'Rompimento' do Brasil com o FMI pode afetar ambiente econômico e relações internacionais do país?
17:07, 17 de dezembro 2021
Apesar de o Brasil não ter pendências com o FMI há 16 anos, o órgão mantinha escritório no país para recomendações de melhores práticas econômicas. Após o polêmico anúncio do encerramento das atividades, a Sputnik Brasil conversou com um especialista para entender as raízes do problema e possíveis consequências.
SputnikEm meio a resultados e previsões econômicas frustrantes para o país, o Fundo Monetário Internacional (FMI) anunciou, na última quinta-feira (16), que
fechará seu escritório no Brasil. A decisão ocorreu após o Ministério da Economia informar ao órgão que
não era mais necessária a sua presença no país.
Na prática, o escritório do FMI, que fechará as portas de fato a partir de 30 de junho do ano que vem, funcionava como uma espécie de embaixada da instituição no país.
O Ministério da Economia alegou, em nota, que o fundo possui escritórios apenas em países com os quais tem programa ativo, o que tornaria obsoleta a manutenção de uma representação no Brasil.
O ministro da pasta, Paulo Guedes, já vinha demonstrando incômodo com as previsões econômicas do órgão, que, em outubro, rebaixou as expectativas de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. A instituição reduziu a projeção de crescimento de 5,3% para 5,2% em 2021 e de 1,9% para 1,5% em 2022.
As estimativas do FMI, porém, ainda estão bem mais otimistas que as últimas previsões do Boletim Focus do Banco Central (com análises de mais de 100 instituições financeiras do país), que apontou, nesta semana, um crescimento de 4,65% e de 0,50% para 2021 e 2022, respectivamente.
"Se eles quiserem, mantêm o escritório. Mas nós oficialmente estamos dizendo que não precisamos tê-los aqui mais. Já há muitos anos que não precisávamos. Ficaram porque gostam de feijoada, futebol e de vez em quando criticar um pouco e fazer previsão errada", criticou - e ao mesmo tempo ironizou - o ministro da Economia, Paulo Guedes, um dia antes da divulgação do encerramento das atividades da representação, em Brasília.
O último pedido de empréstimo do Brasil ao FMI foi feito em 2002 e acabou quitado antecipadamente em 2005, durante o governo do ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva. Atualmente, o
país é credor da instituição.
Os escritórios regionais, por sua vez, atuam como um elo entre o governo local e o fundo internacional. Nos países que não possuem empréstimos com o fundo, as representações focam em políticas e direcionamento de boas práticas econômicas.
O professor de Relações Internacionais Rodrigo Fernando Gallo, do Instituto Mauá de Tecnologia, faz ponderações à atuação histórica do FMI, principalmente no que diz respeito aos efeitos de empréstimos a países em desenvolvimento na década de 1990.
Segundo ele, a prática provocou o endividamento da maior parte dos países devedores do Hemisfério Sul. Além disso, em sua avaliação, as reformas impostas pelo FMI "não se reverteram necessariamente em desenvolvimento".
Contudo, o especialista alerta que o "rompimento" não é uma boa sinalização ao sistema econômico internacional e poderá, eventualmente, impactar as relações exteriores do país. Segundo ele, o FMI é um organismo que funciona como lastro para a manutenção da ordem econômica internacional.
"Apesar de todas as críticas possíveis, o FMI é a mais importante instituição financeira internacional. O fundo foi criado na conjuntura de encerramento da Segunda Guerra Mundial [em 1944, na Conferência de Bretton Woods, em Washington, nos EUA], a partir da orientação das grandes potências da época, para criar mecanismos que evitassem que crises econômicas se tornassem sistêmicas, visando resolver problemas que desequilibrassem a economia global", recordou Gallo.
O professor diz que diversas atribuições do órgão já não têm mais espaço na conjuntura atual, mas que é preciso "reconhecer que o FMI
cumpre papéis efetivos e simbólicos no sistema financeiro internacional". O órgão
possui 190 países-membros atualmente, incluindo o Brasil.
7 de dezembro 2021, 20:02
Segundo o especialista, a mensuração da saúde financeira dos países realizada pelo FMI ainda é a principal referência para os Estados. Ele explica que suas previsões têm impactos em diversas áreas, como investimento estrangeiro direto e comércio exterior.
O cálculo do risco-país, revisado periodicamente pelo fundo, é usado como base por investidores estrangeiros para avaliar as possibilidades de mudanças positivas e negativas no ambiente de negócios dos países.
"Isso mostra o quão relevante são as previsões. Então, integrar o FMI é ter uma certificação de que o país se compromete a cumprir uma série de exigências necessárias para manter a ordem econômica", afirmou.
Retórica de críticas a organismos internacionais
Gallo ressalta que a decisão do fechamento do escritório não está atrelada apenas a declarações recentes do ministro, mas a "toda uma conjuntura mais ampla que data desde o início do atual governo".
Segundo ele, diante das previsões negativas, o governo federal, em vez de se justificar, preferiu adotar uma tática de tentar desmerecer a capacidade do FMI em oferecer previsões precisas.
"Ao invés de resolver o problema, o governo critica quem expõe o desempenho econômico insatisfatório. Como o governo não tem conseguido reverter a crise, uma das soluções encontradas para dar uma resposta à população, ou pelo menos aos seus eleitores, é de alguma forma desacreditar os dados do próprio FMI", avaliou.
24 de outubro 2021, 15:41
Para o professor, o fim das atividades do órgão no país evidencia o que vem ocorrendo com a diplomacia brasileira nos últimos anos, com constantes ataques a organismos internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU) e a
Organização Mundial da Saúde (OMS).
Há um posicionamento por parte de alguns atores do governo de questionar a importância das organizações internacionais, como se fosse possível os países serem autossuficientes em um mundo globalizado. É algo similar com o que ocorreu nos Estados Unidos na gestão de Donald Trump [ex-presidente dos EUA]", disse Gallo.
O especialista não classifica o fechamento do escritório como um caso clássico de expulsão. Para ele, o episódio é, simplesmente, resultado de um desgaste entre o governo brasileiro e o FMI, que pode ter reflexos em relações econômicas com outros países.
"Em alguma medida, essa pode ser uma sinalização de que o Brasil está descontente com os critérios de mensuração da saúde econômica feito pelo FMI e que, eventualmente, poderia começar a operar a economia de outra forma", pontuou.