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Se sociedade apoiar Bolsonaro em 2022, PSDB pode não se restabelecer, alerta cientista política

Sputnik Brasil conversou com a cientista política Lara Mesquita sobre a ida de Rodrigo Maia para o governo de João Doria (PSDB-SP) e o futuro do Partido da Social Democracia Brasileira.
Sputnik

O deputado federal Rodrigo Maia (sem partido) tomou posse como secretário de Projetos e Ações Estratégicas na gestão de João Doria (PSDB) no governo de São Paulo nesta sexta-feira (20) e afirmou que apoia Doria como o nome da terceira via na disputa presidencial no ano que vem.

"A gente sabe que o senhor [Doria] pode liderar um projeto para um país melhor unindo aqueles que são democratas e que respeitam a economia de mercado [...]. Está chegando a hora em que vamos consolidar uma polarização. Então, está na hora de fazer um gesto e aqui está o meu gesto. Tenho ótima relação com o PSDB, sempre tive. E o que é natural hoje é uma candidatura do PSDB e a outra do PDT. Isso é o natural", disse Maia, citado pelo jornal Extra.

A ida de Maia para o governo de Doria causou estranheza, uma vez que o deputado possui base eleitoral no Rio de Janeiro e afirmou que não vai mudar seu domicílio eleitoral. "Serei candidato à reeleição no Rio", garantiu.

Para entender melhor o que representa essa ida de Maia para São Paulo e as estratégias do PSDB e de Doria para 2022, a Sputnik Brasil conversou com a cientista política Lara Mesquita, professora da Fundação Getulio Vargas e pesquisadora do Centro de Estudos em Política e Economia do Setor Público (Cepesp-FGV).

Gesto político

Durante a posse no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista, Maia afirmou que o aceite foi uma "sinalização para aqueles que se falam de centro, que falam que serão contra o governo Bolsonaro [sem partido], mas que estão em Brasília, infelizmente, compondo a base do governo", reporta a Folha de S. Paulo.

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Sem partido, Maia desconversou sobre ida para o PSDB, assinalando que seu projeto político e sua escolha partidária estão vinculados ao seu aliado e prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD). Rodrigo Maia se reelegeu deputado federal pelo Rio de Janeiro em 2018 com pouco mais de 70 mil votos, terminando a votação em 13º lugar. Ele garantiu que ano que vem tentará a reeleição novamente.

"Tenho um pouco de dificuldade de entender a ida do Rodrigo Maia para o governo de São Paulo. Porque se o Maia tem ambição eleitoral, ele precisa construir a sua trajetória no Rio de Janeiro e ocupar uma secretaria no estado de São Paulo não necessariamente vai contribuir para a reeleição dele como deputado federal [...]. Mesmo sendo uma secretaria importante no estado de São Paulo, eu não acho que os eleitores [do Rio de Janeiro] vão ver isso com bons olhos", avalia Lara Mesquita.

A cientista política considera que Doria está tentando atrair Rodrigo Maia para o PSDB. O Partido da Social Democracia Brasileira está "muito fraco" no Rio de Janeiro, precisando se reestruturar no estado e a ida de Maia para o partido poderia ser uma tentativa nesse sentido, mas Lara Mesquita recorda que Maia não tem um peso que faça muitos outros políticos o seguirem.

"O Rodrigo Maia mesmo tendo sido presidente da Câmara dos Deputados por duas eleições [2016-2021], ele não é um grande influenciador político, ele nunca 'estourou' de votação nas urnas. Se ele muda de partido não tem um grupo que o acompanhe. Ele tinha um grupo mais próximo quando era presidente [da Câmara], mas isso não quer dizer que na hora que ele se filiar a um partido vão ter dez, 15 deputados que vão atrás dele", poderá a pesquisadora do Cepesp.
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Partido dividido e primárias

Em 21 de novembro, filiados do PSDB de todo o país vão decidir através do voto quem será o candidato do partido à presidência em 2022. Além de Doria, também disputam as primárias o governador gaúcho Eduardo Leite, o senador cearense Tasso Jereissati e o ex-prefeito de Manaus, Arthur Virgílio.

Há algumas semanas, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso declarou que Doria "tem o meu voto". Lara Mesquita avalia que faz todo sentido pensar que o governador de São Paulo é um candidato forte.

