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Analista: Brasil pode ter armas nucleares sendo 'forçado a pensar em segurança no futuro próximo'

A Sputnik Brasil conversou com professor do Instituto Estatal de Relações Internacionais de Moscou sobre as despesas militares das grandes potências, o tratado Novo START e os riscos de uma guerra nuclear.
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No Dia Internacional para a Eliminação Total das Armas Nucleares, o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, afirmou que vivemos o momento de maior risco nuclear dos últimos 40 anos, acrescentando que há mais de 14 mil armas nucleares no mundo.
​Semanas antes, foi anunciada a criação da aliança AUKUS, que reúne EUA, Reino Unido e a Austrália, e vai munir Camberra com oito submarinos de propulsão nuclear. A notícia não agradou nem um pouco a China, que afirmou que prevê uma corrida armamentista na região.
A Sputnik Brasil conversou com Sergei Oznobischev, diretor do Instituto de Avaliações Estratégicas, vice-presidente da Associação Rússia-EUA e professor do Instituto Estatal de Relações Internacionais de Moscou, sobre as despesas militares das grandes potências, o tratado Novo START e os riscos de uma guerra nuclear.

Recorde em despesas militares

Os gastos militares globais atingiram níveis recordes no ano passado, com um volume de negócios da ordem de quase US$ 2 trilhões (aproximadamente R$ 11 trilhões), segundo o Instituto Internacional de Pesquisa da Paz de Estocolmo (SIPRI).
Os EUA responderam por 39% de todos os gastos militares globais. Os cinco países que mais gastaram com despesas militares, EUA, China, Índia, Rússia e Reino Unido foram responsáveis juntos por 62% do total dos gastos internacionais. Se a economia global caiu 4,4% em 2020 em consequência da pandemia do novo coronavírus, as despesas militares aumentaram 2,6% em comparação com 2019.
Ainda segundo o SIPRI, países em todo o mundo gastaram, em média, 2,4% de seu Produto Interno Bruto (PIB) em armamento no ano passado, contra 2,2% em 2019. Apesar desses números, chefes de Estado negam que o planeta esteja entrando em uma corrida armamentista.
"Os líderes das grandes potências mundiais [...] tentam assegurar à comunidade mundial que eles não querem essa corrida, mas na realidade nós somos involuntariamente empurrados para participarmos dela [...]. Todas as nossas ações no campo da segurança nacional, no campo da construção de novos sistemas de armas, são provocadas principalmente pelas ações de outros países que poderiam nos desafiar ou representar uma ameaça potencial. Nós, involuntariamente, reagíamos a ações um do outro. Somos incentivados a participarmos da corrida armamentista sem a reconhecer", avalia Sergei Oznobischev.
Em 2020, todos os países que ocupam as primeiras colocações aumentaram os seus gastos militares: EUA (4,4%), China (1,9%), Índia (2,1%), Rússia (2,5%) e Reino Unido (2,9%). Oznobischev sublinha que os dados de Pequim são apenas uma estimativa, "sem provas ou garantias" uma vez que o Partido Comunista da China não revela todas as informações sobre esse tópico.
Dessa forma, "podemos dizer que a corrida armamentista está ocorrendo", mesmo "com todo mundo negando a sua existência", comenta o professor do Instituto Estatal de Relações Internacionais de Moscou.
"No fim das contas, sejamos honestos, as armas são criadas em consequências de nossas próprias preocupações em relação à segurança nacional e em repostas às ações daqueles que nós consideramos nossos adversários no palco mundial."
Teste de míssil com propulsor nuclear Burevestnik (foto de arquivo)

