Conhecido como "Bolsonaro português", Ventura, que ficou em terceiro lugar nas eleições presidenciais, escreveu na publicação: "Inúmeros estudos internacionais e alertas de serviços secretos do mundo inteiro são claros em que os refugiados afegãos representam um enorme risco de terrorismo para a Europa. Mas Portugal está ansioso por receber mais de 300... Que estupidez!".
A possibilidade de infiltração de terroristas entre refugiados afegãos também foi assinalada por oficiais russos. Além da Rússia, outros países, como Áustria e Suíça também anunciaram que não vão receber grupos vindos do Afeganistão. Já Grécia e Turquia estão construindo muros para impedir a migração de afegãos. Por sua vez, o Paquistão tenta fechar as fronteiras, mas refugiados têm conseguido passar uma delas.
Na sequência, o Twitter bloqueou temporariamente a conta de Ventura sob a alegação de que ele violou as regras contra conduta odiosa. De acordo com uma das políticas da rede social, não se pode promover violência, ameaçar ou assediar outras pessoas com base em raça, etnia, nacionalidade, orientação sexual, gênero, identidade de gênero, filiação religiosa, idade, deficiência ou doença grave.
Em comunicado de imprensa enviado a correspondentes estrangeiros, a direção nacional do Chega, partido de direita do qual Ventura é fundador e presidente, confirmou a notícia de que ele estava suspenso do Twitter por tempo indeterminado devido a uma publicação realizada sobre o perigo que poderiam representar os refugiados afegãos.
"É absurdo que um líder político europeu seja suspenso de uma rede social por se referir a uma potencial ameaça terrorista sobre o seu continente, ameaça essa já validada por vários serviços secretos do mundo. O partido repudia veementemente esta permanente perseguição e condicionamento por parte desta rede social, que acaba assim por limitar e condicionar ilegalmente a atividade política em Portugal", lê-se em um trecho da nota.
Não foi a primeira vez que Ventura teve sua conta suspensa. Dez dias antes, ele já havia tido seu perfil bloqueado por 24 horas após escrever que "alguns dos incendiários, em vez de serem tratados como coitadinhos, deviam ser atirados às chamas", em uma referência aos incêndios florestais em Portugal.
No fim de maio, o deputado único do Chega também fora suspenso temporariamente após um post em que escreveu que o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, devia ser decapitado. A publicação foi uma reação de Ventura à anulação da pena de um policial que havia chamado o parlamentar de aberração.
Após o caso mais recente, deste último fim de semana, o presidente do Chega apagou o tweet em que insinuava risco de terrorismo por parte de refugiados afegãos e pôde voltar à rede. No entanto, não sem se posicionar e criticar a rede em outra publicação.
Twitter não considera Talibã uma organização terrorista, diz analista
Sputnik Brasil tentou entrar em contato por dois dias com Ventura, mas sua assessoria de imprensa não retornou as ligações nem respondeu aos e-mails e a mensagens enviados. A Assembleia da República está de férias até o dia 14 de setembro. Ao Correio da Manhã, ele reconheceu as regras do Twitter, mas disse considerar sua aplicação excessiva.
"Percebo que tenha de haver regulação e controle do discurso de ódio. Mas isto é um exagero despropositado, uma perseguição política. Então não se pode escrever sobre refugiados afegãos? Sobre o perigo do terrorismo? Para onde estamos a caminhar, onde fica a liberdade de expressão?", disse Ventura, citado pelo jornal português.
Sputnik Brasil também questionou a assessoria de imprensa do Twitter sobre quais políticas Ventura teria violado para que sua conta fosse suspensa, por que as contas de líderes do Talibã continuam ativas e se a rede social não o considerava uma organização terrorista, mas não houve respostas até o fechamento desta reportagem.
De acordo com Luís António Santos, doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade do Minho, diferentemente do Facebook, o Twitter não tem o Talibã em sua lista de organizações terroristas. Isso faz com que contas como a de Zabihullah Mujahid, porta-voz do autoproclamado Emirado Islâmico do Afeganistão, permaneçam ativas, com mais de 374 mil seguidores.
