A cessação do contrato de compra de 50 caças de quinta geração F-35 dos EUA pelos Emirados Árabes Unidos (EAU) representa a redução do poder dos EUA em um mundo multipolar, disseram especialistas à Sputnik.
De acordo com Peter Ford, ex-embaixador do Reino Unido na Síria, as rigorosas restrições impostas com o objetivo de proteger o negócio de US$ 23 bilhões (cerca de R$ 130 bilhões), que também incluía drones e munições avançadas, contra espionagem da China, foi uma das razões principais da decisão de Abu Dhabi. Outra das razões para isso, disse, foram são as exigências de desativar qualquer capacidade da aeronave de prejudicar "até teoricamente" Israel, referindo a superioridade militar de Tel Aviv.
"Os emiradenses, ricos, mas não estúpidos, usaram esse passo em falso como pretexto para suspender o acordo", indicou Ford, acrescentando que o valor do acordo era excessivamente alto, enquanto o combate atual é definido mais por drones, mencionando como exemplo o ataque iraniano a uma instalação de petróleo saudita em 2019 e o uso de veículos aéreos não tripulados pela Turquia para parar o avanço da Síria em Idlib.
O ex-diplomata britânico também crê que a saída dos EUA do Afeganistão reduziu a confiança no país norte-americano como garante de segurança, e que, para os Emirados, "algum grau de normalização com o Irã é uma maneira melhor de garantir sua segurança do que ficar cada vez mais dependente dos EUA".
Dan Lazare, historiador e comentador político, por sua vez, fala de uma "superextensão imperial" norte-americana, que além da região Ásia-Pacífico, inclui o golfo Pérsico e a região do mar Negro. Ele apontou o recente acordo da Índia com a Rússia e a decisão de produzir fuzis de assalto 600K AK-203 sob licença russa como casos que estão definindo a nova realidade multipolar.
"Todos são exemplos de países pequenos e médios acordando para o fato de que os Estados Unidos já não detêm o monopólio, e que eles agora são livres para buscar parceiros em outro lado. A unipolaridade está se desvanecendo, gostem os EUA ou não", comentou Lazare, que acredita que os EAU também procuram uma política independente.
"Abu Dhabi contrariou Washington ao defender [o presidente] Bashar al-Assad na Síria e [o marechal] Khalifa Haftar na Líbia, e também se alinhando com a política externa russa em ambas as nações. Ele tem se imiscuído no Iêmen, e tem apoiado o golpe militar no Sudão, dois casos que criaram consternação em Washington", disse ele.
Apesar de as negociações sobre os F-35 continuarem atualmente, a ação dos EAU marca uma verdadeira mudança na posição de Washington na região, afirma o historiador.
"Sem dúvida, as discussões continuarão enquanto os dois lados tentam atingir um modus vivendi. Mas a mensagem é clara: a multipolaridade chegou, e o golfo Pérsico já não é um lago dos EUA", concluiu Dan Lazare.