Quase 70% das exportações brasileiras em setembro foram de algum tipo de commodity, com destaque para soja, petróleo e minério de ferro.
Há tempo se fala sobre a necessidade de diversificar a pauta comercial brasileira, contudo, o aumento da participação das commodities nas exportações brasileiras é cada vez maior, expondo a dificuldade em diversificar a pauta.
De acordo com o professor Gilberto Braga, há duas razões para justificar esta dificuldade de o Brasil diversificar sua pauta, sendo a primeira delas o cenário da pandemia, que facilitou o crescimento de alimentos, que são produtos comoditários.
Estes produtos ganham projeção combinada com a desvalorização da moeda brasileira e fortalecimento da moeda estrangeira, ou seja, as questões cambiais tornam os produtos brasileiros mais atraentes devido ao baixo custo.
Além disso, o professor cita a questão estrutural, que é o fato de a economia brasileira ser considerada extremamente fechada e ter muitas barreiras protecionistas, criando uma reserva de mercado, um escudo protetor para que parte dos produtos mais elaborados, como os produtos industrializados, concentrem a sua operação dentro dos limites geográficos do país.
"Quando ele tem que sair para disputar o mercado externo, ele se torna pouco competitivo por questões de custos, chamados brasileiros, que é uma carga tributária extremamente elevada, bem como questões burocráticas, que atrapalham o desenvolvimento negocial regular e rápido, e faz com que se você não tiver um produto extremamente diferenciado [...] dificilmente o brasileiro chega em condições de preços competitivos, ainda que possa ter produtos de boa qualidade", ressaltou.
Ausência de produtos industrializados na pauta de exportações
Ao explicar sobre a possibilidade de a ausência de produtos industrializados na pauta de exportações representar um risco à indústria brasileira, o professor afirma que o interessante é que o país tenha uma indústria competitiva, com inovação e que possa estar acompanhando o desenvolvimento internacional.
"Vários setores brasileiros não são competitivos em termos mundiais, sobrevivendo dentro de uma espécie de um guarda-chuva interno, que lhe garante uma fatia do mercado local. Por outro lado, como o governo estabelece barreiras e tarifas de entrada, o produto estrangeiro não consegue tomar esse mercado", explicou.
Há uma espécie de círculo vicioso em que parte da indústria brasileira se contenta com fatias do mercado interno, onde ela tem poucos competidores agressivos.
"De alguma maneira, o que nós temos são grandes barreiras para que o Brasil se insira dentro de uma pauta mais diversificada com produtos de maior poder agregado e elaborado, que não sejam sobretudo commodities dentro do comércio internacional", observou.
Importância do desenvolvimento industrial para o crescimento do país
Alguns economistas citam a Austrália como exemplo de um país que, apesar de ter uma pauta exportadora essencialmente agrícola, é capaz de manter um alto índice de IDH (índice de desenvolvimento humano).
Falando se o modelo australiano poderia ser seguido pelo Brasil ou se o desenvolvimento industrial segue importante para o crescimento do país, Gilberto Braga diz que estas são duas coisas diferentes.
"As diferenças regionais do Brasil, que é um país quase que continental, trazem para o país problemas que não se verificam na Austrália, que tem uma densidade demográfica completamente diferente. Uma ocupação de sua população, ainda que tenha algumas áreas remotas e nativas, mas com um desenvolvimento mais regular e bem distribuído pelo seu território. Enquanto você vê dentro do Brasil vários Brasis", afirmou.
Sendo assim, o professor destaca que, para se trabalhar as desigualdades brasileiras, é preciso que você tenha setores econômicos tradicionalmente de ponta e que sejam geradores de riqueza.
"Por isso dizem que o Brasil não poderia ser um país essencialmente agrícola, no sentido desse setor ser suficiente para produção de riqueza e eliminação das desigualdades regionais, e fazer uma distribuição de renda", destacou.
O Brasil hoje é um país essencialmente urbano, e não mais rural. A maior parte da população brasileira está nas cidades, portanto, é preciso trabalhar os modelos econômicos que gerem desenvolvimento e ocupação para as áreas urbanas, tradicionalmente a tecnologia, industrialização e serviços.
"Portanto, em comparação com a Austrália, podemos dizer que o modelo australiano é muito bem-sucedido, mas não serve para qualquer país do mundo só porque tem uma boa produção agrícola. Acredito que isso possa ser específico para a Austrália", declarou.
