Sem citar o nome de João Doria sequer uma vez, ele diz que deixa os problemas pessoais em segundo plano, mas justifica sua escolha por Leite nas prévias do PSDB pelo fato de ele ter maiores capacidades de união e de articulação do que o governador de São Paulo, além de possuir uma boa experiência administrativa e uma baixa rejeição.
"Alguém que tem no seu próprio estado uma rejeição acima de 60% e uma intenção de voto acima de 3%, que é o caso do governador de São Paulo, nos levará ao isolamento. Tudo o que a terceira via não precisa é de várias candidaturas. Vejo o Eduardo [Leite] como alguém com perfil mais adequado para liderar esses outros partidos ao centro e até mesmo para vencer as eleições", justifica Aécio.
Doria é a favor do afastamento de Aécio do PSDB desde que ele virou réu por corrupção e obstrução da Justiça, em 2018. Um ano depois, o partido arquivou dois pedidos de expulsão do ex-governador de Minas Gerais. Entre outras acusações, o ex-senador mineiro foi apontado como destinatário de propina de R$ 2 milhões do empresário Joesley Batista.
O governador de São Paulo, João Doria, fala à imprensa, após encontro com o presidente em exercício, general Hamilton Mourão, em 22 de outubro de 2019
© Foto / Valter Campanato / Agência Brasil
Após a Sputnik Brasil ter questionado Aécio, em Lisboa, se ele se arrependia de ter dito a seu (ex-)amigo Joesley Batista, em conversa gravada, a famosa frase "Tem que ser um que a gente mata antes dele fazer delação", o presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara dos Deputados (CREDN) encerrou a entrevista.
"Isso é uma bobagem, uma conversa entre amigos sem a menor relevância, uma piada, uma brincadeira que eu posso fazer com você aqui, se você gravar e der outro tom para ela", finalizou.
A entrevista foi concedida durante o evento em comemoração dos 25 anos da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), realizado pela CREDN em um hotel em Lisboa.
Confira a íntegra da entrevista a seguir:
Sputnik: Qual a importância da CPLP para o Brasil, que tem estado tão ausente da entidade no último ano e inclusive devendo dinheiro a ela?
Aécio Neves: Na verdade, o que estamos fazendo em Lisboa é, de alguma forma, o resgate do papel do Brasil na CPLP. Percebemos que, ao longo do tempo, o Brasil não vem dando a relevância e a importância que esse tema deveria ter, e nós estamos fazendo uma ação através dos parlamentos. Acho que a grande novidade, que é algo inédito, é o Congresso brasileiro, a Câmara e o Senado buscando se aproximar dos parlamentos dos outros países da Comunidade para que essa aproximação se dê independente de governos, porque os governos mudam. Você vai ter alguns governos com maior interesse, e outros com menor interesse no tempo. Os parlamentos de alguma forma compram essa ideia de modo mais permanente, tanto que já estamos convidando parlamentares de outros países [da CPLP] para estarem no Brasil no ano que vem. Queremos fazer esse evento quase itinerante, a cada ano num país da CPLP. É a forma de nós estarmos garantindo uma atenção maior, que não vinha tendo até agora. Tanto na questão cultural, mas também na questão comercial. Acho que temos oportunidades enormes a serem exploradas de lado a lado. O Brasil pode ser útil a esses países, mesmo na questão da pandemia. Temos uma legislação hoje extremamente moderna de flexibilização de patentes para atender não só o Brasil, mas também países que tenham falta de vacinas. Isso serve para futuros problemas sanitários que possamos ter. Até nas questões de biocombustíveis… enfim, acho que o Brasil pode ter uma presença maior na África através de parceiros nossos da CPLP, como na Europa, através de Portugal.
S: Agora, em que pé está o Acordo de Mobilidade da CPLP aprovado pelos chefes de Estado em Luanda em julho, mas precisa ser ratificado pelo Congresso?
AN: Nós vamos dar prioridade a isso. Quero poder ainda até ao final desta legislatura, até o final deste ano, ratificá-lo. Foi um passo importante, mas apenas dois países, dos nove países da CPLP, já o ratificaram. Espero que o Brasil seja o terceiro. Vamos trabalhar para isso.
S: O senhor falou em acordos comerciais. Em que medida a Comissão de Relações Exteriores da Câmara pode ajudar o Brasil a deixar de ser um entrave para a ratificação do Acordo Comercial entre a União Europeia e o Mercosul?
AN: Na verdade, estamos tendo problemas graves, apesar de a negociação já ter sido concluída, em razão, a meu ver, de algumas medidas protecionistas de alguns países da União Europeia. Trato esse assunto como prioridade absoluta no âmbito da Comissão. Desde o início dos nossos trabalhos, tenho colocado que a ratificação desse acordo, do ponto de vista do Brasil, mas acho que também de alguns países da Europa, é muito relevante. Estamos falando nos próximos 15 anos de mais de US$ 100 bilhões de investimentos, algo muito expressivo, no Brasil apenas. E o problema ambiental no Brasil, que vem sendo de alguma forma potencializado por algumas ações do governo Bolsonaro, muito explorado na Europa, acaba encobrindo também uma outra questão, que é o protecionismo de países como a França e a Áustria, por exemplo, que não querem abrir seus mercados para os países da América do Sul, para o Brasil em especial, onde nós somos mais competitivos que eles. Essa é uma questão que tem que ser tratada com muita seriedade. Eu tenho conversado com representantes da Espanha e mesmo de Portugal, que são aliados nossos na ratificação do acordo. Mas as dificuldades se dão não apenas pelas dificuldades que ocorrem no Brasil, mas por uma visão atrasada, protecionista, principalmente do governo da França e alguns outros.
