Ex-diplomata acusa EUA de não terem negociado com Talibã e critica governo afegão corrupto

Os EUA perderam várias oportunidades de se envolverem no processo de reconciliação com o Talibã ao longo dos anos, o que teria permitido realizar uma saída mais segura e evitar o colapso de Cabul, disse o ex-funcionário do Departamento de Estado, Matthew Hoh, à Sputnik.
Sputnik

Matthew Hoh, o ex-capitão da Marinha dos EUA, se demitiu do Departamento de Estado em 2009 em protesto contra a estratégia de guerra dos EUA no Afeganistão.
Agora Hoh é pesquisador sênior do Centro de Política Internacional e membro da Iniciativa da Mídia Eisenhower.

"Houve muitas oportunidades para negociar com o Talibã", disse Hoh. "Eu era funcionário do Departamento de Estado em 2009. Havia elementos do Talibã que queriam conversar".

O ex-capitão disse que a sequência de eventos que ocorreram recentemente era inevitável devido à política de pressionar para derrotar o Talibã (organização terrorista proibida na Rússia e em vários outros países).

"O que aconteceu agora era inevitável porque os EUA enquadraram isso em termos de conquistar a vitória. Se você disser, 'vamos ganhar', isso provoca a derrota", afirmou Hoh.

Os EUA escolheram o caminho de ocupar uma nação e entrar em uma guerra civil. A estratégia de ocupar o Afeganistão era errada de qualquer maneira.

"Em 2001, foi cometido um ato terrorista por um grupo de 200 a 400 pessoas. Os EUA optaram por entrar no meio de uma guerra civil quando o Afeganistão estava fazendo pouco mais do que servir de hotel para terroristas", explicou.

"O Afeganistão não foi parte integrante do planejamento do 11 de setembro. Eles estavam planejando em lugares como Malásia, Catar e Emirados Árabes Unidos", segundo Hoh.

Castelo de cartas

Há muitas coisas que os Estados Unidos poderiam ter feito, incluindo garantir que os pashtuns fossem incluídos no governo. Os Estados Unidos também poderiam ter colocado condições prévias como aceitar o governo e proteger os direitos das mulheres, acrescentou Hoh.

"O governo afegão sacrificou completamente os pashtuns no sul e no leste. A narrativa desta guerra para defender os direitos das mulheres e os direitos humanos não é verdadeira", revelou o ex-diplomata, adicionando que uma geração inteira de afegãos não teve acesso à educação.

Hoh afirmou que não está surpreso com a situação atual no Afeganistão. Os militares e policiais afegãos se recusaram a apoiar o governo corrupto afegão, mantido pelo dinheiro estrangeiro.

"O Talibã planejou isso há muito tempo, mais de um ano. Eles foram muito bem-sucedidos militarmente. Negociaram, fizeram acordos. Eu acreditava que eles tomariam Cabul com sucesso", de acordo com ex-diplomata.

Hoh disse que há uma grande raiva e sentimentos de traição entre os militares veteranos. Um fator que contribuiu para o colapso, argumentou Hoh, é que o governo e os militares afegãos foram construídos sobre um "castelo de cartas".

Esquema Ponzi

Hoh descreveu a escala da corrupção e do roubo no Afeganistão nas últimas duas décadas como um grande esquema Ponzi: 40% do dinheiro nunca sai dos Estados Unidos devido a custos indiretos e de gerenciamento. Acredita-se que apenas 10% do dinheiro foram realmente para escolas, hospitais e projetos de desenvolvimento.

À medida que a guerra dos EUA no Afeganistão chega ao fim, os Estados Unidos estão sobrecarregados com US$ 1 trilhão (R$ 5,25 trilhões) em dívidas e pagamentos de juros que os contribuintes pagarão, segundo Hoh.

"Os bancos estão fazendo grandes negócios. Os afegãos não são os únicos culpados pela corrupção. Os americanos também são corruptos. A nossa é apenas uma forma de corrupção legalmente aceita", disse Hoh.

É enganoso chamar os soldados e policiais afegãos de covardes por não quererem continuar lutando contra os islamistas. Os comandantes militares pararam de distribuir dinheiro e, durante pelo menos dois meses, a polícia e os militares não receberam salário.

"Os militares afegãos não queriam lutar porque não queriam lutar por este governo. Os soldados e policiais precisavam do dinheiro para alimentar suas famílias", segundo Hoh.

"O Talibã se tornou uma opção melhor", concluiu.

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