Propagação e combate à COVID-19

COVID-19: Portugal bate recordes diários de casos, com urgências lotadas: 'Está caótico', diz médica

Portugal tem quebrado diariamente seus recordes de novos casos de COVID-19. No último boletim epidemiológico, divulgado nesta quarta-feira (29), foram detectadas 26.867 novas infecções. Médicos ouvidos pela Sputnik Brasil relatam um cenário de caos nas emergências dos hospitais.
Sputnik
No dia anterior, o boletim da Direção-Geral de Saúde (DGS) apontava 17.172 novos casos, batendo o número máximo de 16.432 desde o início da pandemia, que havia sido atingido em 28 de janeiro, quando Portugal chegou a ser o país no mundo com o maior número de mortes por milhão de habitantes.
A ministra da Saúde, Marta Temido, projeta que, na próxima semana, o país deve bater os 37 mil novos casos por dia. Já matemáticos estimam que se superem 60 mil infecções diárias até o fim de janeiro. Graças aos mais de 89% da população completamente vacinados, os últimos números de mortes (12) e internações (971) permanecem abaixo das linhas vermelhas e ainda não preocupam.
No entanto, como a variante Ômicron é mais transmissível, os recordes de novas infecções têm pressionado o Sistema Nacional de Saúde (SNS). Primeiramente, os cinco mil funcionários da linha telefônica SNS 24 não têm dado conta da altíssima demanda de portugueses a ligar para saber orientações médicas diante de sintomas e testes positivos.

Ministra da Saúde anuncia contratação de 750 funcionários

Muitas pessoas, sem conseguir telefonar para o número 808 24 24 24, têm procurado diretamente o serviço de emergência dos hospitais (denominado urgência em Portugal). Só na última segunda-feira (27), foram cerca de 72 mil ligações para o SNS 24.
Diante do cenário, a ministra da Saúde anunciou a contratação de 750 novos funcionários para janeiro em dois call centers, nas cidades de Coimbra e Beja. Entre os profissionais, estão enfermeiros, psicólogos, farmacêuticos, médicos, dentistas e estudantes de medicina do sexto ano.

"Temos vários níveis de procura de prestadores de cuidados de saúde, na vacinação, nos hospitais, nas áreas dedicadas a doentes respiratórios, nos testes, na Linha SNS 24, nos rastreios e, portanto, os profissionais de saúde não cresceram exponencialmente à medida que está a crescer exponencialmente a necessidade dos serviços que prestam", disse Marta Temido, citada pela Agência Lusa.

Marta Temido, ministra da Saúde de Portugal
Não é o suficiente. Apesar de a maioria dos novos casos não apresentar gravidade, os milhares de doentes que chegam aos hospitais têm sobrecarregado os atendimentos emergenciais, muitas vezes, sem necessidade.
A médica gaúcha Nair Amaral, que trabalha na linha de frente de combate à COVID-19 em um hospital em Loures, na Área Metropolitana de Lisboa, relata esse cenário em entrevista à Sputnik Brasil.

"Tem sido caótico no meu hospital: muitos [casos] positivos, vacinados com todas as marcas, com uma, duas ou três doses, e também os não vacinados. Contágio rápido e fácil com Ômicron", resume Nair Amaral.

A especialista explica que a lotação das urgências hospitalares se dá não apenas pela COVID-19, também de outras doenças crônicas (como câncer, diabetes e hipertensão), negligenciadas durante a pandemia, e de outras síndromes respiratórias, mais comuns no inverno. Segundo ela, o SNS já vivia em um limite tênue antes da pandemia e, agora, rompeu sua estrutura.
"A urgência geral já era uma coisa que vivia cheia antes da pandemia, no limite, que agora estourou. Na parte de urgência respiratória, agora se acrescentam os casos COVID-19, que são muitos, muitos. As pessoas vão lá com sintomas como tosse, febre, dor no corpo. A maior parte volta para casa, só que eles ocupam os poucos profissionais que temos", justifica.
De acordo com a médica brasileira, a escassez de recursos humanos sofreu uma baixa de 30% a 40% em relação ao auge da pandemia, com a saída de médicos e enfermeiros.
Pós-graduada em gestão para profissionais da saúde no Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE) e com experiência de anos no setor no Brasil, Nair aponta que, diferentemente da indústria, do comércio e de outros serviços, a saúde sempre foi mais resistente às inovações em gestão.
"Por isso, tem essas crises crônicas. Essa má gestão de recursos humanos que se vê arrastando aí ao longo do tempo, isso não podia dar boa coisa. Somos sempre os mesmos, estamos exaustos, perdemos muitos colegas que foram trabalhar em outros lugares, cidades e países ou no setor privado. Juntou com o inverno, que é sempre cheio de doenças, então é a receita de um bolo ruim", compara.
A médica gaúcha Nair Amaral em ação na linha de frente de combate à COVID-19 em Portugal

Médico denuncia que pessoas vão atrás de atestado: 'Insuportável'

O médico baiano Marcelo Lustosa, que também trabalha na linha de frente de combate à COVID-19 de um hospital em Setúbal, confirma a superlotação dos serviços de emergência. Em entrevista à Sputnik Brasil, ele diz que muitas pessoas que têm apresentado diagnóstico positivo por meio de autotestes procuram os hospitais para confirmação médica.

"[Está] insuportável e condizente com o que a mídia portuguesa diz: só casos leves ou assintomáticos, à procura de teste oficial. Só [entre] os não vacinados que um ou outro aparecem mais doentes, ou então [entre] idosos", detalha Lustosa.

Ele denuncia um problema ainda mais grave. Segundo o especialista brasileiro, algumas pessoas têm procurado os hospitais apenas para conseguir atestados médicos que as afastem do trabalho, sobrecarregando ainda mais o SNS desnecessariamente.

"Mentem que têm sintomas para poder fazer testes, pegar certificado e as baixas. É necessário atestado dado pelo SNS 24 ou médico da família. Mas precisa ter teste oficial, não vale autoteste", diferencia.

O médico brasileiro Marcelo Lustosa trabalha no Hospital de Setúbal, em Portugal
Questionado pela Sputnik Brasil se esse comportamento pressiona o sistema público de saúde e se os médicos têm deixado de atender pacientes que realmente precisam, ele é incisivo.
"Claro, né. Se a unidade fica cheia, mistura quem precisa com quem não precisa. E estamos cansados. Já são dois anos nisso", desabafa.
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