Tratado Novo START e ONU

No fim de janeiro, Moscou e Washington prorrogaram o Tratado de Redução de Armas Estratégicas II (Novo START) por mais cinco anos, sem renegociar nenhum de seus termos. O tratado, que entrou em vigor em 5 de fevereiro de 2011, determina uma redução da metade do número de lançadores de mísseis nucleares estratégicos e limita o número de ogivas nucleares estratégicas instaladas a 1.550.
Oznobischev recorda que o acordo estava à beira do colapso e ninguém previa um futuro para o tratado "exceto um pequeno número de especialistas do qual eu fazia parte".
"Ganhei certas apostas porque acreditava que a consciência prevaleceria [...]. A gente quase perdeu o acordo, colocando em risco todo o sistema de controle de armas, que já havia sido severamente destruído nos últimos anos pelas ações dos EUA. Mas essas ações resultaram em grande parte da nossa capacidade de resolver os aspectos técnicos na questão do desarmamento. Não era uma questão política, uma questão de princípios ou se estávamos ou não prontos para manter o controle de armas. Claro, estávamos todos prontos, mas não éramos capazes de resolver as contradições técnicas durante muitos anos."
O especialista frisa o quão frustrante é essa situação e aponta que o mundo perdeu acordos importantes como o Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário (INF, na sigla em inglês), para eliminação de mísseis nucleares de curto e médio alcance, e o Tratado de Céus Abertos, que permitia que observadores militares realizassem voos de vigilância aérea para obter imagens de movimentos de tropas e navios em um vasto território.
Para o vice-presidente da Associação Rússia-EUA, precisamos firmar novos acordo e encontrar novas garantias de segurança, todavia, para isso os países precisam confiar uns nos outros e as instituições internacionais precisam ser eficientes.
"O principal desafio da ONU é garantir a segurança internacional. A comunidade internacional tem acumulado muitas queixas contra as Nações Unidas e o número dessas queixas cresce anualmente. A atividade e eficácia da ONU na questão da segurança internacional diminuíram [...]. O que é a ONU? [...]. As Nações Unidas são antes de mais nada as grandes potências. É um Conselho de Segurança com cinco Estados-membros, que são os cinco vencedores da Segunda Guerra Mundial [EUA, Rússia, China, Reino Unido e França]. Por isso, quando pedimos que a ONU se mobilize, estamos lançando apelos a nós mesmos. Temos que encontrar compromissos. Temos que encontrar senso comum e chegar a acordos sobre as medidas de primeira prioridade. E as medidas subsequentes que nos possam garantir a segurança internacional."
Membros da comitiva de uma delegação em frente da sede das Nações Unidas durante a 76ª sessão da Assembleia Geral da ONU em Nova York, 21 de setembro de 2021

AUKUS e armas nucleares

Sergei Oznobischev assinala que a criação da aliança militar AUKUS é um acontecimento sem precedentes nas últimas décadas, sendo preciso recuar até a Guerra Fria para se encontrar um evento dessa magnitude.
Dessa forma, o especialista considera natural que o AUKUS provoque preocupações por parte da China, mas observa que em grande medida a aliança surgiu como resultado das preocupações dos países da região da Ásia-Pacífico com a crescente capacidade militar da China.
"A política militar chinesa não é transparente. A falta de informação é uma fonte de preocupação para as forças militares em todo mundo, especialmente para os países que se encontram muito perto da China. No entanto, diminuir as tensões militares e eliminar incentivos para uma corrida armamentista só é possível através da confiança e da transparência para não mencionar inspeções mútuas, que podem ser implementadas após a conclusão de vários acordos e tratados. Infelizmente, agora não vejo possibilidade de atingir isso na região [...]. Podemos usar experiência do passado, bem como procurar novas maneiras para ultrapassar a crise atual [...]. O uso de armas nucleares é sinônimo de autodestruição, portanto construir enormes capacidades nucleares, montanhas de armas é completamente inútil."
Ainda assim, há uma proliferação nuclear, ressalta Sergei Oznobischev, com todos os países que podem investir nessa tecnologia, como África do Sul, Japão, Brasil e muitos outros. Esses países "são forçados em pensar em sua própria segurança em um futuro próximo. É bem provável que desenvolvam suas próprias armas nucleares".
Na semana passada, a revista The Economist recordou que o Brasil pode ter um submarino de propulsão nuclear antes da Austrália. A embarcação brasileira está orçada em cerca de R$ 200 milhões e deve ficar pronta em 2029. Atualmente, apenas seis países possuem submarinos nucleares: China, EUA, França, Índia, Reino Unido e Rússia.
​O especialista comenta que conflitos locais que ocorrem com frequência podem se tornar um conflito nuclear local. "Se olharmos para a política de certos detentores de armas nucleares que não fazem parte do assim chamado clube nuclear, entenderemos que um conflito nuclear é muito provável", alerta.
"Um conflito nuclear consciente, deliberado é provavelmente impossível, mas a escalada de um conflito militar para um conflito nuclear é o principal perigo atualmente. Podemos afirmar que as armas nucleares têm essa função dissuasora [...]. Por outro lado, o perigo da utilização dessas armas também existe", conclui Oznobischev.
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