Sob a liderança da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), um manifesto em defesa da harmonia entre os três Poderes tem gerado novos desentendimentos.
O manifesto em defesa da harmonia entre os Poderes, liderado pelo presidente da Fiesp, Paulo Skaf, que havia sido postergado sem data definida, deve ter seu destino determinado apenas depois do dia 7 de setembro.
Além disso, o texto, pedindo a harmonia entre o Executivo, Legislativo e Judiciário, provocou um racha na Febraban, com Banco do Brasil e Caixa ameaçando deixar a federação dos bancos caso o manifesto fosse assinado e publicado.
Para compreender os motivos pelos quais o manifesto por harmonia deixou o governo tão incomodado, bem como o que teria contribuído para que estas instituições ficassem indispostas com o governo Bolsonaro, a Sputnik Brasil conversou com Humberto Dantas, cientista político e coordenador da pós-graduação em ciência política da FESP-SP.
Explicando os motivos pelos quais o manifesto incomodou o governo Bolsonaro, Humberto Dantas afirmou que o governo imagina ter certos setores consigo, mas aparentemente começa a deixar de tê-los.
Os empresários se dizem pragmáticos, inclusive para apoiar um governo que por vezes flerta e age contra as instituições democráticas.
"A grande questão é que do mesmo jeito esse pragmatismo faz o empresário entender que precisa se aproximar do governo por diversas razões. Primeiro, porque é um grande comprador, segundo, porque o governo brasileiro ou Estado brasileiro é um grande subsidiador da iniciativa privada, com incentivos e estímulos das mais diferentes naturezas, e usa isso politicamente a todo instante em diálogos com o empresariado, que aceita este tipo de diálogo", explicou.
O empresário sabe que custa infinitamente mais, mesmo com subsídios, apoios, flertes etc., se transformar em uma palha do que manter viva a solidez das instituições no Brasil.
Humberto Dantas ressaltou que o primeiro grande movimento que chamou a atenção foi uma carta assinada por seis mil empresários e celebridades, manifestando-se por garantias do governo de que as instituições seguem firmes.
"O que me incomoda muito nesse governo, é que esse governo se elege falando contra, por exemplo, países como a Venezuela, e por mais que você tenha uma ideologia oposta, no limite, os opostos se parecem muito no que diz respeito às rupturas institucionais", afirmou.
Presidente Jair Bolsonaro discursa durante anúncio de patrocínio de seleção olímpica pela Caixa Econômica Federal no Palácio do Planalto em 1º de junho de 2021
© AFP 2023 / Evaristo Sá
"O Bolsonaro é completamente maluco e esquizofrênico, a ponto de achar que qualquer negativa atitude dele se transforme em um inimigo, morra achando, mas ele não é tão soberano como imagina", enfatiza.
O especialista, contudo, lembra que o governo Bolsonaro aprovou a reforma mais pedida pelo empresariado nos últimos anos, que era a reforma da previdência.
Além disso, Humberto Dantas afirmou que é preciso entender o que está em jogo e qual o papel do Congresso.
Hoje, no Brasil, existe "uma grande crise deflagrada predominantemente entre, de um lado, o Poder Executivo e Forças Armadas e de outro o Poder Judiciário [...] O Poder Legislativo se serve e se interessa por essa crise para negociar com o Executivo e Judiciário", destacou.
Então, o que o empresariado está pedindo, nesse caso, talvez seja não só uma lógica mais pragmática, mas uma lógica mais institucional do Poder Legislativo que, por sua vez, "deve dizer para o Judiciário para parar com o ímpeto de ter opinião sobre tudo, posição sobre tudo e vontade sobre tudo, pois isso é perigoso".
Humberto Dantas ainda afirma que a pauta do Bolsonaro criticando o Judiciário, alegando que seja algo danoso, "é uma pauta absolutamente legítima e necessária de ser discutida", contudo, Bolsonaro não sabe dialogar e negociar para uma possível contenção.
