De acordo com o Escritório Nacional de Estatísticas (NBS, na sigla em inglês), o Produto Interno Bruto (PIB) da China cresceu 8,1% em 2021 e acelerou em relação à alta de 2,2% em 2020.
Ainda que diante da crise instaurada pela pandemia da COVID-19, a economia do gigante asiático apresentou bons índices no final do ano, como o aumento de 4,3% da produção industrial e o crescimento de 4,9% em investimentos em ativos fixos - quando comparados ao mesmo período em dezembro de 2020.
No entanto, especialistas preveem que esse bom momento monetário do país asiático não se repetirá em 2022.
A Sputnik Brasil entrevistou Roberto Dumas, professor de economia chinesa no Insper, Instituto de Ensino e Pesquisa de São Paulo, para saber o que fez alavancar a economia do gigante asiático em 2021 e quais motivos levariam a China, mesmo em um momento monetário próspero, a não ter o mesmo sucesso neste ano.
Pessoas caminham por rua de pedestres cercada por pequenas lojas na cidade de Changsha, na província chinesa de Hunan, em 7 de setembro de 2020
© AP Photo / Hector Reamal
Dumas credita o crescimento do PIB chinês às exportações, que mesmo durante a pandemia, continuaram fortes devido à alta demanda de suprimentos médicos e de tecnologias como tablets, celulares, computadores na preparação das casas para atender ao novo modelo de trabalho de home office impulsionado pelas restrições sanitárias.
"A maior parte dos insumos para produção dessas tecnologias vem de outros países, mas o produto final é chinês, que exporta para o mundo todo [...] 45% do que a China exporta, são insumos importados que acabam sendo montados dentro do país."
No entanto, o especialista considera que próspero aumento do PIB vivido por Pequim em 2021, não se repetirá em 2022, e que o PIB "para esse ano deve ficar em torno de 4,5% e 5% por uma série de idiossincrasias".
"Primeiro a política de 'COVID-19 zero', que impõe uma série de lockdowns em lugares importantes para produção chinesa, por exemplo o lockdown na província de Xian, lugar de fabricação dos chips da Samsung [...]. Ao mesmo tempo, o mundo não vai mais importar tanto equipamento eletrônico como importou em 2021 [...] e junto a isso há os Jogos Olímpicos de Inverno, que o país vai parar para assistir culminando com o feriado lunar", explica.
Um caminhão pulveriza desinfetante em ruas desertas em Xian, em meio ao lockdown vivido na região, 31 de dezembro de 2021
© AFP 2023 / Mídia Associada
Outro ponto citado por Dumas, que dificultará a repetição da "bora maré econômica" chinesa, é a crise da segunda maior empresa imobiliária chinesa, a Evergrande, uma vez que essa crise foi "vivida em partes em 2021, mas em 2022 vai pegar o ano todo".
"O setor não vai ser tão benéfico para o crescimento econômico chinês como foi em 2020-2021", diz o professor, salientando que o cenário imobiliário chinês também vai impactar o Brasil, visto que "a demanda de importação de minério de ferro não será tão alta porque a construção de casas e de infraestrutura na China não crescerá como o mercado está esperando".
Trabalhador empurra carrinho em frente a placa que mostra a operação do Evergrande Group na China, em complexo habitacional do incorporador imobiliário em Pequim, em 8 de dezembro de 2021
© AP Photo / Noel Celis
"[Em um lado positivo] A economia chinesa pode se beneficiar com o 5G, mas todas aquelas condições que vimos em 2021 não se repetirão em 2022. Se falarmos de um crescimento de 4,5%, 5%, é um ótimo índice, mas para China, não. Será o mais baixo desde 1989."
Prova de que o gigante asiático sabe que não terá os mesmos índices é o fato de que, na semana passada, o Banco Central da China "já está cortando taxas de juros para empréstimo, praticamente o único Banco Central que está fazendo uma política monetária expansionista no momento em que a inflação mundial está subindo", diz o especialista.
