Desde a aprovação da vacinação infantil no Brasil pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em 16 de dezembro de 2021, uma série de declarações do presidente Jair Bolsonaro (PL) e do ministro da Saúde Marcelo Queiroga levantaram dúvidas sobre a imunização infantil.
O governo federal insiste que a vacinação para crianças deve ser uma escolha dos pais e lança dúvidas sobre a segurança da vacina mesmo após o início da aplicação em vários países com aprovação das respectivas agências sanitárias.
Apesar disso, após manobra envolvendo audiência pública sobre o assunto, a vacinação de crianças contra a COVID-19 foi incluída pelo governo federal no Plano Nacional de Imunização (PNI), em 4 de janeiro deste ano – 20 dias após a aprovação da Anvisa.
Para o infectologista José Pozza, professor da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), a percepção inicial de que crianças não seriam afetadas pela COVID-19 atrasou a produção de vacinas para esse grupo, mas não restam dúvidas em relação à necessidade da vacinação infantil.
"Mesmo que tardiamente, hoje a gente tem estudos grandes com mais de um tipo de vacina que atestam a segurança e, na verdade, até a proteção que essas vacinas trazem", afirma Pozza em entrevista à Sputnik Brasil.
Atualmente, a vacinação no Brasil cobre 67,8% da população com as duas doses e 75,81% com pelo menos uma dose. Já a dose de reforço chegou a apenas 14,09% da população.
Profissional da saúde israelense aplica uma dose da vacina Pfizer em uma criança de 6 anos em Jerusalém, em 23 de novembro de 2021
© AFP 2023 / Menahem Kahana
O pesquisador ressalta que a doença foi a maior causa de mortes entre crianças ao longo do último ano no Brasil e que possíveis sequelas da infecção podem ser permanentes. Desde o início da pandemia, pelo menos 364 crianças morreram vítimas da doença no país.
"A gente teve um grupo que ficou suscetível a perpetuar essa infecção. Então, foram vacinados os adultos - inicialmente idosos e profissionais de saúde -, depois os jovens, sendo que as crianças ficaram ainda como um grupo suscetível a se infectar ou transmitir sem essa cobertura adequada de vacinas", ressalta.
O alerta do infectologista se estende aos adultos, uma vez que com as crianças desprotegidas, o risco de transmissão da doença aumenta. Pozza lembra que é comum que crianças recebam cuidados dos avós, o que também amplia o risco para um grupo potencialmente mais vulnerável – os idosos.
Governo não tem mais justificativa para atrasar a vacinação
O infectologista José Pozza lamenta a transformação da pandemia em "palanque político" e critica a consulta pública realizada pelo Ministério da Saúde em relação à vacinação de crianças no Brasil. Segundo o pesquisador, a consulta foi uma tentativa de justificar "mais uma vez" o atraso na aquisição de vacinas, mesmo com um consenso global da comunidade científica em torno da imunização de crianças.
"O governo ficou em uma posição em que não tem mais artifícios para poder postergar isso [a vacinação de crianças]", aponta o infectologista, que acredita que o máximo que o governo pode fazer agora é espalhar notícias falsas. "Em matéria de logística, de distribuição, não existe nada plausível que justifique o atraso na distribuição a partir da chegada desse imunizante".
A expectativa atual é de que os primeiros lotes de vacinas cheguem na sexta-feira (14) ao Brasil e que até março cerca de 20 milhões de doses estejam no país – metade do necessário para vacinar as 20,5 milhões de crianças brasileiras com duas doses.
Enfermeira aplica vacina contra a COVID-19 em adolescentes em posto na Cidade das Artes, 24 de setembro de 2021
© Folhapress / Adriano Ishibashi/FramePhoto
Para José Pozza o governo federal precisa acelerar a aquisição de doses para garantir a rápida cobertura vacinal das crianças. Segundo o infectologista, conforme a vacinação avance, a confiança sobre os imunizantes deve aumentar.
"A gente viu que muita gente que no discurso diz que não vai tomar, mas na hora do aperto toma a vacina. Então, acredito que muita gente que está dizendo que não vai levar os filhos, por algum motivo, na hora que começar a campanha e que se der conta do benefício e da proteção que isso vai trazer para as crianças, vai entrar na fila para tomar", aponta.