Considerada um marco civilizatório para a humanidade, a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi oficializada no dia 10 de dezembro de 1950. A data passou a ser celebrada desde então como o Dia Internacional dos Direitos Humanos.
O tema segue em alta no Brasil, porém não por conquistas no campo, mas principalmente devido às constantes polêmicas envolvendo o governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) e a crescente presença dos direitos humanos em discussões políticas no país.
Para Flávio de Leão Bastos, professor de Direitos Humanos e Direito Constitucional da Universidade Presbiteriana Mackenzie, a pauta dos direitos humanos foi politizada no Brasil a ponto de gerar graves distorções. Um exemplo claro disso, afirma Bastos, está na abordagem sobre segurança pública.
"Uma das pautas mais sensíveis para o cidadão brasileiro é exatamente a segurança pública. Então, associou-se a garantia do devido processo legal, da ampla defesa, do Estado de direito, que são direitos humanos fundamentais, a uma proposição de esquerda. Equivocadamente esse discurso foi vendido - talvez intencionalmente – e, para parte da população, defender os direitos humanos passou a significar defender criminosos", lamenta o pesquisador em entrevista à Sputnik Brasil, acrescentando que essa percepção politizada legitima a violência de Estado e limita a percepção dos cidadãos sobre seus próprios direitos.
Apoiadores de Jair Bolsonaro comemoram vitória nas eleições em frente ao condomínio dele na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, com homenagem ao coronel Brilhante Ustra, torturador na ditadura militar
© ©Avener Prado/Folhapress
Bastos acredita que essa abordagem, no atual momento de polarização política, vem sendo explorada de forma associada ao recente passado ditatorial do país, um "passado que o Brasil não enfrenta".
Figuras importantes da política nacional mantêm um discurso nesse sentido. É o caso do próprio presidente Bolsonaro, que defende abertamente a memória e as ações de notórios torturadores da Ditadura Militar e também do ministro da Defesa, o general Walter Braga Netto, que já chegou a negar que houve ditadura no Brasil.
"Quando o passado é esquecido ou negado ele volta a se apresentar. Então, se defende hoje torturadores, se defende ditadura. Onde não há democracia, não há direitos humanos. Onde não há direitos humanos, não há democracia", aponta o pesquisador do Mackenzie.
O momento de polarização política no país também tem gerado mobilização na defesa dos direitos humanos. Neste mês, a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados aprovou o PL 153/2020, que prevê que as decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos e as recomendações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) tenham efeitos jurídicos imediatos e força jurídica obrigatória e vinculante para o Brasil.
Os dois organismos integram a estrutura da Organização dos Estados Americanos (OEA), da qual o Brasil faz parte. O país já recebeu condenação em nove casos julgados pela corte e há dezenas de denúncias sendo apreciadas contra o Brasil no órgão.
"Isso já deveria ser aplicável. Entretanto, o Brasil, salvo engano meu, é o país que menos respeita as decisões do sistema interamericano - salvo algumas exceções - e, portanto, essa deliberação vem em um bom momento e não deixa de ser um resultado paradoxal desse momento que vivemos. É um momento de grande autoritarismo, de desrespeito à Constituição, o que gera também uma mobilização, uma maior conscientização, pedagogicamente falando, da população", afirma.
Apesar de elogiar a medida, Bastos se diz pessimista quanto à tramitação do projeto no Congresso Nacional, pois sua composição "não representa as minorias de forma equilibrada".
Eleições presidenciais evidenciarão violações dos direitos humanos
O tema dos direitos humanos deve continuar em alta durante as eleições de 2022, afirma Bastos, uma vez que houve flagrantes violações desses mesmos direitos durante o governo Bolsonaro. Atualmente pairam acusações graves sobre o Planalto, como as denúncias feitas pela CPI da Covid, que identificaram responsabilidade direta do governo federal na disseminação da COVID-19 no Brasil.
"Sob o atual governo, e eu estou falando aqui como um pesquisador constatando dados, as minorias vêm sendo gravemente violadas em seus direitos. A pauta autoritária, que norteia este governo, vem esmagando os direitos humanos. A violência policial parece estar fora de controle", avalia o pesquisador.
Em setembro, a situação das populações indígenas no Brasil foi alvo de críticas por parte de Michele Bachelet, alta comissária de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, que afirmou que são preocupantes as tentativas de legalizar a entrada de empresas em territórios indígenas e também condenou ataques de garimpeiros aos povos tradicionais no Brasil.
Mulheres indígenas participam de manifestação contra o presidente Jair Bolsonaro, 19 de junho de 2021
© AFP 2023 / Sergio Lima
Bastos afirma ainda que acredita que o Brasil vive um genocídio indígena estimulado pelo governo e identifica que houve crescimento da violência contra as mulheres, contra a população LGBTQIA+, violações da liberdade de expressão, estímulo ao desmatamento da Amazônia e o desvio de função de instituições como a Funai e a Fundação Palmares, que têm perseguido símbolos da luta contra o racismo no Brasil.
"Ao contrário do que se diz, democracia não é a prevalência da opinião da maioria. Democracia é o respeito à opinião da maioria no pleito, nas eleições, mas também sem abrir mão do direito das minorias, que devem ser representadas e ter seus direitos garantidos", defende Bastos, que denuncia o desmonte de estruturas normativas e administrativas que tinham por função constitucional a defesa dos direitos humanos no Brasil.
Para o pesquisador do Mackenzie, as eleições de 2022 podem simbolizar um retorno do país à esfera democrática e avalia que, hoje, a ofensa à democracia no Brasil é verificável "por meio da utilização de instrumentos burocráticos e normativos que pouco a pouco vão causando a erosão do regime democrático" brasileiro.