Neste ano, a histórica onda de calor mortal nos EUA e no Canadá matou cerca de 600 pessoas. Pesquisadores calculam que mais de 5 milhões de óbitos por ano ocorrem mundialmente por causa de ondas de frio e calor extremos.
Recentemente, cálculos semelhantes foram feitos no Brasil: o estudo pioneiro realizado por duas pesquisadoras da Universidade de São Paulo (USP), Sara Lopes de Moraes e Ligia Vizeu Barrozo, e um pesquisador da Universidade de Coimbra, em Portugal, Ricardo Almendra, analisaram os dados de uma década em São Paulo (2006-2015), onde as ondas de temperaturas extremas vêm se tornando mais frequentes e duradouras.
"As pessoas com mais de 65 anos de idade são mais vulneráveis, pois apresentam uma diminuição da capacidade termorreguladora se comparada com a dos adultos mais jovens", explica Moraes em entrevista à BBC News Brasil.
Nesse contexto, a Sputnik Brasil teve uma conversa com Lincoln Alves, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), doutor em climatologia e mudanças climáticas pelo INPE e ex-consultor do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, Banco Mundial, PNUD e CEPAL/ONU, que comentou os resultados do estudo e contou o que cada um de nós pode fazer em relação ao problema do aquecimento global.
Nova realidade
De fato, relembra o especialista, o aquecimento global é um fenômeno mundial que está associado diretamente às emissões dos gases de efeito estufa, o que promove as alterações no balanço energético do planeta.
As ondas do frio e calor parecem não deixar de lado quase nenhum canto do mundo. "A mudança do clima já tem se manifestado em diversas formas e uma dessas formas, que atinge basicamente uma percepção maior pela sociedade, são os eventos extremos", comenta o doutor.
Em particular, neste ano no Brasil foi registrada uma sequência de massas de ar frio bastante intensa, confirma o professor, que teve um reflexo direto na sociedade.
Sem-teto em rua de São Paulo coloca molho de pimenta na sopa durante uma noite fria em São Paulo, 29 de julho de 2021
© AP Photo / Marcelo Chello
Muitas vezes, explica ele, o impacto está relacionado com as condições às quais os países estão acostumados: por exemplo, pessoal da Europa, dos Estados Unidos ou do sul do Canadá está bastante adequado às condições mais de frio. Por isso, quando vem uma onda de calor significativa, ela traz esses transtornos e impactos no fisiológico da população local.
No Brasil não é diferente. Por ser um país tropical, uma massa de ar frio um pouco mais intensa impacta a sociedade igualmente, aponta o pesquisador. E os números recentes da pesquisa mostram o quão isso é letal para algumas faixas etárias, particularmente para os mais velhos, que ficam mais vulneráveis a essas variações de extremos climáticos.
Ondas de calor e frio no Brasil
Ondas de calor, de acordo com a definição do professor, é uma persistência de vários dias consecutivos com temperaturas bastante elevadas. O mesmo ocorre com ondas de frio, mas com temperaturas baixas.
Apesar de ser um país tropical com temperaturas em geral relativamente altas, existem sim ondas de calor no Brasil.
Historicamente, a região de São Paulo e a capital em si têm demonstrado que as temperaturas têm aumentado significativamente, tanto as mínimas quanto as máximas, inclusive as noites têm se tornando cada vez mais quentes. Mas, além da mudança climática, a urbanização também contribuiu à situação atual.
Frio intenso afeta safras de café em Minas Gerais, Brasil, 30 de julho de 2021
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Porém, o último inverno demonstrou que a capital paulista está vulnerável ao evento de frio, que é também uma característica da mudança do clima, esclarece Lincoln Alves.
Tal variedade nas temperaturas afeta as vidas das pessoas, levando a intensos impactos socioeconômicos significativos, trazendo por vezes mortalidade. A população das ruas fica mais afetada, ou, por exemplo, as pessoas que trabalham na agricultura, na construção civil, que ficam mais expostas a essas temperaturas.
Embora as previsões mais confiáveis para as temperaturas do verão sejam disponibilizadas apenas no próximo final da primavera ou no início de verão, é fato que de cada vez os verões ficam mais quentes.
Além disso, mesmo que sejam previstas chuvas dentro do padrão normal, a condição de estresse hídrico em que o ambiente já está, o solo bastante seco, os reservatórios com níveis bastante baixos, essa condição não vai mudar significativamente o padrão que estamos vivenciando, acredita ele.
Medidas de mitigação governamentais
Para que a população sofra menos com essas mudanças climáticas, é preciso realizar uma série de iniciativas por parte do governo. Primeiramente, descreve o especialista, os tomadores de decisão, órgãos e instituições governamentais devem receber uma informação de previsões do tempo, do clima com certo grau de antecedência a partir das entidades especiais, como também o INPE. Isso é fundamental, enfatiza Lincoln Alves.
Essa informação estratégica será considerada e incluída no planejamento operacional e ajudará a elaborar as medidas de mitigação: melhorar, por exemplo, as condições de trabalho para as pessoas que estão mais expostas às variações de temperaturas, recolher as pessoas das ruas, levá-las aos abrigos, ou disponibilizar águas nas ruas para que as pessoas possam se hidratar.
'Eu sou parte do problema', devemos reconhecer o fato
Porém, sublinha ele, nós não devemos terceirizar simplesmente o problema para os tomadores de decisão. "As evidências das mudanças climáticas estão aí na nossa janela", os extremos climáticos já se tornaram "um corriqueiro no nosso dia a dia".
Colchões e cobertores na organização de caridade Pastoral do Povo da Rua preparados para pessoas sem-teto em São Paulo, 29 de julho de 2021
© AP Photo / Marcelo Chello
É indiscutível que a atividade humana tem causado a mudança do clima, afirma o especialista e tanto a sociedade como os setores, sejam o público ou privado, estão sentindo esse impacto: "É pensar que não se tem mais tempo para as políticas gradualistas, é preciso trabalhar de forma imediata".
É importante as pessoas se conscientizarem que a mudança do clima é real, reconhecerem que somos parte do problema e é preciso de alguma maneira cobrar os tomadores das decisões dessas políticas de mitigação, mas também as medidas de adaptação a essa nova realidade.
"Quando eu me reconheço como parte do problema, eu também tenho que fazer a minha parte: tenho que pensar em racionar água, o que eu posso fazer para economizar cada vez mais."
"São ações individuais que pouco a pouco, olhando coletivo, podem fazer uma diferença significativa, em especial em momentos de crise", concluiu.