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Caso 'Coração Cachorro': como a legislação do Brasil configura casos de plágio?

Com ajuda de Allan Turano, advogado especialista em Direito do Entretenimento e Negócios Digitais, a Sputnik explica como a legislação brasileira trata o caso envolvendo os intérpretes do hit brasileiro, Ávine Vinny e Matheus Fernandes, e o cantor e compositor James Blunt em que se discute um suposto plágio musical.
Sputnik
O Brasil possui um novo fenômeno musical. "Coração Cachorro", música interpretada por Ávine Vinny e Matheus Fernandes, alcançou a marca de música mais reproduzida no país e está entre as 50 mais ouvidas no mundo nas plataformas digitais.
O sucesso do hit é creditado à criatividade dos compositores desse forró brasileiro, que no refrão incluíram um "uivo" que muito se assemelha ao refrão de "Same Mistake", sucesso na voz do astro britânico James Blunt, que ganhou o mundo em 2007.
Dada a repercussão nacional e internacional do forró brasileiro, o próprio Blunt postou um vídeo, muito bem-humorado e especialmente produzido para a rede social TikTok, em que reage ao hit, encenando uma conversa com os cantores brasileiros e se arriscando na coreografia.
Na postagem, Blunt parabeniza os artistas brasileiros pelo sucesso e, em tom que aparentemente é de brincadeira, comenta que enviaria seus dados bancários à dupla:
Surpreendentemente, prevaleceu o velho ditado popular de que "toda brincadeira tem um fundo de verdade". James Blunt efetivamente entrou em contato com a dupla para negociar amigavelmente um acordo para receber direitos sobre a música e ser creditado como um dos seus autores, que conta com seis compositores, na realidade. Inclusive, Ávine Vinny e Matheus Fernandes são apenas intérpretes, não tendo participado da criação da obra musical.
O caso aparentemente terá um desfecho positivo. Mas e se não houvesse um consenso? Como a legislação brasileira lida com o assunto? Explicaremos a seguir.

Quem possui direitos sobre uma música?

No direito brasileiro, as obras musicais são tratadas na Lei nº 9.610 de 1998, popularmente conhecida como Lei de Direitos Autorais.
A legislação reconhece uma complexa cadeia de titulares de direitos. De um lado, temos como titulares de "direitos autorais" aqueles que criam as letras e os que criam as melodias. Do outro lado, como titulares de "direitos autorais conexos", estão a produtora, empresa responsável por criar o fonograma (isto é, a fixação da composição musical em um suporte, permitindo sua reprodução), e os artistas intérpretes ou executantes (isto é, os cantores e instrumentistas).
Os proveitos econômicos decorrentes da exploração de uma música, portanto, são partilhados entre uma série de pessoas. No ramo musical há ainda as editoras, que são empresas usualmente contratadas para auxiliar na divulgação da obra e remuneradas para isso.

O que é plágio?

Plágio é o nome vulgarmente atribuído a uma violação de direitos autorais ou de direitos autorais conexos. O plágio é um ilícito tanto civil quanto criminal. O infrator pode ser obrigado, por exemplo, a se abster de reproduzir ou interpretar indevidamente uma obra sem autorização, a indenizar os prejudicados pelos prejuízos causados, bem como ser responsabilizado com pena privativa de liberdade e multa.

Houve violação de direitos autorais em 'Coração Cachorro'?

No caso brasileiro há fortes argumentos para se afirmar que não houve qualquer violação. Isso porque o forró não contou com o uso de samples (isto é, trechos de outros fonogramas pré-existentes) ou interpolação (reconstrução, nota por nota, de uma melodia existente para criação de uma nova). Segundo a produtora Sony Gravadora, empresa responsável pelo fonograma, houve apenas inspiração para se inserir o "uivo" em "Coração Cachorro", mas a estrutura melódica da música seria totalmente diferente. Além disso, a letra do forró também não possui qualquer relação, inclusive temática, com a obra de Blunt.
Ainda que se reconhecesse que houve uma cópia da melodia de "Same Mistake" no refrão de "Coração Cachorro", haveria dois dispositivos na Lei de Direitos Autorais que amparariam o seu uso:
Art. 46. Não constitui ofensa aos direitos autorais: (...) VIII – a reprodução, em quaisquer obras, de pequenos trechos de obras preexistentes, de qualquer natureza, ou de obra integral, quando de artes plásticas, sempre que a reprodução em si não seja o objetivo principal da obra nova e que não prejudique a exploração normal da obra reproduzidanem cause um prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores.
Art. 47. São livres as paráfrases e paródias que não forem verdadeiras reproduções da obra originária nem lhe implicarem descrédito. [grifo nosso]
Com base nessas previsões legais, é de bom tom afirmar que o espírito jocoso e a criatividade do forró brasileiro fazem com que não haja qualquer violação.
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