Como ausência de embaixadores americanos afeta política externa dos EUA? Entenda

Após quase um ano de administração Biden, o Senado americano ainda segura nomeações de embaixadores indicados pelo presidente. A Sputnik explica quais consequências isso implica para a agenda externa de Washington.
Sputnik
Nesta terça-feira, 14 de dezembro, o secretário de Estado americano, Antony Blinken, fez um apelo ao Senado para acelerar as confirmações dos nomeados pelo presidente Joe Biden para o cargo de embaixadores dos EUA. Atualmente, cerca de metade dos 186 postos de embaixadores americanos estão vagos. De acordo com Blinken, somente 16% das nomeações de Biden foram apreciadas pelo Senado.
Os candidatos indicados pelo presidente americano não podem se tornar embaixadores até que sejam confirmados pelo Senado. "Pelo bem da nossa segurança nacional, o Senado deve agir", disse o secretário durante coletiva de imprensa em Jacarta, Indonésia, durante sua visita ao Sudeste Asiático, citado pela Reuters.
Quais as consequências que essa ausência de embaixadores pode ter para a condução da política externa norte-americana? Como pode ser avaliado o desempenho do secretário de Estado Antony Blinken neste primeiro ano de governo Biden? Para receber respostas a essas questões, entre outras, e entender melhor a ligação entre a agenda doméstica e externa dos EUA, a Sputnik Brasil entrevistou Denilde Holzhacker, professora de Relações Internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing de São Paulo (ESPM-SP).

Departamento de Estado sob liderança de Blinken

O atual secretário de Estado norte-americano tem enfrentado várias críticas, mas, conforme aponta Denilde Holzhacker, é preciso entender que ele assume um departamento muito desestruturado, em vista do fato que, no final do governo Trump, vários embaixadores tinham se aposentado. Em seu discurso de posse, Antony Blinken disse que um de seus objetivos era restaurar o prestígio do Departamento de Estado.
"Então, a montagem de equipe era um ponto de atenção para o governo", enfatiza a professora, e a nova administração conseguiu trazer pessoas experientes que já tinham atuado no governo Obama e outros governos democratas, "na expectativa de que o departamento consiga se reerguer". Além disso, Blinken tem o apoio muito forte do próprio Biden, na opinião da especialista, sendo um fator que facilita a permanência dele.
De fato, há uma série de limitações sobre a forma de que a política externa vem sendo feita. E outro fator relevante nesse contexto, na avaliação de Denilde Holzhacker, é que a Comissão das Relações Exteriores no Congresso americano tem tido uma lentidão para fazer essas indicações de embaixadores.
Isso cria um certo "vácuo de atuação" no país para que a agenda externa seja implementada. "Isso é um indicador, de um lado, de dificuldades do governo em conseguir apoio interno para as agendas que ele tem e, de outro lado, da dificuldade de implementação da política", acredita a especialista. E esse problema, que existe já há algum tempo, pode se tornar ainda "mais crônico, na medida que você precisa de uma aceleração de alguns processos e cada vez mais dessa necessidade de um acompanhamento mais direto de agendas" importantes para os Estados Unidos.

Agenda doméstica vs. política externa

O ano de 2021 começou com grande expectativa de que a diplomacia de Joe Biden traria novo impulso à diplomacia multilateral. No entanto, o momento da posse de Biden foi agravado pela severa crise de saúde pública nos EUA. Assim, o foco doméstico foi muito forte, principalmente nos primeiros 100 dias de governo, esclarece a analista.
Ela nomeia três grandes desafios que enfrentou o sucessor de Donald Trump no início de seu governo. O primeiro é o objetivo de normalizar as relações em termos de todos os conflitos gerados pelo governo anterior e criar um ambiente de diálogo com os republicanos, tanto no Senado quanto na Câmara dos Representantes.
Presidente americano. Joe Biden, durante celebração de férias para o Comitê Nacional Democrata em Washington, 14 de dezembro de 2021
O segundo é o objetivo econômico, uma renovação do desenvolvimento econômico nos Estados Unidos, principalmente ligado à discussão das mudanças climáticas, da questão da infraestrutura e sobretudo dos efeitos da desaceleração da economia. E a terceira grande agenda doméstica era a questão da COVID-19, tanto que Biden propõe um plano ambicioso de vacinação e de melhoras nos indicadores nos seus primeiros 100 dias no governo.
Quanto à agenda internacional, o primeiro movimento de Biden foi um discurso forte de renovação, como se os anos Trump seriam o passado e que esta seria uma nova política externa.
"E os resultados neste momento são ainda questionáveis. Toda a agenda ambiciosa de primeiro ano de governo é sempre a mais complexa", avalia a professora.
Apesar da pandemia, Biden se aventurou em viagens internacionais em 2021. A mais relevante foi a sua visita à Europa, onde se reuniu com aliados da OTAN. Essa visita pode ser vista como uma tentativa de demonstrar uma liderança benigna americana, porém, "na prática ainda existe uma grande desconfiança, e acho que aqui as ações americanas ainda sinalizam alto unilateralismo – a gente pode pegar isso com Afeganistão, no acordo entre o Reino Unido, Austrália e Estados Unidos AUKUS, que deixam de fora os aliados importantes".
"As ações mostraram que ainda há uma grande desconfiança em função das próprias credibilidades americanas e também uma política que a gente pode dizer muito errática, no sentido de que ela teve muitas oscilações nesse processo e até de definição de estratégias. O caso do Afeganistão é um caso emblemático."

Rússia e China como principais rivais na estratégia da política externa

Analistas russos dizem que o encontro bilateral mais relevante do ano teria sido o realizado entre Biden e Putin em Genebra, em junho. A especialista também reconhece a importância da cúpula, mas ressalta ainda mais outra agenda importante dos Estados Unidos, que é a discussão com a China, que "expõe a dificuldade americana de exercer liderança e até de fazer essa capacidade de criar uma coalizão" contra Pequim.
Na opinião dela, esse eixo foi um dos principais objetivos da política externa nesse ano, demonstrado inclusive pelos grandes programas lançados no caso da aliança AUKUS da compra dos submarinos, ou como também na questão de Taiwan. Esse vetor lhe parece ser a prioridade nesse momento do presidente Biden.
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Mesmo antes do processo durante sua campanha, Biden sempre ressaltou que o governo americano teria que olhar para dois grandes agentes internacionais, de um lado a Rússia, de outro lado a China, afirma a analista. E essa discussão recente sobre a expansão da OTAN e o quanto isso afeta os interesses russos constitui parte de uma estratégia maior de contenção de agentes que possam rivalizar na posição com os Estados Unidos.
De forma geral, a agenda doméstica tem nesse momento um impacto muito forte para definição da política externa, segundo a especialista, no contexto que o ano que vem é um ano decisivo para o governo porque é um ano de eleições legislativas.
"Então, a política externa não é foco nessa lógica, mas ela pode inclusive ter efeitos na composição do Senado e na Câmara dos Deputados americana, o que também chicotearia ainda mais essas liberações e essa aprovação de embaixadores", concluiu.
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