"A pauta do Bolsonaro não é ruim, o jeito do Bolsonaro é trágico, a ponto inclusive de ameaçar o país com o uso das Forças Armadas [...] O tema é essencial, o superativismo do Judiciário é danoso para a democracia brasileira [...] A forma de um presidente da República atacar isso é horrenda e não é do Poder Executivo que isso acontece", declarou.
Questionado sobre a possibilidade de o ministro Paulo Guedes cair, Humberto Dantas afirmou acreditar que ele deva seguir no governo, já que Bolsonaro quer louvor e devoção, e "o Guedes tem entregue louvor e devoção", reduzindo suas críticas ao próprio governo.
"O Guedes gostou, como todo empresário desse país gosta, de ser acarinhado por gentilezas do Estado. Essa é a cara do empresariado brasileiro que sonha em ser liberal [...] O grande empresariado brasileiro ama criticar e se servir do governo", citou.
Caixa e Banco do Brasil ameaçam deixar Febraban
A maior polêmica até agora foi a adesão da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), que ocorreu sob forte divergência interna, com os presidentes da Caixa, Pedro Guimarães, e do Banco do Brasil, Fausto Ribeiro, se opondo à decisão.
Tanto a Caixa quanto o Banco do Brasil ameaçaram sair da Febraban devido ao manifesto, o que levantou uma questão sobre possíveis interferências políticas na gestão destas estatais.
Comentando esta situação, Humberto Dantas afirmou que a interferência política sempre existiu, "do nível mínimo ao nível máximo", com diversos funcionários das estatais ganhando cargos políticos em cidades menores.
"Isso é uma estratégia 'batida', apenas não conseguimos dimensionar, pois a Caixa não fornece a lista dos seus funcionários [...] Do nível mais baixo ao nível mais alto, as instituições sempre tiveram usos políticos", afirmou Humberto Dantas.
O especialista também explica que, com uma possível saída da Caixa e do Banco do Brasil, a Febraban perderia muito recurso, contudo seria uma oportunidade para a Federação dar um "choque de liberalismo" no Brasil, do empresariado e não do governo.
Paulo Skaf estaria na liderança por ambições políticas próprias?
Juntamente com o movimento liderado por Paulo Skaf, que deixará a Fiesp em breve, surgiram questões sobre suas ambições.
Para Humberto Dantas, o líder do movimento "é uma das figuras mais estranhas e obscuras" da política brasileira, que teve sua primeira candidatura pelo Partido Socialista Brasileiro.
"Paulo Skaf é uma figura absolutamente pragmática, com uma agenda muito estranha. Se ele fosse democrata, ele não passava décadas como presidente da Fiesp [...] que tem uma agenda política pouco afeita à lógica democrática do ponto de vista interno", disse.
"A Fiesp converteu seu poder político em uma agenda de vontade individual de governar o Estado, o que é muito ruim [...] Paulo Skaf foi quem liderou o grande movimento pró-Dilma, quando ela fez aquele assalto ao Brasil, de diminuir o valor da conta de energia, e quebrou o setor energético brasileiro", lembrou.
De acordo com Humberto Dantas, o excesso de pragmatismo faz com que a pessoa perca o caráter, o que aconteceu com Paulo Skaf, que apoiou a Dilma, o Temer, o Bolsonaro, contudo, agora não apoia mais o Bolsonaro.
Elite brasileira desembarcando do governo Bolsonaro
Parte daquilo que a elite econômica manifestou é algo absolutamente legítimo, necessário e construtor de limites mínimos.
"É importantíssimo que a elite se manifeste a favor da manutenção das instituições", destacou Humberto Dantas.
Além disso, ele ressalta que essa elite tem um peso expressivo, o que é muito importante, contudo, essa elite "carrega um cara" que abraçou todos os governos, recuando diante de ameaças, de contra-ataques ou diante de alguma coisa que eles conseguiram.
"É muito importante o posicionamento. É muito ruim que desista tão facilmente, que seja uma desistência [...]", declarou.