Divulgado pela JPL, os cientistas da NASA descobriram com o rover da missão Perseverance em Marte, que o terreno rochoso sobre o qual seu explorador de seis rodas está se locomovendo desde o pouso em fevereiro, provavelmente se formou de magma incandescente. A descoberta tem implicações para a compreensão e datação precisa de eventos críticos na história da Cratera de Jezero - assim como no resto do planeta.
As rochas na cratera interagiram com a água várias vezes ao longo das eras e algumas delas contêm moléculas orgânicas, concluiu a equipe.
Estas e outras descobertas foram apresentadas nesta quarta-feira (15), durante uma coletiva de imprensa na reunião científica da União Geofísica Americana, em Nova Orleans.
Mesmo antes do Perseverance pousar em Marte, a equipe científica da missão já se perguntava sobre a origem das rochas na área. Seriam sedimentares (quando o acúmulo comprimido de partículas minerais possivelmente transportadas para o local por um antigo rio) ou ígneas (nascidas possivelmente em fluxos de lava subindo para a superfície de um vulcão marciano extinto há muito tempo)?
"Eu estava começando a me desesperar de que nunca encontraríamos a resposta", disse o cientista do projeto Perseverance, Ken Farley, da Caltech em Pasadena. "Mas então, nosso instrumento PIXL deu uma boa olhada em um pedaço desgastado de uma rocha da área apelidada de 'Séítah Sul', e tudo ficou claro: os cristais dentro da rocha forneceram as provas circunstanciais de que precisávamos."
A broca no final do braço robótico do Perseverance pode desgastar, ou triturar, superfícies de rocha para permitir que outros instrumentos, como o PIXL (abreviação em inglês para Instrumento Planetário para Litoquímica de Raio-X, um dispositivo de raio-X de precisão alimentado por inteligência artificial), as estudem. Basicamente, o PIXL usa fluorescência de raios-X para mapear a composição elementar das rochas.
Em 12 de novembro, o PIXL analisou uma rocha de Séítah Sul que a equipe de ciência havia escolhido para obter uma amostra de núcleo usando a broca do rover. Os dados do PIXL mostraram que a rocha, apelidada de "Brac", é composta por uma abundância incomum de grandes cristais de olivina (grupo de minerais da família dos nesossilicatos cujos membros são constituídos por silicatos de magnésio e ferro) envolvidos em cristais de piroxênio (grupo de inossilicatos constituídos por cadeias simples de tetraedros de sílica encontrados em múltiplas rochas ígneas e metamórficas).
"Um bom estudante de geologia diria que essa textura indica que a rocha foi formada quando os cristais cresceram e se assentaram em magma de resfriamento lento - por exemplo, um fluxo de lava espesso, lago de lava ou câmara de magma", disse Farley. "A rocha foi então alterada várias vezes pela água, tornando-se um verdadeiro tesouro que permitirá aos futuros cientistas datar os acontecimentos em Jezero, compreender melhor o período em que a água era mais comum na sua superfície e revelar o início da história do planeta. 'Mars Sample Return' terá ótimas opções para escolher!"
A multimissão "Mars Sample Return" (nome em inglês para Retorno de Amostras de Marte) começou com Perseverance, que está coletando amostras de rocha marciana em busca de vida microscópica ancestral.
Seis tubos de amostra fac-símile estão pendurados na placa de tubos de amostra nesta imagem tirada nos escritórios do robô Perseverance Marte, da NASA
© Foto / NASA / JPL-Caltech
Dos 43 tubos de amostra do Perseverance, seis foram selados até o momento, quatro deles com núcleos de rocha, um com atmosfera marciana e um que continha material "testemunha" para observar qualquer contaminação que o rover possa ter trazido da Terra. O programa busca trazer tubos selecionados de volta à Terra, onde gerações de cientistas serão capazes de estudá-los com equipamentos de laboratório poderosos, grandes demais para serem enviados a Marte.
