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Especialista: CPI da Covid revela itinerário de 'perda de soberania e política nacional' do Brasil

A CPI da Covid ouviu diversas pessoas e revelou dados sinistros sobre a condução do governo federal diante da pandemia da COVID-19. Iniciada no fim de abril, a comissão chega na reta final e levanta a questão do quão importante foram as investigações para o Brasil.
Sputnik
Na quarta-feira (20), foi lido no Senado uma síntese do relatório final da CPI da Covid, comissão criada para investigar a condução do governo federal no enfrentamento da pandemia.
O documento final, com 1.180 páginas, pede indiciamento do presidente, Jair Bolsonaro, e de outras 65 pessoas, além de duas empresas, conforme noticiado.
Pelo texto acordado entre parlamentares do G7, Bolsonaro terá sugestão de indiciamento por dez possíveis delitos, entre eles epidemia com resultado de morte e crimes contra a humanidade, nas modalidades extermínio, perseguição e outros atos desumanos.
Ao longo de sua duração, a comissão parlamentar de inquérito ouviu, em forma de depoimentos, funcionários públicos, parlamentares, lobistas e diretores de farmacêuticas, ministros e ex-ministros, entre outros e foi se revelando, aos poucos, supostos esquemas ligados à compra de vacinas e promoção de medicamentos ineficazes contra o coronavírus que beneficiaram o setor farmacêutico privado.
Mas qual foi o real impacto dos dados revelados pela CPI, o que pode acontecer após o término das investigações e como o brasileiro passou a enxergar as políticas aplicadas em diferentes pastas do Estado após os dados divulgados? A Sputnik Brasil entrevistou Eduardo Santos, sociólogo, mestre em Geografia Humana e doutor em Educação para responder a essas questões.
Relator da CPI da Covid, senador Renan Calheiros (MDB-AL), realiza leitura do relatório final da comissão no Senado, 20 de outubro de 2021
Santos explica que a leitura do relatório final da CPI não foi feita em toda sua extensão, o relator da comissão, senador Renan Calheiros (MDB-AL), fez uma "síntese verbal" com mais ou menos 60 páginas das 1.180 que tem o documento.
Na visão do especialista, essa foi uma estratégia razoavelmente inteligente do ponto de vista político e social "uma vez que divulgar o relatório dessa forma pode influenciar a opinião pública".
Para o sociólogo, o relatório final da CPI é resultado de um longo processo revelado pela comissão no qual aconteceu "um casamento de interesses de grupos, em que se incluiu o setor militar […], as novas empresas corporativas e 'financeirizadas' […] e parlamentares que trabalham na condução de uma reorganização da política e economia brasileira em direção aos interesses gerais do capital financeiro e não do Estado".
Líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR) e advogado Diego Caetano da Silva Campos, durante depoimento na CPI da Covid, 12 de agosto de 2021
"A CPI da Covid, durante esse tempo, expôs esses interesses em conflagração dentro do aparelho do Estado, já que, para combater a pandemia, foram disponibilizados recursos públicos. E assim, começou então a acontecer uma disputa sobre esses recursos."
Segundo Santos, a investigação da comissão demonstrou "um itinerário de perda de soberania do Estado brasileiro e da política nacional" diante dos grupos mencionados acima, e afirma que esse movimento "é um projeto de poder que está afinado com um projeto mais amplo associado a movimentos de direita, até estadunidenses, vinculados a nomes como Donald Trump e Steve Bannon".
Bolsonaro cumprimenta Gerald Brant com Steve Bannon ao fundo durante evento em Washington (EUA)
"O resultado do relatório ataca […] as intenções objetivas do governo federal no enfrentamento à COVID-19, incluindo a própria competência do governo para lidar com essa questão, assim como uma série de atores e de 'blocos' de poder ligados à elite financeira, administrativa e política que foram postos em xeque."  
Para Santos, o relatório "precisou" determinados crimes e imputações jurídicas para manter uma radicalidade no documento e nas consequências que o mesmo pode gerar.
"Trocar a palavra genocídio por crime contra a humanidade na verdade é apenas uma maneira de qualificar o crime que está sendo cometido, e isso, muito ao contrário de afastar a fundamentação de um recurso contra o governo Bolsonaro no Tribunal Penal Internacional [TPI], [o relatório] acerta juridicamente melhor o tipo de imputação de crime que se possa ser atrelado ao governo no campo internacional."
Além dos indiciamentos ligados ao presidente, Jair Bolsonaro, Santos também salienta outros indiciados, como funcionários públicos, lobistas e intermediários que representaram empresas farmacêuticas e os próprios filhos parlamentares do chefe do Executivo, que entraram na lista da comissão.
Ex-diretor da Logística do Ministério da Saúde, Roberto Dias, falando com o senador Omar Aziz, durante seu depoimento à CPI da Covid, 7 de julho de 2021
"[Sobre os lobistas] vale lembrar que, para adquirir vacinas, os governos compram diretamente dos laboratórios, não é preciso intermediários. Essa foi uma figura criada dentro do governo Bolsonaro", destacou o sociólogo.
Santos também ressalta a criação da frente parlamentar, intitulada Frente Parlamentar Observatório da Pandemia de Covid-19, que vai "acompanhar as consequências desses indiciamentos e acusações que o documento aponta" e dar sequência às investigações levantadas pela comissão.
"Eu considero tudo isso bastante positivo e uma resposta madura do Senado Federal à maneira como foi tratada a pandemia no Brasil, e vai para além disso, a CPI identificou […] o modus operandi do assalto ao fundo público que vem sendo feito não só na Saúde, mas também na Educação e em outros setores."
Protesto contra a rede de hospitais Prevent Senior em São Paulo, 30 de setembro de 2021
Além de expor a dinâmica do capital nas pastas do Estado, o relatório teria ajudado a fomentar "uma opinião pública mais atenta e crítica à maneira como o Estado tem sido gerido", segundo o sociólogo.
"O relatório da CPI […] reforçou um sentimento de que a ação do governo federal no combate à pandemia foi uma ação deletéria e criminosa […] e ficou evidente que, por detrás da política negacionista, se abriu um balcão de negócios", declarou Santos.
O especialista acredita que as políticas governamentais aplicadas durante a pandemia, "com viés direitista", não negam só a ciência, como também negam "a constituição cultural do povo brasileiro, rejeitando que somos um povo majoritariamente de população feminina, afrodescendente e pobre".
"[Essas políticas] primam por fazer das diferenças, desigualdades, e primam por fazer das maiorias, minorias, ou seja, minorizar as maiorias do ponto de vista dos seus direitos. Embora esteja na Constituição esses direitos declarados, eles não são exercidos, não valem para todos de fato", considerou.
Tendo em vista as eleições do ano que vem, o sociólogo é indagado se, diante dos resultados do relatório final, a reeleição de Bolsonaro pode estar ameaçada. Santos afirma que "como dizia Ulisses Guimarães: 'Política é nuvem', vai muito do humor e esse humor pode ser fabricado".
A gaúcha Rosane Brandão, que perdeu o marido para o coronavírus, entrega à CPI faixa pedindo justiça às famílias vitimadas pela pandemia, Brasília, 18 de outubro de 2021
A CPI da Covid foi criada em 13 de abril de 2021, oficialmente instalada no Senado Federal em 27 de abril e prorrogada por mais três meses em 14 de julho. O relatório final foi divulgado no dia 20 de outubro e os trabalhos da comissão têm a previsão de serem concluídos até 5 de novembro.
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