A OPEP é uma organização intergovernamental que atualmente reúne 13 nações produtoras e exportadoras de petróleo, o combustível fóssil que é a principal fonte de energia utilizada no mundo.
Criada na década de 1960 com objetivo de coordenar e unificar as políticas de petróleo para garantir a estabilização dos mercados, a organização passou a ter um papel decisivo na economia mundial.
Configurando-se como um cartel ao definir preços, cotas de produção, divisão de clientes e mercado entre seus integrantes concorrentes, a OPEP já protagonizou duas grandes crises internacionais na década de 1970, conhecidas em nossa historiografia como "choques".
Tanto em 1973 quanto em 1979, por questões geopolíticas, a imposição de embargos, e a consequente queda da capacidade de produção por conta de conflitos, fez com que os preços aumentassem vertiginosamente.
Em anúncio publicado na última terça-feira (4), a OPEP e seus aliados reafirmaram sua intenção de aumentar em 400 mil barris por dia (bpd) a produção da commodity em fevereiro, conforme plano acertado em julho do ano passado. Para entender no que a decisão do cartel implica, a Sputnik Brasil conversou com o professor de Economia e Relações Internacionais no Ibmec de São Paulo Alexandre Pires e o professor de Geoeconomia Internacional da ESPM de São Paulo Leonardo Trevisan.
Sem surpresas
A declaração da OPEP obedeceu a seu planejamento anterior e não causou surpresas. Para o professor Alexandre Pires, a organização já havia indicado aos associados a intenção de aumentar a produção, mesmo que alguns estejam tendo dificuldades em reativar sua capacidade ociosa.
"A partir de 2020, em razão da queda da demanda por petróleo, por conta da pandemia de COVID-19, acredito que esses 400 mil bpd sinalizados para fevereiro de 2022 não vão se traduzir na prática em um número exato, teremos provavelmente menos da metade disso", afirmou Alexandre.
Para o professor, vários associados têm apresentado dificuldades em atingir as metas estabelecidas pelo cartel, quer seja em razão de distúrbios civis, como a Líbia, quer seja pelo impacto que a pandemia promoveu nos setores produtivos.
"Não só alguns sócios africanos como Líbia, Nigéria e Angola, mas até mesmo a Rússia está tendo dificuldades em assumir os custos para reativar a capacidade ociosa. Então, essas várias sinalizações da OPEP não necessariamente vão gerar um alívio nos custos da produção ou o superavit necessário para que as reservas de petróleo mundial sejam recompostas", disse.
Segundo as estimativas, dois terços do mercado já foram recompostos em relação a 2020, ano de grande queda na produção. Para o professor Leonardo Trevisan, o anúncio trouxe sim uma surpresa, a de que o cronograma de aumento, apesar das variáveis em jogo, foi mantido.
"Na verdade, o que ocorreu é que alguns se surpreenderam de que o cronograma de aumento anunciado pela OPEP foi efetivamente cumprido. É verdade, e é preciso ponderar, que essa surpresa veio junto com o fato de que anteontem [4] o relatório do Departamento de Energia dos EUA mostrava a sexta queda consecutiva nas reservas de óleo bruto", ressaltou Leonardo.
A sexta queda consecutiva das reservas gerou uma forte pressão nos preços do barril, que associada à escassez da oferta, aumentou significativamente os preços.
"Também não é conveniente para os exportadores essa alta de preços muito repentina. É preciso ver que ontem o petróleo Brent [cru] bateu US$ 80,70 [cerca de R$ 460], não era previsto esse aumento. A reunião da OPEP, de alguma forma, cumpriu o prometido e reorganizou a relação de preços, reorganizando oferta e demanda do petróleo", afirmou.
Aumento na produção
Mesmo diante de toda a situação global em virtude da pandemia de COVID-19, o comunicado da OPEP deixa explícito que a meta de produção é mensal, ou seja, pode haver reajustes futuros. Ao aumentar a produção diária para 400 mil bpd, a medida visa aumentar a oferta do combustível para conter a alta de preços e recuperar os números anteriores à pandemia.
"Mesmo 400 mil bpd não é um número capaz de reverter a alta recente do petróleo. Nós ainda estamos muito acima do preço do barril pré-pandêmico, que era de US$ 50 [cerca de R$ 285]", disse Alexandre ao pontuar que "já tivemos uma alta, chegou muito próximo a US$ 100 [cerca de R$ 570], depois um recuo e agora voltamos a ter o barril do petróleo na casa de US$ 80, ou seja, ele está subindo mesmo com esse aumento da produção dos últimos meses."
A elevação na produção não é considerada ousada por ambos os especialistas, mas para Leonardo está absolutamente dentro dos padrões anunciados pelo cartel.
"É preciso ter sempre presente que a OPEP, desde as suas reuniões no começo da pandemia, estabeleceu o que ela mesma chamou de mecanismos de compensação, um processo em que todo o produtor de petróleo que não cumpre as marcas de elevação de produção tem até julho deste ano par fazê-lo", explicou.