O que ainda precisa ser determinado é se a rocha rica em olivina se formou em um lago de lava espesso resfriando na superfície ou em uma câmara subterrânea que foi posteriormente exposta pela erosão.
Compostos orgânicos
Outra grande notícia para a campanha de retorno das amostras é a descoberta de compostos orgânicos. As moléculas contendo carbono estão no interior das rochas abrasivas analisadas e na poeira das rochas não abrasadas analisadas pelo SHERLOC (sigla em inglês para Varredura de Ambientes Habitáveis com Raman - espectrômetro ultravioleta - e Luminescência para Orgânicos e Químicos).
A confirmação de orgânicos, no entanto, não significa que já tenha existido vida em Jezero. Existem mecanismos biológicos e não biológicos que criam orgânicos.
"A [missão] Curiosity também descobriu substâncias orgânicas em seu local de pouso dentro da cratera Gale", disse o principal investigador do SHERLOC, no Laboratório de Propulsão a Jato da NASA, Luther Beegle, no sul da Califórnia. "O que SHERLOC acrescenta à história é sua capacidade de mapear a distribuição espacial de orgânicos dentro das rochas e relacionar esses orgânicos aos minerais encontrados lá. Isso nos ajuda a entender o ambiente em que os orgânicos se formaram. Mais análises precisam ser feitas para determinar o método de produção dos orgânicos identificados."
As descobertas revelam a existência de bioassinaturas potenciais, ou seja, sinais de vida (quer no passado quer no presente), em bom estado de preservação. "Essa é uma questão que não pode ser resolvida até que as amostras sejam devolvidas à Terra, mas a preservação dos orgânicos é muito emocionante. Quando essas amostras forem devolvidas à Terra, serão uma fonte de investigação e descoberta científica por muitos anos", disse Beegle.
Radar de subsuperfície
Junto com suas capacidades de amostragem de núcleo de rocha, o Perseverance trouxe o primeiro radar de penetração no solo para a superfície de Marte. RIMFAX (sigla em inglês para Radar de Imagem para Experimento na Subsuperfície de Marte) é um "georadar" capaz de analisar formações na subsuperfície com cerca de até de 33 pés (10 metros) de profundidade. Os dados para este primeiro georadar lançado foram coletados enquanto o rover se deslocava através linha de cume da unidade geológica "Crater Floor Fractured Rough" (ou em português, fundo da cratera fraturada e áspera) para a unidade geológica de Séítah.
Este gráfico mostra a entrada de Perseverance em Séítah de uma perspectiva orbital e subsuperficial
© Foto / NASA / JPL-Caltech / University of Arizona / USGS / FFI
Com os dados RIMFAX, os cientistas do Perseverance agora conhecem as camadas de rocha da região, bem como sua angulação a partir de um ponto mais baixo que a superfície. Os resultados confirmam ainda mais a crença da equipe de ciência de que a criação de Séítah precedeu o fundo da cratera. A capacidade de observar características geológicas mesmo abaixo da superfície adiciona uma nova dimensão às capacidades de mapeamento geológico da equipe em Marte.
A missão Perseverance
Um dos principais objetivos da missão do Perseverance em Marte é a astrobiologia, o que inclui a busca por sinais de vida microbiana ancestral. O rover caracterizará a geologia do planeta e seu clima no passado, abrindo caminho para a exploração humana do Planeta Vermelho e será a primeira missão a coletar e armazenar rochas e "regolitos" marcianos (rochas quebradas e poeira).
As missões subsequentes da NASA, em cooperação com a ESA (Agência Espacial Europeia), enviariam espaçonaves a Marte para coletar essas amostras seladas da superfície e devolvê-las à Terra para uma análise aprofundada.
A missão Marte 2020 Perseverance é parte da abordagem de exploração da NASA Lua-Marte, que inclui as missões Artemis à Lua e ajudarão a preparar a humanidade para a exploração do Planeta Vermelho.