no meio ambiente", opina Nadja Heiderich. E, obviamente, tais transformações necessitam de investimento e estudos aprofundados em termos de torná-las rentáveis e interessantes para a iniciativa privada na adoção dessas novas tecnologias.
"Na minha opinião, é algo talvez irreversível neste ponto em que estamos", afirma a professora, adicionando que os Estados devem exercer ações mais concretas nesse âmbito. Por exemplo, além do desenvolvimento de energias limpas, a aplicação das iniciativas de carbono neutro pode retardar um pouco os avanços de temperaturas ou minimizar seu impacto.
"Talvez há tecnologia que a gente já tenha 100% limpa, mas ainda não é aplicável, ainda não é viável para se utilizar em larga escala."
O novo relatório do Painel confirma essa irreversibilidade de algumas das mudanças climáticas causadas pela atividade humana. Assim, é um fato que o nível dos oceanos continuará aumentando. Há previsões de elevação do nível do mar em torno de 1,5-1,6 metro até 2100. Por este motivo, cidades litorâneas têm que se preparar para esse cenário, aponta a especialista, por meio de mudanças de hábitos dessas populações e gastos em obras na sequência de possíveis consequências de enchentes.
Emissões de gás carbono
O Brasil também tem sentido as mudanças climáticas: principalmente a região Sul-Sudeste e um pouco de Centro-Oeste neste ano sofreu bastante com geadas, temperaturas baixas não condizentes com a média histórica e ondas de frio consecutivas. Isso afeta a produção agrícola, principalmente de hortaliças, o que faz com que os preços desses itens se elevem.
No contexto do relatório sobre o clima, a pressão internacional em função da política ambiental do governo Bolsonaro pode aumentar, acredita Nadja Heiderich, mas com ressalva.
Se observarmos os números, a China responde por um quarto das emissões totais de gás carbono no mundo, os Estados Unidos, por sua vez, por 15%. O bloco China-EUA-Europa responde por 45% das emissões globalmente, enquanto o Brasil responde só por 3% das emissões globais. Nos anos de 2008 e 2010, a China cresceu 10-12% ao ano e teve seu papel na emissão.
Nesse contexto, "colocar o Brasil em pé de igualdade com esses países no momento de cobrança por ações eu acho injusto", expressou a professora.
Quanto ao Protocolo de Quioto, tratado internacional que prevê a redução da emissão de gases do efeito estufa, o gigante asiático não quis assiná-lo, Washington também foi relutante, porque o custo da redução dessas emissões seria grande, enquanto o Brasil é um participante para o qual essa redução não era obrigatória por ser um país em desenvolvimento.
Entre 2006 e 2017, a República conseguiu a emissão de certificados de créditos de carbono na ONU no montante de 7,8 bilhões de toneladas. Assim, não sendo signatário obrigatório do Protocolo, o Brasil aderiu voluntariamente. Por sua vez, os países ricos não adquiriram esses certificados.
"Todo esse esforço que foi feito na promessa de que o investimento viesse por parte dos países ricos não teve essa reciprocidade", explica a especialista.
Brasil 'de fato cuida de meio ambiente'
Em comparação com os países desenvolvidos, o Brasil tem matriz energética mais limpa, conforme a especialista, com utilização da energia solar, hidráulica, biomassa. "Fomos pioneiros aí com etanol na década de 1970", que é combustível mais limpo do que o petróleo.
Segundo dados fornecidos pela especialista, 85% da floresta amazônica hoje é intocada e 12% da água doce no mundo preservada está no Brasil. "Nós somos um país que de fato cuida de meio ambiente", afirmou, argumentando que têm sido adotadas algumas ações a fim de minimizar impactos ambientais. Por exemplo, uma iniciativa para redução do desmatamento a zero até 2030.
Além disso, existe um esforço em termos da tecnologia: são utilizados satélites, drones, inteligência artificial, censores e aeronaves não tripuladas das Forças Armadas para tentar monitorar a Amazônia em tempo real.
Governo federal também se comprometeu com meta de carbono neutro até 2060, mas, explica, tem requerido o investimento dos países ricos para poder avançar nessa agenda. Estima-se que vai necessitar US$ 10 bilhões por ano (R$ 52 bilhões).
A especialista vê bem viável tornar a economia brasileira neutra em carbono, uma vez que o Brasil já fez muito nessa área até o momento. O país já adota iniciativas mais limpas na agricultura, sendo "muito voltado para tecnologia", e nos últimos anos tem se esforçado para manter seus mercados na Europa, que se tornou mais exigente com as questões ambientais. O Estado brasileiro caminha para "fazer salto em inovação e tecnologia" e manter seus mercados na região europeia.