A OPEP está acompanhando a produção de seus associados todos os meses para que o mecanismo de compensação funcione e o cronograma apresentado avance conforme planejado na última reunião do grupo. A pandemia prejudicou o mercado do petróleo de diversas maneiras, e a presença da nova variante Ômicron pode significar outro retrocesso dentro desta perspectiva de recuperação.
O anúncio da organização, no entanto, ocorreu junto com o anúncio do Sistema de Reserva Federal norte-americano sobre a alta de juros e o professor Leonardo explica a relação entre eles.
"Ela [a OPEP] sabe perfeitamente que, se os juros aumentarem, ela terá que dar a sua taxa de contribuição para que não ocorra uma subida muito forte nos preços da energia, para que compense a crise. Se olharmos com alguma calma, essa decisão é uma decisão ponderada a partir de pesos e contrapesos da OPEP, seguindo seu calendário, cumprindo o anunciado e observando a realidade econômica de conjuntura dos preços de energia neste momento", disse.
Obstáculos recentes
De todos os associados do cartel, a Líbia tem enfrentado possivelmente o cenário mais problemático diante do panorama geopolítico internacional. Os distúrbios civis que tem enfrentado levaram ao fechamento de grande parte de sua área de produção. Alexandre nos chama a atenção para o recuo significativo na produção do país.
"O recuo significativo de mais de 300 mil bpd é grave, porém a Líbia não é a única que tem apresentado dificuldades. Angola, Nigéria, existem investimentos necessários que não estão sendo alcançados por esses integrantes. Até mesmo a Rússia tem mostrado dificuldades em aumentar sua produção. Hoje, a cota russa está igual à cota da Arabia Saudita", afirmou.
Com tantos problemas para retomar a produção, os sinais que os membros da OPEP mandam para o mercado lançam algumas dúvidas para os investidores e produtores sobre a estabilidade do setor.
Leonardo ressalta, no entanto, que "se a Líbia, que é um produtor médio, oferecer algum risco para a produção, outros produtores no mundo com poder de produção próximo ao dela estão esperando sua oportunidade para subir seus valores, estou falando de Angola, Argélia e até mesmo de Venezuela".
Mesmo sendo ela um produtor histórico com infraestrutura importante para o fornecimento de petróleo no mercado internacional, Leonardo garante que existem candidatos para repor a produção líbia em tempo bastante promissor e suficiente para evitar oscilações muito fortes e de risco.
Petróleo em 2022
Ainda que o preço do petróleo seja influenciado pelas questões geopolíticas, fatores como a pandemia de COVID-19 e as pressões econômicas oriundas dos EUA podem ter um papel preponderante no que pode acontecer.
Embora Alexandre acredite que as tensões na Europa envolvendo Ucrânia e Rússia possam atrapalhar bastante a retomada na produção, Leonardo lembra que três organismos internacionais de análise de preços do petróleo concordam que, até o final deste ano, o barril estará na casa de US$ 60 (cerca de R$ 342).
Segundo os especialistas, a aproximação da China com a Rússia para o fornecimento de petróleo diante da crise que se estabelece com Taiwan e a interferência norte-americana também são fatores importantes que podem impactar as relações internacionais e consequentemente os preços neste cenário pandêmico, em que ainda não se sabe o tamanho do risco que significa a variante Ômicron para o setor.
Enquanto isso, no Brasil pré-eleitoral, a política de preços da Petrobras tende a permanecer a mesma, com o preço interno do petróleo muito influenciado pelo mercado do Brent. "O que nós vamos ter, muito provavelmente, é uma manutenção do preço do combustível, sobretudo da gasolina e do diesel, porque nada indica que o preço do petróleo vai voltar aos patamares que vimos em 2019, antes da pandemia", disse Alexandre.
Um pouco cético quanto à sinalização de recuperação da OPEP, o especialista acredita que a tendência é de que "o preço continue pressionado para cima, o que vai fazer com que a Petrobras tenha de manter os preços atuais, a menos que haja uma decisão de escolher uma nova política de preços, o que em ano eleitoral é possível, mas pouco provável", finalizou.
Para Leonardo, o Brasil deve acompanhar as tendências internacionais, até mesmo em função do desconhecimento do tamanho do dano que a nova variante pode causar.
"A economia brasileira tem uma previsão, por uma série de outras expectativas, de crescimento mais modesto, se não for negativo, neste ano. É evidente que se o preço do barril, por um crescimento externo, avançar pela maior demanda, nós teremos aqui no Brasil mais inflação", afirmou.
Com a alta de inflação potencializada pelo aumento de preços nos barris de petróleo, o custo mais alto a ser pago pela energia obrigará o Banco Central a acelerar o aumento da taxa básica de juros, o que resultará na desaceleração do crescimento econômico.
Com a economia mundial crescendo por volta de 4%, quem vai sentir o peso das decisões da OPEP será o consumidor final ao abastecer seu carro no posto de gasolina.
Diferente de Alexandre, Leonardo se mostra mais otimista, mas não deixa de salientar que não passam de previsões.
"Se as previsões estiverem corretas, de que o petróleo terá uma produção equilibrada com o consumo para não ocorrerem fortes oscilações de preço, podemos talvez prever que no segundo semestre os preços da energia, no Brasil, sofram algum declínio. Mas essa é uma previsão, evidentemente", concluiu.