OTAN, armas nucleares, Nord Stream 2: como seriam as táticas e desafios do novo governo da Alemanha?
18:01, 25 de novembro 2021
Em breve, a Alemanha se despede de quase duas décadas da era Merkel e dá lugar a uma coalizão entre diferentes partidos para administrar o país. A Sputnik Brasil entrevistou analista para saber como será a nova gestão e quais desafios o país germânico pode enfrentar.
SputnikApós 16 anos, a chanceler, Angela Merkel,
está deixando o poder. Com legado memorável, Merkel passa o bastão do comando da Alemanha para Olaf Scholz, do Partido Social-Democrata.
No entanto, na dinâmica da geopolítica, nova chefia pode ser traduzido como novas diretrizes, e sendo a nação germânica uma das mais importantes da OTAN, surge entre seus aliados a dúvida sobre como Berlim direcionará sua política de armas nucleares.
De
acordo com o The Economist, o "P3" da Aliança Atlântica –
que inclui EUA, Reino Unido e França – está preocupado com dois pontos referentes ao assunto: se a Alemanha pode abrandar o seu envolvimento nos acordos de "partilha nuclear" da OTAN e se o próximo governo vai flertar com o Tratado sobre a Proibição de Armas Nucleares (TPNW, na sigla em inglês).
19 de novembro 2021, 09:02
Neste momento, vários novos elementos estão em jogo, incluindo as fissuras no regime internacional de controle de armas, a crescente imprevisibilidade da Rússia e a ascensão ao governo do Partido Verde, que mantém forte tendência pacifista.
Ainda segundo a mídia, o P3, individualmente e em conjunto, já pressionou o governo alemão e a nova coalizão sobre ambas as questões.
A Sputnik Brasil entrevistou Maria Khorolskaya, pós-doutoranda em ciências políticas e pesquisadora do Instituto de Economia Mundial e Relações Internacionais da Academia de Ciências da Rússia (IMEMO-RAN, na sigla em russo) para saber como será a nova gestão alemã e se as políticas em relação à OTAN e ao gasoduto Nord Stream 2 (Corrente do Norte 2, na tradução) podem mudar.
Khorolskaya afirma que na área da segurança, o novo governo terá de enfrentar desafios internos e externos, os quais estão ligados entre si, e elucida que a primeira adversidade para a segurança interna será o problema dos migrantes.
"A Alemanha tem uma atitude positiva à recepção de migrantes por sua história, e ao mesmo tempo, precisa de mão de obra. De acordo com dados do presidente da Agência Federal do Trabalho, anualmente, o país necessita de cerca de 400 mil novos trabalhadores", conta Khorolskaya.
A questão se torna complexa uma vez que "o problema migratório não está regulamentado juridicamente o suficiente, nem a nível europeu nem a nível interno alemão", o que faz com que o assunto se transforme em "um desafio de segurança".
O segundo desafio interno, de acordo com a pesquisadora, "é o terrorismo, tanto de direita quanto islâmico", uma ameaça que se mostra presente e sobre a qual "o Gabinete Federal para a Proteção da Constituição alemão está atento em monitorar".
Já em relação às adversidades na área da segurança externa, Khorolskaya diz que "a crise ucraniana e o cenário em Belarus, particularmente a
situação na fronteira belarusso-polonesa" assim como "a desestabilização nos países do Oriente Médio e da Ásia Central, como o Afeganistão", são preocupações, pelo fato de que ambos os contextos podem convergir para questão migratória anteriormente citada.
17 de novembro 2021, 11:48
Se o país pode
procurar ajuda da OTAN para resolver tais desafios, Khorolskaya considera que não, pois "é provável que a Alemanha prefira resolvê-los no nível da União Europeia [UE], com exceção da situação no Oriente Médio e na Ásia Central se houver problemas graves".
Nova coalizão de governo
A nova coalizão que vai governar a Alemanha na era pós-Merkel contará com um núcleo diversificado, incluindo sociais-democratas, democratas livres e o Partido Verde. Se a variedade na liderança pode mudar a participação do país na OTAN, a pesquisadora considera que não.
"Sobre isso falam apenas as forças dos partidos mais radicais, digamos assim. Quanto aos partidos de centro, centro-direita e centro-esquerda, inclusive os que compõem a coalizão, eles estão em consenso em relação à política externa. Portanto, quanto a participação da Alemanha na OTAN basicamente não mudará nada."
Para a especialista, o país germânico continuará a buscar "o que sempre buscou, o equilíbrio", além de "acentuar que o fortalecimento da defesa europeia serve para o fortalecimento das forças unidas da OTAN".
