A crise que está sendo enfrentada pelas empresas de energia do Reino Unido está atingindo proporções do nível da crise financeira de 2008 e é aproximadamente equivalente ao período entre o colapso do Northern Rock Bank britânico, em 2007, e a explosão do Lehman Brothers, em 2008, advertiu o CEO da Ovo Energy, Stephen Fitzpatrick.
"Acho que é um cenário provável que haja mais falhas de mercado", disse Fitzpatrick em entrevista ao The Telegraph. "Não acho que estejamos no fim da crise de energia agora mesmo", acrescentou o executivo.
A Ovo Energy, a segunda maior fornecedora de energia do Reino Unido depois da British Gas, tem cerca de 4,5 milhões de clientes e, como outros fornecedores, enfrentou imensa pressão financeira devido aos limites dos preços da energia, que impedem as empresas de repassar na íntegra o aumento de três dígitos no custo de gás no atacado para os consumidores. Desde julho, os preços do gás no atacado saltaram de uma média de cerca de £ 1 (R$ 7,60) por unidade térmica para cerca de £ 3,52 (cerca de R$27).
O governo aprovou o aumento do preço máximo na primavera, com a expectativa de que a conta média dos consumidores salte em mais de £ 700 (R$ 5.323) por ano – ou mais de £ 60 (R$ 456,43) a mais a cada mês, a partir de 2022. Mas os reguladores e o governo estão presos entre a cruz e a espada, com as demandas das empresas de energia por mais alívio contrabalançadas por temores de uma reação negativa dos consumidores, a maioria dos quais também são potenciais eleitores.
A planta de terminais de gás natural liquefeito (GNL) da National Grid é vista na Ilha de Grain, no sul da Inglaterra, 16 de agosto de 2013
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Fitzpatrick se juntou a executivos da EDF, Good Energy e do órgão comercial Energy UK para cobrar que as autoridades intervenham e façam mais para ajudar as empresas de energia, cujas discussões supostamente devem ser mantidas nesta segunda-feira (27) entre o secretário de Negócios e Energia Kwasi Kwarteng e os funcionários da empresa de energia sobre a reforma do mercado de energia.
"Do jeito que as coisas estão a cada minuto, todo mundo está perdendo, porque a estrutura do mercado como está não está adequada. Simplesmente não vimos nenhuma ação do regulador ou do governo para resolver isso", disse o CEO da Ovo.
"Acho que eles aceitam que há um problema, eles apenas demoram muito para encontrar uma solução. E acho que realmente temos um curto período de tempo [para] consertar isto", alertou.
O governo Johnson foi criticado por líderes empresariais e industriais por adotar uma abordagem laissez-faire (expressão em francês que simboliza o liberalismo econômico e indica que o mercado não deve sofrer interferências estatais) e dizer que "não é tarefa do governo" salvar as empresas da falência em meio à crise de preços do gás.
Os aumentos de preços já causaram a falência de pelo menos 26 empresas de energia britânicas desde agosto, mas Fitzpatrick estima que este número já pode ser "mais de 30". Entre os grandes fornecedores que enfrentam grandes problemas está a Bulb, que entrou em insolvência no mês passado, ou seja, sem condições de arcar com suas dívidas. Essa empresa tem mais de 1,7 milhão de clientes, respondendo por cerca de 6% de todo o mercado.
Na semana passada, a CEO da Energy UK, Emma Pinchbeck, alertou que o setor ainda não vê uma luz no fim do túnel e que os consumidores podem enfrentar contas até 50% mais altas em 2022, a menos que o governo intervenha.
O Reino Unido e outras nações europeias foram atingidas por uma grande crise de energia nos últimos meses, graças a uma conjunção de tempestade perfeita de fatores. A primavera de 2020-2021, mais longa e mais fria que o normal, foi responsabilizada pelo esgotamento das reservas de armazenamento subterrâneo de gás em toda a região, com a maioria dos países inexplicavelmente falhando em completá-las nos meses de verão e outono, potencialmente na esperança de encontrar uma barganha no gás através da dependência de contratos de curto prazo. A competição acirrada por gás entre a Europa e a Ásia, o esforço liderado pelos EUA para torpedear um novo gasoduto russo para a Europa e os retornos mais defasados que o esperado em uma nova infraestrutura de energia eólica e solar também foram responsabilizados pela crise.
Alguns países, especialmente os Estados Unidos, culpam a Rússia pela situação atual, alegando que Moscou tem deliberadamente reduzido o abastecimento da Europa, seja para fins financeiros ou geopolíticos. A Gazprom rejeitou essas alegações, apontando para sua contínua disposição de firmar novos contratos de longo prazo e para o aumento de dois dígitos nas entregas de gás russo para a Europa em 2021. Em outubro, o presidente Putin disse que, embora a Rússia tenha cumprido com as suas obrigações sobre as entregas de gás, os Estados Unidos, aliados da Europa, reduziram realmente suas entregas de gás natural liquefeito para a região neste ano, talvez em busca de outros mercados mais lucrativos.