Panorama internacional

'Teve acesso a privilégios': saiba como foi a vida de Fauzi na Rússia e por que ele será extraditado

A Procuradoria-Geral da Rússia autorizou a extradição do brasileiro Eduardo Fauzi, suspeito de atacar a produtora Porta dos Fundos, em 2019. Saiba como foi a estadia de Fauzi nas prisões russas e porque Moscou decidiu extraditá-lo.
Sputnik
No dia 12 de janeiro, a Procuradoria-Geral da Rússia anunciou sua decisão final em relação ao caso Eduardo Fauzi: o suspeito de participar do grupo que jogou coquetéis molotov na produtora Porta dos Fundos, em dezembro de 2019, deve ser extraditado para o Brasil, onde é acusado de crime de terrorismo e incêndio.
O economista e empresário está preso na Rússia desde setembro de 2020, inicialmente na cidade de Ekaterinburgo e, atualmente, na capital Moscou. "Quando ele foi preso, os documentos apresentados para a diretoria da prisão davam a entender que ele tinha cometido assassinato", relata o ex-advogado de Fauzi, Vitaly Tchernykh. "Por isso colocaram ele no pavilhão junto a todo tipo de assassino e outros suspeitos de violentar civis."
Dadas as peculiaridades do sistema legal da Rússia, os crimes de Fauzi foram enquadrados como assassinato, o que deixou poucas brechas para que o economista e seus advogados conseguissem evitar uma extradição para o Brasil.

"Brasil e Rússia tem um acordo de cooperação jurídica que prevê total confiança mútua nas decisões dos órgãos estatais. [...] Se a polícia brasileira declara que uma pessoa é procurada, a polícia russa acatará essa decisão como se fosse dela própria.", explica Tchernykh.

Brasil e Rússia ainda possuem um Tratado de Extradição, assinado em 2002 e promulgado no Brasil em 2007.
Segundo ele, as partes devem extraditar cidadãos presentes em seus territórios para responder a processo penal ou para execução penal no país de origem. O acordo entre Moscou e Brasília prevê exceções para crimes de natureza política, no entanto, se o suspeito tiver cometido crimes da legislação penal comum, não poderá ser agraciado com a leniência de Brasil e Rússia.
Eduardo Fauzi, suspeito do ataque com coquetéis molotov à produtora Porta dos Fundos, antes de ser preso, na Rússia
Por isso, no tocante aos pedidos de extradição, "se a decisão é fundamentada juridicamente no Brasil, se lá ela cumpriu todo o processo legal e está em vigor, então ela também estará em vigor no território da Rússia".
Nesse contexto, uma das únicas saídas encontradas pela defesa para manter Eduardo Fauzi na Rússia foi o pedido de asilo político. "E foi isso o que fizemos", relata o advogado.
"O asilo político era necessário por motivos como violação dos direitos de liberdade de crença [...] e pelo risco que a polícia e a comunidade gay brasileira representavam [para Fauzi]".
Além disso, Fauzi tem ligações pessoais com a Rússia, o que poderia auxiliar no seu processo de acolhimento no país euroasiático. Ele tem um filho em Moscou, cuja mãe se apresentou aos tribunais russos para defender seu ex-companheiro, mas sem sucesso. De acordo com o portal local da região russa dos Urais EANews, o filho seria ilegítimo. Mas a redação da Sputnik Brasil obteve acesso à certidão de paternidade de Fauzi, emitida em junho de 2021 pelas autoridades competentes russas, confirmando a filiação da criança.
Eduardo Fauzi também é investigado pela Polícia Civil do Rio de Janeiro por organização criminosa
Em Ekaterinburgo, na região dos Urais, Fauzi conta com o apoio de sua atual namorada, que regularmente levava alimentos para o preso e fazia apelos pela sua liberação. O brasileiro não deixava esse cuidado sem resposta, e fazia declarações de amor a ela durante suas audiências na Rússia: "Uma verdadeira novela", disse uma testemunha para o EANews. Apesar dos apelos, o pedido de asilo político foi negado pelo Serviço Federal de Imigração russo.
As autoridades locais negaram que Fauzi pudesse sofrer tortura por parte da polícia brasileira, ou que a comunidade gay pudesse, de fato, colocar sua vida em risco.

