'Essa história de 3ª via foi um conto de fadas', diz professor da UFRJ sobre cenário político
16:07, 16 de dezembro 2021
A terceira via ainda é uma possibilidade para 2022? Enquanto Ciro Gomes sofre pressão de aliados para desistir de sua candidatura, Sergio Moro e João Doria anunciam um pacto de não agressão para não perderem mais votos. Professor da UFRJ entrevistado pela Sputnik Brasil falou sobre o assunto.
SputnikA conjuntura política envolvendo os nomes que pleiteiam a condição de terceira via para a eleição presidencial no Brasil em 2022 não está fácil. Enquanto Lula goza de prestígio entre parte considerável do eleitorado, situação atestada pelas pesquisas de intenção de voto mais recentes, Jair Bolsonaro ainda tem importantes cartas à manga para jogar, como o auxílio emergencial, o reajuste aos servidores, e uma poderosa máquina pública em pleno ano eleitoral.
Ontem (15), um dos expoentes ao posto de terceira via, o candidato Ciro Gomes foi alvo de uma operação da Polícia Federal (PF) para apurar suposto esquema de corrupção em obra do estádio Castelão. A ação da PF, no entendimento do professor Paulo Baía, cientista político da UFRJ entrevistado pela Sputnik Brasil, "foi estrategicamente montada para prejudicar" a candidatura de Ciro.
Embora ainda não esteja
determinado se Bolsonaro tem o poder de influenciar o futuro e os alvos de investigações da PF, é importante lembrar que, no dia 11 de outubro, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes decidiu prorrogar por mais 90 dias o inquérito que apura a suposta tentativa de interferência política do presidente da República na PF. Para o ministro, é preciso investigar mais essa possibilidade.
É também em meio a este cenário que conhecidas figuras políticas no Brasil tentam emergir da dualidade entre Lula e Bolsonaro. Ciro Gomes, João Dória e Sergio Moro buscam o mesmo objetivo em comum, se apresentar ao eleitorado nacional como uma opção entre o que foi usualmente classificado pela imprensa como dois extremos, a esquerda e a direita. O problema para esses candidatos, porém, como apontou Paulo Baía, é que esta questão de extremos não aconteceu.
O cientista político rejeita o rótulo de polarização para classificar a conjuntura política no Brasil às vésperas do pleito de 2022 . "A eleição não está polarizada, ela está afunilada. E por que ela não está polarizada? Porque o eixo da pauta de ambas as campanhas [Lula e Bolsonaro] é semelhante, sobretudo se Lula tiver Geraldo Alckmin como vice. Se isso acontecer, a semelhança será ainda maior", comentou.
A conjuntura para 2022
Uma pesquisa do Ipec divulgada na terça-feira (14) mostra o ex-presidente Lula 27 pontos percentuais à frente de Jair Bolsonaro na corrida para a presidência. A publicação destaca ainda que Lula tem mais intenções de voto do que todos os outros possíveis candidatos somados, o que lhe garantiria uma vitória no primeiro turno. O petista aparece com 48%, seguido por Bolsonaro (21%); Sergio Moro (6%); Ciro Gomes (5%); André Janones (2%); João Doria (2%); Cabo Daciolo (1%) e Simone Tebet (1%).
14 de dezembro 2021, 18:54
Para Paulo Baía, em uma "eleição afunilada, com uma adesão do eleitor tão grande ao Lula e ao Bolsonaro", é pouco crível que outros nomes possam chegar com competividade. O professor entende que Ciro Gomes, por exemplo, "está em uma situação competitiva muito complicada, patinando nas pesquisas há mais de oito meses, principalmente após a entrada de Lula no páreo". Para ele, ainda há a possibilidade do PDT convencer Ciro a retirar a sua candidatura.
Essa situação seria mais difícil quando falamos de João Dória e Sergio Moro. Apesar de ambos estarem no mesmo patamar de intenções de voto do candidato do PDT, suas candidaturas possuem uma importância para além da cadeira presidencial. Paulo Baía ressaltou que em 2022 teremos a cláusula de barreira. E isso terá um efeito importante sobre as alianças políticas.