S: O senhor falou da imagem do Bolsonaro na Europa, mas acho que não é só na Europa. Ficou claro na reunião do G-20 que o Brasil está, de certa forma, isolado. Como está a sua relação com o presidente, e qual é a avaliação que o senhor faz do mandato dele?
AN: Eu acho que ele está perdendo oportunidades extraordinárias de fazer com que o Brasil avance. Claro que a questão da pandemia foi um problema para o mundo e, digo mais, no aspecto da economia tivemos crescimentos pífios durante esse período. Houve uma má administração também da pandemia. Este discurso negacionista não é um discurso que faça sentido para mim. O que percebo é que o governo vem perdendo força a cada momento. Ao mesmo tempo, não acho que o retorno do PT ao governo seja a solução para o Brasil. Por isso, o nosso esforço é a construção de uma terceira via com musculatura para furar essa polarização.
Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, fala à mídia no Dubai Airshow, em Dubai, Emirados Árabes Unidos, 14 de novembro de 2021
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S: Já vamos falar sobre terceira via, mas, antes, queria saber se o senhor considera justos os indiciamentos feitos contra o presidente pela CPI da COVID-19.
AN: Não examinei isso em profundidade. Acho que tem que ser examinado pela Procuradoria-Geral da República. Alguns [indiciamentos], provavelmente [são justos], sim. Mas algum exagero também pode haver. Houve uma certa politização no final dessa CPI.
S: E os mais de 120 pedidos de impeachment?
AN: Isso não quer dizer muita coisa, pois posso fazer um [pedido de impeachment] amanhã, você, outro, e virarem 200. Não sei se há ainda ambiente. Temos eleição no ano que vem. Impeachment é sempre algo traumático. Ainda vivemos o trauma do último. Então, eu acho que temos que torcer para chegar à eleição e construirmos uma terceira via equilibrada, com projeto de futuro para o Brasil que nos afaste dos radicalismos, de um lado e de outro.
S: Falando de terceira via, por que apoiar Eduardo Leite em vez de João Doria nas prévias do PSDB para candidatura à presidência? Apenas pelas desavenças que o senhor tem com o governador de São Paulo ou acredita que Leite possa decolar realmente?
AN: As questões pessoais deixo no segundo plano. O que percebo é que alguém que tem no seu próprio estado uma rejeição acima de 60% e uma intenção de voto acima de 3%, que é o caso do governador de São Paulo, nos levará ao isolamento. Tudo que o PSDB não precisa, e a terceira via não precisa, é de várias candidaturas. Vejo o Eduardo [Leite] como alguém com perfil mais adequado para liderar esses outros partidos ao centro e até mesmo para vencer as eleições. Ele tem uma baixa rejeição, uma boa experiência administrativa e capacidade de união e de articulação maior do que o governador de São Paulo.
S: O senhor fica triste de alguma forma por não ter sido lembrado pelo PSDB como pré-candidato à presidência, após ter batido na trave em 2014?
AN: Não. Eu tive a minha oportunidade, me orgulho da campanha que fizemos. O custo para a eleição da presidente Dilma [Rousseff] ainda é muito alto para o Brasil. Tivemos três anos consecutivos de crescimento negativo da economia, uma apropriação do Estado brasileiro por um partido político, literalmente quebraram o Brasil para vencer as eleições. Fica ali um ensinamento. Mas ali foi minha oportunidade. Eu não faço política olhando para trás.
S: Mas o senhor falou de um certo trauma de impeachment, né? Em que medida a não a aceitação ou mesmo a irresignação do PSBD diante da vitória do PT na eleição de 2014 pavimentou o caminho para o impeachment da presidente Dilma Rousseff?
AN: O Lula tem repetido isso, mas é um desserviço à própria História, porque eu, no próprio dia da votação, cumprimentei a presidente eleita e aceitei o resultado da eleição. O que nós questionamos foram outras coisas, as ilegalidades cometidas durante o processo que deveriam ser punidas, como utilização em massa de disparos de WhatsApp, que a lei não permite; empresas públicas, como os correios e telégrafos descaradamente favorecendo uma determinada candidatura; ocupação, como te falei, do Estado, do Banco do Brasil, da Caixa Econômica por agentes do governo tomando medidas em favor de uma candidatura. Essas denúncias, muitas delas, foram investigadas e levadas inclusive à discussão do impeachment. Então, o que fez mal ao Brasil não foi termos questionado os métodos. O que fez mal ao Brasil foi o PT e as armas que eles usaram para vencer as eleições.
S: O senhor acredita que as possíveis candidaturas de Sergio Moro e Deltan Dallagnol confirmam a tese de que havia um projeto político de poder por trás da Lava Jato?
AN: Eu acho que de alguma forma sim. Acho que o erro do [ex-]juiz Moro foi ter aceitado entrar no governo Bolsonaro. Ali, ele de alguma forma maculou sua própria atuação como magistrado. Agora, é um direito de todos entrar na política. Eu não acho nem mau que entrem. Acho que vão aprender a respeitar um pouco mais a política e os políticos participando dela.
S: O senhor se arrepende da fala "Tem que ser um que a gente mata antes dele fazer delação" na conversa com Joesley Batista?
AN: Isso é uma bobagem, uma conversa entre amigos sem a menor relevância, uma piada, uma brincadeira que eu posso fazer com você aqui, se você gravar e der outro tom para ela.
Presidente da JBS, Joesley Batista na CPMI da JBS.
© Foto / Lula Marques/AGPT/ Fotos Públicas