Ciência e sociedade

Série de tornados que abalaram os EUA já é efeito das mudanças climáticas? Meteorologista explica

Mais de 80 pessoas mortas, cerca de 109 desaparecidas e cidades destruídas são resultado de uma sequência de tornados que atingiram os EUA. A Sputnik Brasil entrevistou especialista para saber se esses eventos fora de época já são um dos efeitos das mudanças climáticas.
Sputnik
No sábado (11), uma série de tornados arrebatou os Estados Unidos, onde cinco estados reportaram danos causados pelos ventos extremos.
Até agora, 88 pessoas morreram e aos menos 109 estão desaparecidas, segundo o G1.
Os estados do Tennessee, Illinois, Missouri e Arkansas foram afetados, mas o que mais observou estragos foi o estado do Kentucky, com o presidente Joe Biden declarando a região como "área de maior catástrofe", e assim, permitiu o direcionamento de ajuda federal adicional para os esforços de recuperação.
Além das mortes, pessoas desaparecidas e vidas detonadas com famílias perdendo tudo, mais de 100.000 norte-americanos enfrentam quedas de energia após a passagem dos tornados.
Devin Carlton consola sua noiva, Asiah Alubahi, do lado de fora de seu antigo apartamento destruído por um tornado em Maysville, Kentucky, EUA, 13 de dezembro de 2021
Mais de 26.000 pessoas sofreram interrupções de energia no estado do Kentucky, e no estado de Nova York, 28.000 residências relataram não ter eletricidade.
Simultaneamente, cerca de 62.000 residentes comunicaram problemas com o fornecimento de eletricidade nos estados de Michigan e Ohio, conforme noticiado.
A Sputnik Brasil entrevistou Wanderson Luiz Silva, meteorologista, mestre em Meteorologia e doutor em Engenharia Civil para entender o porquê de os fenômenos atmosféricos ocorrerem em uma época do ano tão incomum para sua formação e se seriam tais eventos efeitos da mudança climática.
Uma bandeira dos EUA está amarrada a uma árvore caída em frente a uma residência destruída após um tornado em Mayfield, Kentucky, EUA, 14 de dezembro de 2021

Silva explica que um tornado ganha forma quando uma nuvem identificada como cúmulos-nimbos começa a se estruturar. Cúmulos-nimbos é uma nuvem de tempestade, a qual, posteriormente, atinge a definição de supercélula, que é uma condição de tempo severo.

"Há uma massa de ar quente e úmida na superfície e uma massa de ar um pouco mais fria e seca em altos níveis. Com isso, a massa quente e úmida da superfície é obrigada a subir causando o cisalhamento do vento, que gera o famoso movimento rotatório do tornado. Quando o funil sai da base da nuvem e atinge o solo, temos, de fato, a formação de um tornado", elucida o meteorologista.

Sobre os tornados devastadores que atingiram os EUA na semana passada, Silva afirma que os mesmos foram "de intensidade bastante acentuada" e que essa intensidade expressiva acontece quando não há apenas uma, mas várias nuvens cúmulos-nimbos existindo ao mesmo tempo.
"Essa é uma condição de tempestade multicelular, ou seja, enquanto diversas nuvens cúmulos-nimbos vão seguindo seu caminho na tempestade, elas vão encontrando mais calor e mais umidade. Esse calor e umidade ajudam a retroalimentar outras nuvens e faz com que a duração daquele tornado seja maior."
Formações de nuvens cúmulos-nimbos se acumulam no céu sobre a Harbour Bridge durante um clima tempestuoso em Sydney em 14 de outubro de 2021
Silva destaca o calor e a umidade como ingredientes essenciais para formação de um tornado, entretanto, neste período do ano, os EUA estão quase entrando na estação do inverno. Desse modo, ter temperaturas elevadas na região onde ocorreram os tornados é um fenômeno estranho.
"Realmente esse mês de dezembro está com temperaturas acima da média quando comparadas a outros anos. [...] A vinda de bastante calor e umidade proveniente, especialmente, do golfo do México em direção ao centro dos EUA, encontrando uma massa de ar mais fria oriunda do Canadá pode ter causado um choque que favoreceu a formação dos tornados."
Centro de Mayfield, Kentucky, antes e depois do tornado.
O ocorrido é, de fato, incomum, já que a maior propensão para esses eventos acontecerem se dá entre "a primavera e o verão", portanto, "é bastante atípico esses tornados tomarem forma não só pela época, mas também pela intensidade atingida".
"Vale destacar que as condições para ocorrência de tornados ainda são consideradas um pouco raras de acontecer, porque temos tempestade ocorrendo em qualquer parte do planeta, mas para formação do tornado em si precisamos de muitos outros ingredientes juntos, ou seja, uma condição de severidade bastante acentuada para elaborar sua formação."
Uma voluntária deposita mercadorias doadas na cafeteria de Dawson Springs Jr que está sendo usada como depósito de suprimentos para a cidade, depois que tornados atingiram vários estados dos EUA, Kentucky, 14 de dezembro de 2021

Tornados na América do Sul

Segundo Silva, o local mais favorável para formação de tornados na América Latina, é a região Sul do Brasil, parte do norte da Argentina, Paraguai e Uruguai. Nessas regiões, ocorrem "grandes choques de massa de ar", além de outras condições que contribuem para o evento atmosférico citadas pelo especialista.

"[...] Por exemplo, os jatos de baixos níveis, que é um jato que carrega umidade lá da Amazônia em direção a essa porção central da América do Sul. Tem também o próprio oceano Atlântico, que pode ajudar com aporte de umidade", diz o meteorologista.

Se todos os mecanismos acima mencionados – caracterizados como "mecanismos termodinâmicos da atmosfera" – se juntarem e forem favoráveis, Silva confirma que a incidência de tornados na região Sul do Brasil pode se tornar realidade com mais frequência.
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Seria o evento consequência de mudanças climáticas?

O especialista diz que é difícil dizer se os tornados registrados nos EUA já são consequências de mudanças climáticas, uma vez que essas mudanças requerem "alterações nos padrões do clima a longo prazo".
"Para podermos observar tal evento como resultado das mudanças climáticas, é preciso acontecer várias ocorrências desses tornados ao longo de uma série de muitos anos, pelo menos 20, 30 anos como esses deste episódio para termos certeza."
Céu nublado sobre o lago Pontchartrain, em Lakeshore Drive, com inundações relatadas em Nova Orleans, antes da tempestade tropical Barry atingir a costa (foto de arquivo)
A análise para identificar se os fenômenos atmosféricos já são, de fato, efeitos do clima, incluiria a frequência com que eles ocorrem, em que época do ano acontecem e se estão se desenvolvendo com mais intensidade.
"Com um único evento, não podemos associar à mudança do clima em si, mas sim se analisarmos uma longa série de dados", conclui o meteorologista.
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