Acordo comercial Mercosul-UE
Recentemente, o Brasil finalizou a negociação do acordo comercial Mercosul-UE, contudo ainda luta pela ratificação. O acordo gera uma nova dúvida em torno das exportações, principalmente sobre se ele vai fortalecer ou arrefecer a tendência de concentração da pauta exportadora brasileira em commodities.
De acordo com o professor, depois de um grande crescimento do multilateralismo em questões de acordos globais, é possível observar que diversos países ricos, como o Reino Unido, têm optado por acordos individuais que, de alguma forma, se sobrepõem às diferenças que não permitem que acordos multilaterais avancem.
"No Mercosul, por exemplo, levamos 30 anos para conseguir fazer um acordo, o que é completamente diferente quando você olha para a União Europeia, que em pouco tempo conseguiu delimitar unificações de moeda, unificações comerciais, ainda que mantendo as identidades culturais, limites geográficos de cada um de seus países-membros, e pôde ampliar rapidamente a quantidade de membros", ressaltou.
Enquanto isso, no Mercosul discutem-se questões políticas, culturais, questões de predominância de um país em relação ao outro, impedindo que questões essencialmente comerciais, que deveriam prevalecer, possam de fato ser priorizadas, que se sobrepõem às questões comerciais.
"É muito difícil fazer uma previsão, porque os países líderes no Mercosul, Brasil e Argentina, eles praticamente competem por liderança em vários setores econômicos, e enquanto não houver convergência é difícil prever avanço. E sempre que você tem governos com tendências políticas que não sejam as mesmas nos dois países líderes, isso certamente traz travas e poucos avanços concretos na questão comercial", explicou.
Dependência da China
Comentando sobre o papel da China, o professor Gilberto Braga afirma que o país asiático é o maior parceiro comercial do Brasil, contudo, não se pode dizer que a China seja a solução e ao mesmo tempo um problema.
"A cada dia, a China vai crescendo a sua economia, e ao crescer a sua encomia ela se torna um parceiro internacional de todos os países mais importantes. E hoje é o maior comprador de produtos exportados brasileiros na maioria dos setores, desde alimentos até produtos como minério e alguns outros segmentos onde o Brasil é um grande exportador", afirmou.
"Essa dependência, ela existe e tende a ser cada vez maior, mas, por outro lado, isso também é uma solução na medida em que impulsiona a economia brasileira. O Brasil tem relações complexas e difíceis com a própria China porque seus regimes políticos não se falam atualmente, e isso cria barreiras culturais e ideológicas, que fazem com que às vezes as questões comerciais sejam afetadas por declarações dos governantes", explicou.
O professor também enfatiza que é importante que o Brasil enxergue a China como um grande parceiro e que amplie essas gerações e que tenha uma diplomacia mais pragmática e menos errática.
Como elevar participação de outros produtos nas exportações brasileiras?
Uma das questões preocupantes é a concentração da pauta exportadora em poucos produtos.
O professor Gilberto Braga falou sobre as medidas que devem ser tomadas para que outros produtos tenham uma participação mais relevante nas exportações brasileiras.
"Primeiro, é importante o Brasil incentivar a pesquisa e o desenvolvimento. Observamos que a perda de cabeças inteligentes brasileiras para o exterior permanece, e vem crescendo. O Brasil não retém os seus talentos, não estimula o desenvolvimento de pesquisas. As universidades cumprem um papel importante, mas aquém do que poderiam desempenhar quando comparado com o funcionamento e a produção das universidades estrangeiras", destacou.
Além disso, o professor ressalta que é preciso o destravamento de questões burocráticas, ter marco jurídico mais confiável, duradouro e seguro para tratar esse desenvolvimento. Também é preciso ter uma reforma tributária que desonere a cadeia produtiva, bem como incentivos, aumentando a participação do fomento financeiro ao desenvolvimento industrial e tecnológico.
"O Brasil é conhecido por ter grande capacidade criativa de desenvolvimento, mas com projetos que não vão adiante, e que normalmente não passam do papel", ressaltou.
Para concluir, o professor também ressalta que o possível uso do PIX em transações internacionais, a partir de 2022, pode favorecer, com mais medidas de desoneração, para que pequenos negócios e novos empreendimentos possam acessar o mercado internacional.
"O Brasil tem muita criatividade e barreiras para que o pequeno e médio negócio acesse o mercado estrangeiro por falta de apoio e de oportunidades para fazer estas transações. E uma delas é a questão cambial, e talvez com o PIX internacional isso possa ser destravado, na medida em que você faz operações espontâneas", concluiu.