"Os partidos terão que eleger 11 deputados federais em nove estados diferentes, e isso é muito difícil. E por isso cada campanha tem um objetivo estratégico diferente, e será importante para a configuração eleitoral que o país passará a ter", disse o cientista político.
Além da questão sobre cláusula de barreira, as alianças em torno do pleito para presidente da República são importantes "para que os partidos façam suas campanhas para o Senado, Congresso e governadores estaduais". O PSB, por exemplo, praticamente oficializou uma aliança com o PT em troca do apoio para a candidatura de Lula. Os petistas apoiarão os socialistas em uma série de estados, sendo a candidatura de Marcelo Freixo no Rio de Janeiro a principal delas.
Há futuro para Moro e Dória?
Enquanto a esquerda acerta suas alianças, inclusive com uma importante fala do ex-presidente Lula nesta semana em defesa de Ciro Gomes após a operação da PF, os conservadores e liberais também acertam pactos e arranjos. DEM e PSL planejam criar o que pode ser o maior partido do país, a União Brasil. Nesta semana, Doria e Moro se encontraram para discutir estratégias relacionadas ao pleito de 2022.
Segundo aliados, os dois não chegaram a selar uma chapa para a disputa, mas teriam firmado uma espécie de pacto de não agressão. Questionado sobre a possibilidade de uma aliança para vice-presidência entre os dois, Paulo Baía disse que "existe essa possiblidade". Ele apontou que João Dória está mal nas pesquisas, e o seu partido, o PSDB, precisa pensar em suas alianças para formar uma bancada no Congresso no ano que vem.
"A chapa de Moro não teve até agora o impacto que se imaginava ter. Além disso, o Dória está muito mal avaliado, e isso não ajuda o PSDB. Com o Moro em uma eventual chapa, podemos considerar a possibilidade de serem eleitos mais alguns deputados federais. Há interesses em comum entre Doria e Moro, sobretudo nas eleições legislativas, principalmente para o Senado", comentou.
O professor não acredita que, embora possível, a aliança represente um impacto no que pode acontecer em 2022. O máximo que podemos ver, em sua avaliação, "é um impacto político no debate, sobretudo acerca do combate à corrupção, com ataques ao Lula e ao presidente Bolsonaro". Além disso, ele aponta que o arranjo político entre Moro e Dória é interessante para a disputa no governo da capital paulista, que terá Haddad, do PT, como candidato, e Guilherme Boulos, pelo PSOL.
A 'fantasia da 3ª via'
Ao considerar a possibilidade de aparecer uma terceira via no pleito presidencial, muitos analistas políticos e parte da imprensa desconsideraram a capacidade do ex-presidente Lula em angariar votos no segmento de centro e centro-esquerda. Algo que não se pode negar sobre Lula é sua habilidade como estrategista político, inclusive ao ponto de conquistar o apoio de um ex-adversário político histórico, como Geraldo Alckmin.
Com efeito, o presidente Jair Bolsonaro também é muitas vezes desmerecido pela sua capacidade de articulação. Muito se prospectou sobre a possibilidade de Sergio Moro "roubar" votos de bolsonaristas descontentes com a política no país. Bolsonaro, contudo, solidificou uma ampla base eleitoral, e é garantido que terá ao menos 20% dos votos em 2022. Além disso, o presidente se
prepara para relançar o Auxílio Brasil, programa de transferência de renda que pode render
simpatia do eleitorado mais pobre.
Questionado sobre as razões de uma terceira via não ter "animado" o eleitorado brasileiro, Paulo Baía foi cético: "Essa história de terceira via é um conto de fadas. Enfim, é uma panaceia". Ele reforçou a sua opinião de que a eleição não está polarizada como se imaginava, "ela está afunilada".
A razão para o afunilamento, diz o cientista político, é que as campanhas de Lula e Bolsonaro tem objetivos semelhantes. A despeito de temas que sensibilizam a população, a atual crise econômica no país impõe uma agenda prioritária: a alta inflação, o desemprego e o retorno do Brasil ao mapa da fome. A corrupção, evidentemente, também será alvo de acalorados debates, mas é provável que as
discussões sobre o futuro econômico do país sejam o
principal tema ao longo de 2022.