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"O posicionamento do Doria na pandemia, a insistência dele em bancar a parceria do [Instituto] Butantan com a [farmacêutica chinesa] Sinovac no desenvolvimento da vacina [contra a COVID-19]. Mesmo que isso ainda não apareça nas pesquisas de opinião, isso é um ativo importante. Nós ainda estamos em pandemia, quem tem um ativo tão importante quanto esse? [...]. Ele é um candidato fortíssimo. Agora, é difícil dizer que ele o favorito das primárias porque aí depende de outros arranjos internos, das regras e de como os votos vão ser computados."

A cientista política afirma a decisão de realizar primárias é o resultado da divisão interna do partido, que foi pego de surpresa com os resultados eleitorais em 2018.

"Ninguém esperava que o presidente Bolsonaro carregasse tantos votos para deputado federal como ele carregou e ele 'roubou' votos sobretudo de partidos de direita e centro-direita. MDB e PSDB foram os partidos mais prejudicados, não é à toa que a gente vê hoje que uma parte da bancada do PSDB tem aproximado o seu discurso de um discurso mais bolsonarista. Só a gente olhar como os deputados do partido se comportaram na votação do voto impresso, por exemplo", comenta.

O PSDB teve 14 deputados federais que descumpriram a orientação partidária e votaram a favor da proposta de emenda à Constituição (PEC) do voto impresso, uma bandeira do governo Bolsonaro. A cúpula do partido decidiu então retaliar os deputados indisciplinados.

Entre os parlamentares que votaram pelo voto impresso está o deputado Lucas Redecker (RS), que coordena a campanha de Eduardo Leite, nas prévias tucanas. João Doria disse que considerava "deplorável" apoiar "o governo Bolsonaro nessa iniciativa do voto impresso".

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Bolsonaro e o futuro do PSDB

Em 2014, o PSDB elegeu 54 deputados federais. Atualmente, os tucanos possuem 33 representantes na Câmara. A bancada no Senado Federal também caiu, de 11 senadores em 2015 para os atuais sete.

Lara Mesquita frisa que é muito difícil um partido fazer uma grande bancada para o Legislativo sem ter candidaturas fortes no Executivo, mesmo que não seja com candidato a presidente da República.

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"Um partido precisa ter candidatos competitivos aos governos espalhados pelo país. Um exemplo disso historicamente era MDB. Mesmo que o MDB não apresentasse candidato a presidente da República, o MDB sempre elegeu uma boa quantidade de governadores pelo país e tradicionalmente tinha a maior bancada ou uma das maiores bancadas. Isso mudou em 2018", recorda.

A pesquisadora do Cepesp evita fazer prognóstico sobre a eleição presidencial do ano que vem, destacando que há muitos fatores importantes que são impossíveis antecipar, como o estado da economia, o estágio da pandemia e a popularidade do presidente Bolsonaro.

"A gente não sabe [como esses fatores vão influenciar no ano que vem] e o presidente é um ator central na disputa eleitoral. A maneira como ele entrar no jogo eleitoral obviamente vai influenciar os seus adversários [...]. É muito difícil que o PSDB 'queime' muitos recursos e energia em uma eleição presidencial se ficar claro que o presidente Bolsonaro é o franco favorito [...]. Pode ser que o próprio Doria desista de ser candidato a presidente se ele avaliar que não vai ter chances, mesmo ganhando as primárias."

A cientista política explica que o PSDB não vai conseguir votos dos eleitores da esquerda, como os petistas e os psolistas. O partido vai em busca do voto do eleitor que diz que não vota nem Bolsonaro nem no Lula (PT) ou em quem votou em Bolsonaro em 2018, mas não está mais tão convicto de que quer repetir a dose. Por isso é importante saber viabilidade da reeleição de Bolsonaro, para o futuro do PSDB.

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"Ainda tenho muitas dúvidas de como nossa sociedade vai se comportar após esse governo. O governo me parece desastroso e seria razoável que a sociedade falasse: 'Olha não dá para ter mais quatro anos de um presidente que não tem agenda positiva, que governa na criação de crises, com essa instabilidade' [...]. É um caos muito grande [...] esse nível de instabilidade, de insegurança e esse nível de stress, porque é um nível de stress constante desde a posse do presidente, acho que a gente não teve três meses de calma no país [...]. Se a nossa sociedade continuar achando que faz sentido apoiar um candidato como esse, eu não sei se PSDB tem chances de se restabelecer", alerta.

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