Durante muito tempo, a China não esteve na mira de organizações terroristas, uma vez que o foco dos ataques era direcionado aos EUA e seus aliados.
Agora, é inegável que Pequim está sendo um dos alvos, especialmente à medida que sua "presença" no Afeganistão aumenta.
Por um bom período, o governo chinês evitou o envolvimento formal em Cabul, e embora continue a fazer isso até certo ponto, atualmente, tem sido um dos países mais dispostos a se envolver diretamente com o Talibã (organização sob sanções da ONU por atividade terrorista).
O Estado Islâmico-Khorasan (EI-K) (organização terrorista proibida na Rússia e em vários outros países), que promoveu atentado terrorista no começo de outubro no Afeganistão e atrelou o motivo à China, vê claramente a reverência do Talibã a Pequim como um ponto fraco a ser capitalizado.
A Sputnik Brasil entrevistou Marcus Vinicius De Freitas, professor visitante da Universidade de Relações Exteriores da China e parceiro sênior do Policy Center for the New South em Rabat, Marrocos, para saber qual o nível de ameaça terrorista que a China enfrenta neste momento e se uma agenda de combate ao terrorismo junto aos EUA é possível de ser executada.
O conselheiro de Estado chinês e ministro das Relações Exteriores, Wang Yi, encontra-se com o mulá Abdul Ghani Baradar, chefe político do Talibã no Afeganistão, em Tianjin, China, em 28 de julho de 2021
© REUTERS / XINHUA
Alguns anos atrás a China passou por atentados terroristas e esses atentados acenderam a luz vermelha para o governo demonstrando que esse tipo de ameaça não estava tão distante de seu território, sendo assim, o país começou a tomar algumas medidas.
Recentemente, um exemplo de que Pequim está entrando na mira dos radicais, foi o atentado no dia 8 de outubro, em Kunduz no Afeganistão, onde um homem-bomba do Estado Islâmico-Khorasan matou quase 50 pessoas em uma mesquita.
Afegãos rezam sobre os caixões de vítimas da explosão detonada por um homem-bomba no dia anterior em uma mesquita na província de Kunduz, Afeganistão, 9 de outubro de 2021
© REUTERS / Stringer
O grupo, que assumiu o atentado, decidiu vincular o massacre à China, uma vez que o homem-bomba era uigur e o ataque tinha como objetivo punir o Talibã por sua estreita cooperação com a China que mantém políticas especiais para os uigures em Xinjang.
A ação foi preocupante para Pequim que começou a tomar algumas atitudes, e uma delas, segundo Freitas, acontece de forma indireta na sua relação com o Talibã.
O governo chinês disse que não interviria no Afeganistão de forma bélica, no entanto, prometeu construir infraestrutura no país tendo como contrapartida a promessa de que o grupo lutaria contra o Estado Islâmico-Khorasan.
"A China fez esse movimento justamente por entender que existem redes de contato entre esses grupos. [Esse acontecimento em Kunduz] é claramente uma resposta do Estado Islâmico-Khorasan à iniciativa chinesa de querer fortalecer o Talibã para combater essa ameaça."
Ao mesmo tempo, o professor ressalta o grande volume de armas que os EUA deixaram na saída do Afeganistão, explicando que "[os EUA] sabem que essas armas não serão utilizadas para lutar contra eles, o problema será regional".
China como novo alvo
A partir do momento que o governo chinês declarou apoio ao Talibã, o país já se torna alvo de ataques terroristas, especialmente por parte do Estado Islâmico-Khorasan.
Entretanto, esses ataques não são tão passíveis de acontecer em solo chinês, uma vez que a China tem em seu território "um controle muito maior sobre a atuação desses grupos", além de utilizar amplamente "tecnologia de inteligência artificial, a qual o Ocidente não possuí".
Islamismo na China
O homem-bomba que efetuou o ataque no início de outubro era uigur, e o fato expõe uma das questões mais delicadas no país que é a região de Xinjiang, onde a China investe em uma escola para mulçumanos uigures, mas que muitos países observam como uma instituição que não respeita os direitos humanos.
No entanto, não seria provável sair dali um movimento separatista ou um berçário de grupos terroristas, pois segundo Freitas, "a própria população entenderia que qualquer mudança nesse sentido seria prejudicial para a região, uma vez que a China investe pesadamente em Xinjiang".
Multidão na Praça de Aitigar, na província de Xinjiang
© AP Photo / Robert F. Bukaty
Simultaneamente, a presença da comunidade islâmica na China é uma realidade em todas as partes, e o território abarca "uma série de minorias, cerca de 55 grupos" com os quais, de tempos em tempos, o presidente Xi Jinping convoca para conversar no intuito de inserir esses grupos no processo do desenvolvimento econômico chinês.
"O que a China não quer é problemas ao longo do percurso, porque se começa a ter um ataque terrorista aqui e ali é complicado. Primeiro que o gasto para monitorar essa situação seria enorme [...] e segundo, se começa a proliferar, surge a percepção de que o governo está perdendo o controle da situação."
Agenda de combate ao terrorismo pode ser um interesse comum entre EUA e China?
Um combate conjunto pode acontecer, mas ao mesmo tempo, há uma barreira pelo fato de que os EUA lutam contra a questão do fundamentalismo islâmico, mas também defendem a liberdade religiosa.
Já do lado da China, essa barreira não existe a partir do momento que o Estado chinês é laico e "não tem nada a ver com o cristianismo ou judaísmo". Portanto, o interesse dos dois países pode converger, mas os métodos aplicados seriam diferentes, pois são nações que vêm de perspectivas distintas.
"Para o chinês colocar uma pessoa em uma sala de aula e começar a falar não tem problema, mas para os norte-americanos e o Ocidente a coisa não funciona assim", e isso pode causar divergências nas táticas introduzidas para combater o terrorismo de forma conjunta, segundo Freitas.
Todavia, o especialista pondera que a política chinesa tem tocado em um ponto que o Ocidente tem esquecido: como recuperar um fundamentalista? Como fazer um processo de reinserção de um radical na sociedade?
Forças talibãs patrulham uma pista um dia após a retirada das tropas dos EUA do Aeroporto Internacional Hamid Karzai em Cabul, Afeganistão, 31 de agosto de 2021
© REUTERS / Mídia Associada
Em uma situação hipotética, uma vez que os EUA entrem em uma mesquita e descubram que no local há 50 radicais, por exemplo, o procedimento é, de acordo com o especialista, "levar para Guantánamo, torturar, e perguntar onde está o restante do grupo".
Na visão chinesa, o fundamentalista está precisando de uma espécie de recuperação, principalmente pelo fato do Estado chinês ser laico, então "os radicais seriam levados para uma escola e escutariam que tudo o que eles acreditam [Deus] não é real, no entanto, as metodologias aplicadas não são das mais simpáticas".