Segundo o professor universitário, o Twitter não tem a mesma estrutura que o "império" de Mark Zuckeberg para filtrar e avaliar conteúdos. Só em Algés, na Área Metropolitana de Lisboa, a multinacional Accenture mantém um prédio inteiro com centenas de estrangeiros, entre brasileiros, italianos, franceses e espanhóis, em um projeto dedicado a revisar e avaliar conteúdos denunciados por usuários do Facebook.
São eles que decidem o que permanece na rede ou é deletado, com base em um rigoroso documento de políticas que vão desde a proibição de organizações terroristas até discursos de ódio, passando por bullying, nudez e violência gráfica. As regras são atualizadas e aperfeiçoadas em reuniões semanais. Nesse sentido, Santos avalia que o Twitter ainda é mais permissivo.
"O Twitter, ainda assim, tem um comportamento mais disponível para aceitar algum tipo de discurso do que o Facebook, que tem uma postura mais rigorosa, quer concordemos ou não. Na regulação de discursos, o Twitter não está no mesmo lugar. O fato mais significativo foi o impedimento da conta do ex-presidente americano [Donald Trump]. Foi um momento simbólico, mas é verdade que ainda permite que os Talibã utilizem a rede", analisa Santos.
Mestre em Política Internacional pela School of Oriental and African Studies (SOAS), da Universidade de Londres, ele rejeita a comparação entre as situações da suspensão da conta da Ventura e a manutenção dos perfis de líderes do Talibã. Além de dizerem respeito a regras diferentes do Twitter (conduta de ódio e organizações terroristas), ele destaca que não se trata de regimes políticos iguais.
"É difícil comparar um político português, num regime democrático, com um discurso que, de alguma forma, desrespeita as regras de funcionamento do Twitter, a membros de um grupo radical, extremista, que tomou o poder à força num país. Não parece que sejam situações semelhantes", justifica.
Guerra comunicacional vai de recrutamento a gestão da imagem
Da mesma forma, Santos não considera válida a analogia feita por correligionários de Trump, que criticaram uma suposta hipocrisia do Twitter de banir definitivamente o ex-presidente norte-americano após a invasão do Capitólio e permitir que os líderes do Talibã mostrassem a tomada de Cabul, em tempo real, na rede.
"Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Uma é o momento de avanço de forças envolvidas numa guerra num país, e a outra é um ataque armado pelo ex-presidente de um país democrático ao seu Parlamento. Na questão do Afeganistão, quem iniciou as negociações com o Talibã foi a administração Trump. Me parece que há uma falha dos apoiantes do Trump em incorporar isso. É como comparar batatas com cebolas", desdenha.
Questionado pela Sputnik Brasil se a ocupação de Cabul mostrada ao vivo pelos líderes do Talibã em suas contas não infringiria nenhuma política do Twitter, Santos explica, que, a partir do momento em que a rede social não admite a organização como terrorista, fica mais difícil tirar os perfis do ar. No entanto, ele acredita que as páginas sejam acompanhadas e, caso haja publicações que violem regras, elas serão igualmente punidas.
"Vamos imaginar uma publicação que dissesse 'morte à América' ou incitasse ódio ao estrangeiro. Nesse caso, diria que o Twitter teria fundamentos para retirar essa publicação. Mas me parece que eles não foram exuberantes nas publicações que fizeram sobre os eventos que aconteceram. Parece que eles tinham a lição estudada e sabiam claramente o que podiam fazer no Twitter de forma que não fossem impedidos de continuar a fazer", sugere.
Comentarista da rádio portuguesa Renascença, Santos concorda que o Talibã aprimorou sua estratégia comunicacional. Ele leva em consideração a evolução das tecnologias da informação 20 anos depois de eles terem voltado ao poder, mas também aventa duas outras hipóteses: a de que a organização tenha recrutado pessoas com competências muito além das militares e a de que tenha havido a ajuda de uma consultoria internacional na área de comunicação.
"Por um lado, passaram 20 anos, as pessoas são outras, o Talibã pode ter conseguido a adesão de pessoas com outros tipos de competência, em línguas e comunicação. Por outro lado, podem ter ajuda na área de gestão de imagem", aponta.
De acordo com ele, essa ajuda pode ter chegado de qualquer parte do mundo e ainda não é possível perceber de onde ela partiu. Como o Afeganistão se prepara para voltar a ser um espaço tenso do ponto de vista geopolítico, Santos diz que primeiro é preciso identificar quem é que vai "jogar ao tabuleiro", para depois tentar entender quem ajudou.