A proibição chinesa representou uma saída de mais de dois milhões de máquinas de pelo menos 14 das maiores mineradoras de cripto do mundo, segundo dados coletados pelo Financial Times (FT). EUA, Canadá, Cazaquistão e Rússia foram os destinos da maior parte do maquinário, transferido às pressas do território chinês.
A Bit Digital, uma das maiores empresas do ramo listada nos EUA, contratou uma empresa de logística internacional para extrair sua propriedade da China e ainda espera um lote de quase 1.000 máquinas ser liberado das docas do porto de Nova York.
"Começamos a migração de nossa frota em março de 2020, o que em retrospecto foi uma grande mudança. Quando a proibição foi anunciada, tínhamos 20.000 mineiros na China", disse o diretor de estratégia da Bit Digital, Sam Tabar.
Segundo números da FT, oito das dez maiores mega fazendas públicas baseadas nos EUA expandiram o número de máquinas em suas frotas desde a proibição da China.
Mas a proibição chinesa não afetou apenas quem está na ponta do negócio minerando criptomoedas. As fabricantes de maquinário para a mineração tiveram uma queda de preços brusca graças à "liquidação frenética". Um Antminer S19, modelo popular entre mineiros industriais, apresentou queda de 41,7% de maio a julho, segundo análise da mineradora Luxor.
A Marathon Digital Holdings, empresa de mineração com sede em Las Vegas, comprou da fabricante chinesa de máquinas de mineração criptográfica Bitmain (criadora do S19) 30.000 máquinas em agosto; enquanto a Terawulf de Maryland comprou outros 30.000. A Bitmain anunciou em junho que estava suspendendo as vendas de suas máquinas para "ajudar na transição da indústria sem problemas" e reduzir a "grande pressão" no mercado.
A Bit Cluster, com sede em Moscou, foi outra beneficiária da proibição chinesa. A empresa recebeu mais de 5.000 máquinas enquanto a BitRiver russa afirma hospedar, desde a proibição, 1,8 milhão de máquinas de mineradores chineses exilados.
O porta-voz da BitRiver, Roman Zabuga, disse que semanas antes da proibição a empresa teve de recusar um acordo com um cliente chinês que pretendia descarregar mais de um milhão de máquinas. "O foco do mercado mudou da falta de equipamento para a falta de espaço para sua colocação", disse Zabuga.
'Grande oportunidade' para Venezuela
O analista de pesquisa da Arcane Crypto, Jaran Mellerud, afirmou que pouco menos de 700.000 máquinas chinesas não foram religadas após a proibição e provavelmente estarão armazenadas. Segundo ele, muitas dessas máquinas são de gerações mais antigas, como o Antminer S9, logo, é menos econômico enviá-las para locais como os Estados Unidos, por exemplo.
A picture taken on February 6, 2018 shows a visual representation of the digital crypto-currency Bitcoin, at the "Bitcoin Change" shop in the Israeli city of Tel Aviv
© AFP 2023 / JACK GUEZ
Isso fez com que máquinas de geração mais antiga fossem espalhadas por locais de mineração menos estabelecidos, como Venezuela ou Paraguai, onde há menos estabilidade regulatória, mas preços de eletricidade baratos.
Em Caracas, o cofundador da Doctor Miner, Juan José Pinto, disse que a proibição chinesa "é uma grande oportunidade".
"Fomos contatados por três diferentes mineradores chineses até agora para hospedar cerca de 7.000 máquinas", disse ele. "Se tivéssemos os recursos, poderíamos hospedar muito mais."
A empresa de Pinto paga cerca de US$ 0,01 por kWh de eletricidade (aproximadamente R$ 0,06), o que significa que pode usar máquinas mais antigas e com maior consumo de energia, como o Antminer S9. Frágeis e mais sujeitas a falhas, essas máquinas não significaram empecilho para Pinto e sua equipe que encontraram maneiras criativas de mantê-las em operação.
"Temos o que chamamos de 'cemitério', onde colocamos os mineiros que não estão trabalhando, mas temos partes que estão", disse Pinto. "Se eu tiver uma máquina com quatro peças quebradas e outra máquina com seis peças quebradas, eu as uno e com sorte consigo construir um bom minerador."
A Digital Assets, empresa com sede em Assunção, que enfrenta a concorrência de alguns paraguaios locais que começaram a comprar máquinas e minerar de forma independente, está se preparando para hospedar 15.500 mineiros nos próximos meses.
Devido ao momento econômico delicado da Venezuela, a mineração de criptomoedas é uma forma que os locais encontraram para aumentar seus ganhos.
"As pessoas minam em suas casas com apenas uma máquina", disse Pinto.
"Em outros países, tem uns caras grandes com fazendas, aqui tem milhares de pessoas com fazendas pequenas. Ganhar US$ 100 [aproximadamente R$ 600] a mais por mês faz uma grande diferença para eles."