Instagram Kids: quais limites forçam Facebook a adiar lançamento do app para menores de 13 anos?

Depois que o Facebook anunciou ter suspendido a criação da versão Instagram Kids para menores de 13 anos, a Sputnik explica quais dificuldades impedem sua utilização saudável.
Sputnik
O anúncio foi feito nesta segunda-feira, 27 de setembro, pelo chefe do Instagram, Adam Mosseri. No blog oficial do aplicativo, Mosseri disse que a opção da plataforma para as crianças "é a coisa certa a se fazer", mas é preciso ainda ter um diálogo com pais, especialistas e reguladores.
Segundo ele, de nenhuma maneira o Instagram Kids seria um aplicativo para atrair novos usuários à plataforma, uma vez que as crianças já estão presentes na Internet.
A Sputnik Brasil conversou com Christian Perrone, coordenador da área de direito do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio, sobre a pausa na iniciativa do Facebook para entender melhor as dúvidas existentes sobre o assunto.

Riscos do aplicativo para crianças

Ao esclarecer as razões por que o Facebook cancelou o lançamento do Instagram Kids, o especialista aponta nossa atenção ao fato do quanto essa possibilidade pode impactar a vida das crianças.
Nenhuma criança menor de 13 anos consegue entender todas as consequências que pode ter quando coloca sua foto nas redes sociais, afirma ele.
Vale admitir que há crianças que já são extremamente espertas, "já são nativos digitais", e conseguem se adaptar muito mais rápido do que inclusive uma série de adultos às regras da Internet e compreender tais fenômenos como desinformação, por exemplo. Ao mesmo tempo, existe uma série de potenciais danos que nem todas as crianças entendem.
O primeiro risco ao qual aponta Christian Perrone é a repercussão de longo prazo. Uma parte inalienável de nossa infância, diz, é fazer bobagem. Na era pré-Internet, não havia consequências para o resto de nossa vida e isso não nos incomodava muito. Mas uma bobagem que seja colocada em uma rede social tende a ser permanente: agora não se apagará tão facilmente.
Além disso, existem também os riscos de exposição: riscos de adultos se meterem no meio, ou quando outras crianças baixam as fotos. Isso tem a ver com uma questão de dados pessoais. Não se trata apenas do fato que o Facebook ou Instagram Kids utiliza ou não os dados pessoais, mas as próprias crianças podem acidentalmente expor dados que podem ser observados por outras crianças e pessoas, publicando, por exemplo, fotos em frente do colégio, da escola, de casa, com o carro dos pais etc.
Adolescente de 16 anos com celular no lobby de sua residência em São Paulo, Brasil, 10 de junho de 2021
O último risco é a questão de bullying, ou seja, uma prática sistemática, no caso das redes sociais, de violência psicológica através de críticas repetitivas contra as crianças.
Em vista de todos esses riscos, a grande questão é se realmente nós podemos proteger as crianças nessa plataforma.
"A arquitetura dessas plataformas deve ser muito bem desenhada para que elas possam trazer benefícios e minimizar ao máximo os riscos. Isso pode explicar por que o Instagram pensou em adiar o processo de lançamento", resumiu o especialista.

Meios rumo à utilização de plataformas saudável

As redes sociais trouxeram uma grande revolução em muitos aspectos de nossa vida. Mas, ainda assim, nós temos que lidar com momentos negativos.
Do ponto de vista de Christian Perrone, existem três meios através dos quais podemos prover a utilização mais saudável de plataformas sociais, mesmo entre adultos.
O primeiro é o design, que permite criar uma arquitetura das plataformas para uso mais responsável, limitado e saudável delas.
Logo do Instagram (imagem referencial)
O segundo considera o assunto da relação interpessoal: talvez nós tenhamos que criar normas sociais, normas éticas especiais dentro das plataformas, pondera o especialista.
O último são as próprias regras das plataformas: as mesmas plataformas devem lidar com certas formas de discurso não positivas, como desinformação, discriminação, discurso de ódio, entre outras.

Autorregulação regulada

Mesmo que existam várias opiniões sobre a regulação do funcionamento das plataformas, o especialista defende a chamada "autorregulação regulada", expressão que ele mesmo diz ser um pouco estranha, mas que reflete sua essência.
Conforme Perrone, precisa de uma situação em que de um lado tem as plataformas e do outro o Estado, conseguindo resolver conjuntamente o problema.
"A primeira linha de frente são as plataformas, elas têm que atuar [...] em determinadas áreas, mas não necessariamente elas são suficientes, por isso precisa do Estado auxiliar nesse processo de contrabalançar os interesses da plataforma com os interesses públicos, e auxiliar para guiar de alguma forma as plataformas de uma maneira consistente e coerente entre elas."
Os instrumentos concretos vão depender das características do Estado, mas a ideia é a atuação coletiva, porque atualmente os processos de moderação de conteúdo, moderação de conduta nas plataformas, não necessariamente atingem o nível de transparência que a gente gostaria.
Mas enfrentamos o problema de moderação de conteúdo, que é uma das maiores pressões das plataformas, porque, de acordo com palavras de Perrone, "elas ficam entre a cruz e a espada". A questão é: será que as plataformas têm que atuar mais ou será que têm que atuar menos?
Redes sociais (imagem referencial)
Não se pode responder à pergunta de uma maneira definitiva. Por um lado, há um grupo político que entende que as plataformas têm que ter um papel mais proativo para elas tornarem o espaço que criaram mais saudável. Elas têm que atuar de uma maneira mais efetiva para coibir desinformação, o discurso de ódio, bullying, para coibir todos os elementos de conteúdo que criam o espaço, às vezes tóxico, dentro de suas plataformas.
Do outro lado do campo político se diz que na realidade elas nasceram para ser um espaço livre e acabaram de se tornar um espaço público de discussão.
A tarefa é descobrir qual é o nível ótimo de transparência para justamente gerar mais legitimidade dessa ação das plataformas, acredita o especialista.
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