Outra condição interna que pode sofrer alteração negativa é a taxa de desemprego no país, que hoje está em 5,1%, e que pode crescer ainda mais ao longo do ano, segundo o professor.
Já externamente, por uma ótica geopolítica, Dumas observa "um certo tensionamento econômico entre EUA e China".
Já externamente, por uma ótica geopolítica, Dumas observa "um certo tensionamento econômico entre EUA e China".
"Não pelos números que virão em 2022, mas pelos que vieram em 2021, o déficit com os EUA aumentou muito [...], então vejo uma deterioração das relações econômicas entre os dois países, uma vez que o superávit chinês subiu muito ano passado comparado ao norte-americano, o que era justamente o que os EUA não queriam que acontecesse."
Economia brasileira e BRICS
Sobre a crise econômica no Brasil, Dumas aponta as consequências constantemente citadas diante da instabilidade, como a inflação, a alta dos combustíveis e das commodities, o aumento da taxa de juros, mas salienta que há algo pior que isso, que é "não respeitar o teto de gastos e furá-lo".
"[...] Isso é calote, quando vemos que o governo está gastando mais do que pode, os financiadores da dívida pública, que somos nós, pedimos mais taxas de juros e isso prejudica o crescimento do país [...] acho que, este ano, o crescimento do PIB brasileiro fica entre 0% e -0,5%", explica.
Na visão do especialista, o Brasil precisa aprender que "não é os EUA, China, Japão, Coreia do Sul, países que têm credibilidade fiscal, os quais podem gastar o quanto quiserem que os juros não vão subir", além disso, "não é possível continuar a comprar título público se vemos que o Estado continua gastando".
"Não estou falando do governo de agora, estou comentando de uma crise que vem desde 1960, 1970, que é a crise do gasto do governo. [...] Não existe almoço de graça", afirma.
Arthur Lira preside a votação da PEC dos Precatórios em Brasília (DF), 3 de novembro de 2021
© Folhapress / Frederico Brasil
O especialista também considera o atual contexto econômico brasileiro "um avião sem turbina", dado que "não há motor para o seu crescimento".
"Qual vai ser o motor de crescimento para economia brasileira em 2022? Consumo não vamos ter, porque o brasileiro não está com renda e a taxa de juros está alta, investimento não teremos por não sabermos ainda quem será o próximo presidente, o governo não tem dinheiro para gastar, ou seja, é um avião sem turbina."
Itens da cesta básica como arroz, feijão e óleo de soja tiveram aumento no preço devido a inflação. Além desses produtos, o café também teve um aumento expressivo, de cerca de 35% em capitais brasileiras, São Paulo, 11 de janeiro de 2022
© Folhapress / Roberto Gardinalli
No ano passado, foi sugerido que, dentro do BRICS, o Brasil "virou país de segundo escalão porque sua economia perdeu o prumo", posto que "exceto pelas matérias-primas, o país quase não oferece produtos competitivos para o mercado mundial", conforme publicado pela agência Brasil de Fato.
Para Dumas é difícil dizer que o Brasil é segundo escalão dos BRICS, ao mesmo tempo, destaca que há muitas diferenças entre os países do bloco em termos de "modo de produção e condução política", que acaba não gerando semelhanças "de crescimento chinês com o brasileiro, por exemplo".
"Na minha humilde opinião o Brasil não mereceria fazer parte desses países com essa pujança de crescimento principalmente quando falamos de China e Índia."
A economia chinesa teve forte início em 2021, à medida que a atividade se recuperou de uma queda induzida pela pandemia no ano anterior, mas perdeu força devido à crise imobiliária, restrições de dívida e restrições rigorosas da COVID-19, que atingiram o consumo.
Segundo Larry Hu, economista-chefe do banco de investimento Macquarie citado pelo Infomoney, "os dados do PIB melhores do que o esperado não mudam o quadro geral: a economia da China está sob vários ventos contrários no momento e um ciclo de flexibilização da política está em andamento".