Em relação à França, especificamente, "
está em andamento o desenvolvimento do avião de combate SCAF e do sistema principal de combate terrestre. Tudo isso se continuará no novo governo".
Política antinuclear em andamento?
De acordo com a revista The Economist, Washington estaria preocupado com uma postura mais branda do novo governo sobre a questão nuclear, a qual poderia levar a Alemanha a repensar o
estacionamento de 20 bombas nucleares norte-americanas em seu território.
Contudo, Khorolskaya acredita que Berlim "não revisará a presença de armas nucleares em seu território" visto que "valoriza os laços transatlânticos" e interpreta que é "importante ter a presença dessas bombas em seu território pois permite ao país participar do programa nucelar da Aliança Atlântica".
"Sabemos que a Alemanha não pode possuir suas próprias armas nucleares devido aos eventos históricos. Mas, tendo bombas no seu território, ela participa do programa nuclear da organização, e isso garante o direito de voto no planejamento ou na organização de operações da OTAN com o uso de armas nucleares", elucida a pesquisadora.
Khorolskaya também salienta um terceiro ponto o qual faria o país ficar com as bombas, que é o fato da nação germânica ter fechado recentes acordos para compra de caças específicos que podem transportar cargas nucleares,
como Eurofighter modernizados e os norte-americanos F-18.
"Para Rússia isso é bom porque outros países não tão contidos e sem o trauma histórico alemão, no bom sentido, também estariam dispostos a instalar bombas nucleares norte-americanas em seu território, por exemplo, países da Europa Central e Oriental. O que seria muito menos vantajoso para Moscou. É melhor que isso [a carga nuclear] esteja no território de um país tão sensato como a Alemanha."
A pesquisadora também sublinha que acha difícil o país aderir ao Tratado de Proibição de Armas Nucleares, uma vez que "todos os países da OTAN boicotaram esse tratado".
Relação Rússia-Alemanha com novo governo
Sobre a conexão Moscou-Berlim com a chegada do novo governo alemão, a especialista crê que não haverá mudanças cruciais, pois "todos os partidos de centro-direita e centro-esquerda, em relação à Rússia, têm visões mais ou menos próximas".
"O que gerou algumas preocupações é o fato de que, possivelmente, o posto de chefe das Relações Exteriores será ocupado por Annalena Baerbock do Partido Verde, e esse partido é um interlocutor bem complicado. Mesmo assim, precisamos entender que esse é um governo de coalizão, então, os Verdes terão que suavizar sua posição e de alguma forma sintonizar sua posição com a dos sociais-democratas, que historicamente têm laços com a Rússia", afirmou Khorolskaya.
Entretanto, "falta um
pouco mais de poder brando [soft power] por parte da Rússia na Alemanha", a partir do momento que "o interesse russo na geração jovem alemã e nos jovens políticos alemães está diminuindo", além do fato da nação germânica não tecer laços de simpatia constantes com Moscou.
Nord Stream 2
Com a entrada de uma nova gestão, outro tópico importante a ser analisado é se Alemanha poderá mudar sua posição em relação ao gasoduto Nord Stream 2.
Khorolskaya não acha que Berlim "
vá mudar significativamente sua posição" sobre o gasoduto, no entanto, compreende que a não citação do Nord Stream 2 no novo acordo da coalizão pode gerar apreensão.
Porém, isso pode ter acontecido em um primeiro momento visto que "está ligado à posição do Partido Verde, que não quer se desacreditar, já que sabemos, pelo seu posicionamento é o de que o gasoduto deveria ser fechado", explicou a pesquisadora.
Além desse fato, a analista ressalta que Berlim está esperando para ver como ficará "a questão da correspondência entre o Nord Stream 2 e o Terceiro Pacote Energético", ao mesmo tempo que "busca garantias
sobre o trânsito do gás através da Ucrânia".
"[As garantias] elas existem por um certo prazo, como todos nós sabemos, mas a Alemanha não quer se prender à questão do gasoduto nesse acordo de coalizão, para o caso de a situação do trânsito do gás seguir por um caminho diferente", explica.
Entretanto, Khorolskaya vê com otimismo o assunto uma vez que "no final, o gasoduto foi construído, está aí", e simultaneamente "a nação germânica está apostando no gás natural neste período de transição energética, e isso nos dá um otimismo moderado de que a situação não vai mudar de maneira crucial para pior, novamente, se não acontecer nenhuma crise", conclui.