A Sputnik Brasil teve uma conversa com a dra. Lise van Susteren, psiquiatra e pesquisadora dos efeitos psicológicos das mudanças climáticas, que esclarece esse fenômeno e aponta uma relação entre o problema e os governantes.
A definição para ansiedade climática, sem abordar nuances, é percebida intuitivamente: é a ansiedade a respeito do clima – particularmente às perturbações climáticas, explica a médica.
"Todos nós, que não estamos fora de contato com o mundo exterior, sabemos que [as mudanças climáticas] estão causando eventos climáticos extremos e estão causando perturbações físicas e psicológicas em nós."
Culpa é dos governos, acreditam jovens
A dra. Lise van Susteren tomou parte de uma pesquisa internacional que visava entender como as preocupações sobre mudanças climáticas afetam a saúde mental dos jovens de 16 a 25 anos. Do estudo participaram jovens de dez países: Reino Unido, Finlândia, França, Estados Unidos, Austrália, Portugal, Brasil, Índia, Filipinas e Nigéria.
O motivo pelo qual a pesquisa se focou nessa faixa etária é bem explicável. Todos nós estamos vivendo no mundo eventos extremos do clima, tais como inundações, incêndios florestais, tornados e ondas de calor, que têm ocorrido cada vez mais intensa e frequentemente. Mas, aponta a especialista, quem vai sofrer mais por esses longos anos de perturbações são os jovens: eles são quem estará no olho do furacão.
Estudantes vão para as aulas em escola pública em Los Angeles, 10 de setembro de 2021
© AFP 2023 / ROBYN BECK
Do outro lado estão as pessoas mais velhas, que têm geralmente mais poder do que os jovens: escrevem as leis, gerem as empresas e disponibilizam possibilidades de mudar as políticas em relação ao meio ambiente.
"Então, naturalmente, virarmo-nos para os jovens, para que eles sejam os porta-vozes do que está acontecendo, é uma ferramenta eficaz de utilizar para que as pessoas mais velhas, que têm o poder, realizem mudanças."
Por isso mesmo, os jovens, que não devem ser subestimados por nós, diz a doutora, culpam os governos pela ansiedade climática que os afeta, o que foi demonstrado no estudo. Eles reconhecem que as pessoas no poder podem fazer políticas para alterar as mudanças climáticas.
"Se as pessoas no comando não estão ouvindo e não estão respondendo, e estão colocando lucros e poder na frente da saúde pública, as crianças vão saber disso, elas veem e reagem sobre isso", avisa a médica.
Jovens estão cientes do que acontece no mundo
Os resultados da pesquisa mostram que não há uma diferença de opinião relevante entre os jovens dos diferentes países analisados. Não importa muito de qual país você é quando se trata da questão climática global, de acordo com a especialista.
"E esses são os jovens que estão conectados com as notícias, e é verdade que esses jovens são parecidos no sentido de que estão cientes do que está acontecendo no mundo. Logo, quer você seja da Nigéria, da Alemanha ou do Brasil, no sentido de que são todos semelhantes, se você está ouvindo e se tem acesso às notícias."
Mesmo assim, os autores incluíram deliberadamente no estudo países do Sul global, que habitualmente ficam fora dessa discussão. Ele serviu para mostrar que alterações climáticas não são um fenômeno que ocorre exclusivamente em países desenvolvidos, mas em todo o mundo.
"Nós sabemos que o Brasil e a Amazônia foram descritos como os 'pulmões' do planeta. Então, consideramos o que essas pessoas estão pensando, fazendo, sentindo e dizendo, no Brasil é uma voz crucial de ser capturada."
Como minimizar ansiedade climática?
O debate sobre a ansiedade climática na juventude já vem surgindo, e há muito ativismo nesse âmbito. Recentemente, a UNICEF alertou sobre os efeitos do clima global na ansiedade dos jovens, assim como o Conselho de Direitos Humanos europeu.
A chave para tudo isso, do ponto de vista da doutora, são as relações dentro do contrato social, ou mais especificamente, uma forte confiança dos jovens em seus governantes que pode minimizar os efeitos psicológicos negativos.
"E esta solução é saber que as pessoas no poder estão fazendo o que podem para restabelecer a segurança [climática], assim que os jovens possam não apenas sobreviver, mas prosperar, bem como as futuras gerações, os filhos deles."
Segundo as palavras dela, quem possui poder tem privilégios, mas com ele vem a responsabilidade de usar o poder para beneficiar todos.
Embora a pesquisa não tenha considerado os efeitos da pandemia, Lise van Susteren ressalta que a situação em que vivemos desestabiliza os ecossistemas. Devido ao fato de que as pessoas e animais têm que se mudar de ambientes que se tornaram inseguros, o equilíbrio usual entre agentes patológicos e elementos de saúde no ecossistema também vira instável.
"Então, nós temos seres humanos sendo cada vez mais expostos, por conta das perturbações climáticas, a novos patógenos", concluiu a especialista.