O lançamento da tecnologia e serviços sem fio da rede 5G de banda C (frequência de transmissão de 3,5 GHz que é usada por aplicações corporativas de dados e para distribuição de canais de TV fechados, entre outras aplicações) tem sido alvo de preocupações da FAA desde o início do mês de dezembro, quando publicou um comunicado ao setor de aviação expressando preocupação com o lançamento da rede e sua potencial interferência em dispositivo utilizado na aviação que auxilia em pousos e decolagens de aeronaves, o altímetro.
Nesta segunda-feira (3), apesar das preocupações, as empresas de AT&T e Verizon indicaram que, ao contrário do que a FAA e a Secretaria de Transportes dos Estados Unidos haviam solicitado, não vão atrasar o lançamento da rede.
Para entender as implicações deste anúncio, a Sputnik Brasil conversou com o chefe de direito e tecnologia governamental do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio (ITS), Christian Perrone.
Quebra de paradigmas
A tecnologia 5G representa uma quebra de paradigmas tecnológicos. Sua utilização vai revolucionar a velocidade e a cobertura das telecomunicações. Mas, como toda quebra de paradigmas indica, com a chegada de uma nova série de dispositivos, as gerações anteriores tornam-se obsoletas, sem capacidade de adaptação.
A tecnologia 5G tem sido discutida há anos, bem como a divisão dos espectros ou faixas de frequência em que a rede vai operar. Para Christian Perrone nem todos os dispositivos que utilizam frequências próximas às do 5G estão completamente adaptados para não sofrer interferência.
"O que existe nos EUA, hoje, é uma disputa de interesses de duas grandes indústrias que impediram que se tivesse chegado a uma conclusão sobre o lançamento da rede. De um lado temos as empresas de aviação, do outro as de telecomunicação", disse.
De acordo com Christian, a aviação norte-americana, cuja frota é grande e diversa, vai precisar adaptar alguns de seus instrumentos e esta "troca" de equipamentos é onerosa.
Imbróglio administrativo
As agências governamentais tiveram um tempo longo para definir a coordenação de implementação da tecnologia, uma vez que a discussão não é nova. Mas, segundo Christian, um novo adiamento por parte das telecomunicações significaria perda de capital.
"De um modo geral, sim, o 5G já está presente e já está para ser lançado. As empresas de telecomunicações, ao sinalizarem que não querem mais adiar seu lançamento, apontam para todo o investimento que já foi feito, e faz sentido."
Os EUA são um país grande. Uma decisão que poderia parecer simples de ser tomada, precisa levar em conta algumas variáveis que colocariam em risco setores diretamente relacionados com a tecnologia 5G e diversos outros de maneira indireta.
Se por um lado o adiamento parece razoável em função da segurança dos aeroportos, como indicam as agências, por outro um novo adiamento produziria uma grande insegurança jurídica para o setor.
"É uma questão burocrática, de coordenação dos esforços e da capacidade de regulação para lidar com essa questão específica. Temos pelo menos três vertentes a serem consideradas: as agências, que utilizam parte deste espectro para a aviação, relacionada com a segurança do setor; o comércio, que está lidando com a divisão deste espectro; e a Presidência, ou o Executivo, que precisa coordenar este esforço", afirmou Christian.
Para o especialista, o governo deveria ter promovido uma discussão estratégica, nacional, sobre o uso dessas faixas de frequência em que operam os dispositivos que têm potencial de sofrer interferência da rede 5G. "Questões de coordenação e burocracia não são privilégio do Brasil", pontuou.
Questão de segurança
No mês de dezembro, quando a FAA pediu o primeiro adiamento no lançamento da rede, a questão era a incapacidade de detecção das possíveis anomalias nos altímetros das aeronaves, o dispositivo que auxilia nos pousos e decolagens, especialmente com baixas condições de visibilidade.
Christian chama a atenção para o fato de, atualmente, alguns cuidados já serem tomados pelas companhias aéreas nas situações de pouso e decolagem, entretanto, a situação não é simples.
"Ainda que a gente leve em consideração que parece simples, desligar celulares na decolagem e no pouso, temos usado tantos dispositivos conectados, que muitas vezes nem percebemos se estão ou não ligados." Ainda não é possível precisar se "o uso próximo de aeroportos, e não apenas dentro deles, pode significar interferência, mas é preciso compreender a diferença entre probabilidade e possibilidade", disse o especialista.
O chefe do ITS garante que, em muitos casos, a interferência não deve acontecer. Isto em função das tecnologias de aviação mais recentes estarem minimamente adaptadas, mas que, em se tratando de um país como os EUA com uma diversa e vasta frota de aeronaves, é possível que aconteça em menor escala.
Custo do progresso
Para minimizar todos os riscos de interferência potencialmente causados pela rede 5G, seria preciso trocar todo o equipamento da frota de aviões norte-americana ou tomar uma medida mitigatória de determinar que aeroportos teriam o sinal de frequência limitado.
"Quando passamos de uma possibilidade remota para algo que seja provável, quem vai pagar essa conta, é outra história. O que acontece é que a indústria vai precisar se adaptar, assim como as indústrias médicas que fazem marca-passos, ou cadeiras de rodas, tiveram de fazer quando passamos a usar a banda que hoje usamos pra celulares", lembrou Christian.
Estima-se que mais de 60 países já operam com a rede 5G atualmente. No entanto, Christian pondera que "nem todos têm uma frota tão expressiva como a dos EUA com aviões tão antigos, o que acaba criando um problema maior neste sentido".
"Vários outros países não sentiram isso como impacto significativo. É preciso entender também que essa agência [FAA] mandou um comunicado para o staff de empresas aéreas, essa lógica do impacto para o staff, pilotos, pessoas que estão nos aviões, é uma situação mais complexa nos EUA porque gera uma disputa de narrativas."
Cabe ressaltar que a Banda C, utilizada por altímetros e rede 5G, opera com faixas de frequência diferentes, não concorrentes, para cada uma das finalidades (3,7 GHz para a 5G e 4,1 ou 4,2 GHz para altímetros). O que se discute é o potencial de interferência que uma pode oferecer à outra. Para o especialista, seria preciso estabelecer padrões para restringir seu uso em lugares mais sensíveis que outros, como em aeroportos específicos.
"Diretamente estamos discutindo a entrada do 5G, e indiretamente qual será o custo de implementação e quem irá pagar essa conta com as mudanças de eventuais dispositivos que não estejam adaptados à tecnologia", finalizou.