"As autoridades declararam o seguinte: o Brasil é um Estado democrático, no qual a liberdade de crença é protegida constitucionalmente [...] que a polícia brasileira é um órgão estatal legítimo, e que não há bases para que a Rússia suspeite que ela possa incorrer em prática de tortura", lembrou o advogado. "No tocante à comunidade gay [...], o pedido de asilo não foi capaz de provar que, de fato, havia uma ameaça contra ele."

Eduardo Fauzi, acusado de jogar coquetel molotov na produtora Porta dos Fundos e que viajou para Rússia após o ocorrido (foto de arquivo)
Com o pedido de asilo político negado, a estadia de Fauzi nas prisões russas parecia cada vez mais uma contagem regressiva para sua extradição para o Brasil. No entanto, o brasileiro não deixou de gerar polêmica depois de ser transferido para a capital russa, ao publicar vídeos de dentro de sua cela nas redes sociais. Os vídeos, feitos em dezembro de 2021 e janeiro de 2022, teriam sido compartilhados pelo WhatsApp entre simpatizantes de grupos integralistas brasileiros.

"Hoje são 9 de janeiro de 2022 [sic], eu portanto estou preso na minha cela moscovita e daqui quero mandar um abraço para o meu camarada Cássio Guilherme Reis Silveira e para toda a tropa do MIL-B, Movimento Integralista e Linearista brasileiro", diz Fauzi de dentro do cárcere.

Em um segundo vídeo, Fauzi participa de uma ceia de ano novo junto a seus colegas de cela, um dos quais se declara, em russo, membro da máfia armênia. De acordo com o advogado Vitaly Tchernykh, a gravação e publicação de vídeos de celas na Rússia é ilegal: "Ele estava em poder de um telefone e gravou esses vídeos. Isso é proibido na Rússia."
Screenshot do vídeo do celular de Fauzi onde ele felicita todos com Ano Novo 2022 dentro do cárcere
Tchernykh conta que, apesar da severa recepção que Fauzi recebeu na prisão de Ekaterinburgo, "depois ficou esclarecido que ele não matou ninguém, o que pode ser concluído do material do processo [...] por isso as condições de encarceramento dele foram relativamente abrandadas", relatou.
"No final ele inclusive conseguiu um telefone, como ficou evidente. Pelo visto teve acesso a alguns privilégios", considerou o advogado. Tchernykh não acredita que a publicação dos vídeos tenha tido impacto na decisão da Procuradoria-Geral russa, emitida no dia 12 de janeiro, que estipula a extradição de Fauzi e carimba o bilhete deste brasileiro rumo ao Rio de Janeiro.
"Esses vídeos talvez influenciaram o destino da diretoria da prisão, afinal, agora haverá algum tipo de inspeção em relação a eles. Como uma coisa dessas pode acontecer? Um prisioneiro estar em poder de um telefone, fazer gravações e ainda compartilhá-las? São várias ações ilegais [feitas por Fauzi], que colocaram os seus amigos da cadeia em uma situação delicada", disse o advogado.
Nesse contexto, a saída de Fauzi de seu cárcere moscovita pode ter chegado em hora adequada.
De acordo com o portal G1, o acusado de terrorismo deve ser entregue a policiais brasileiros no Aeroporto Internacional de Moscou, duas horas antes do voo, em data ainda não estipulada. Ele deve seguir viagem rumo ao Rio de Janeiro, onde será mantido no presídio José Frederico Marques, em Benfica, na Zona Norte da capital fluminense.
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