Na última sexta-feira (21), o Facebook promoveu uma nova ofensiva sobre a liberdade de imprensa e censurou postagens da Sputnik Árabe "por motivos de segurança". Nada novo até aqui: a própria Sputnik Brasil já foi vítima de retaliação semelhante, em dezembro de 2018, quando a página foi bloqueada sem explicações.
Episódios de censura organizados pela rede social de Mark Zuckerberg não são uma novidade e multiplicam-se nos últimos anos. Em 2020, foi atribuído um rótulo de violação das diretrizes da comunidade da rede social a um vídeo sobre a vida do tenente-general iraniano Qassem Soleimani, assassinado pelos EUA em um ataque de drone.
Além disso, várias publicações sobre a aprovação para uso da vacina russa Sputnik V pelo Ministério da Saúde da Rússia foram bloqueadas e marcadas como "[publicações] enganosas sobre a eficácia dos medicamentos durante a pandemia".
Uma profissional da saúde faz a aplicação da vacina russa Sputnik V em um centro de vacinação em Moscou, na Rússia, no dia 19 de novembro de 2021. Foto de arquivo
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Para Alessandra Mello, presidente do Sindicato dos Jornalistas de Minas Gerais, a prática acontece porque o debate acerca da criação de uma legislação sobre as gigantes das mídias sociais está contaminado. Segundo ela, discutir a regulamentação das redes muitas vezes se confunde com censura prévia do Estado.
"É o que está acontecendo. É lamentável, e é necessário o debate sobre as plataformas digitais no mundo inteiro. É preciso regulamentação, e isso não é censura. É controle para evitar práticas abusivas. Informação é poder", comentou.
O controle da informação não deve ser entendido como uma estratégia recente orquestrada por empresas privadas nos Estados Unidos. Há muitos anos isso é feito, seja pela indústria cinematográfica hollywoodiana, seja por outras ferramentas de "poder brando" (soft power) que manipulam informações e, sobretudo, o acesso a elas.
Por essa razão, é cada vez mais difícil, em países ocidentais, tratar o tema da regulação das redes sociais com a seriedade necessária. Além disso, no caso da América Latina, a dependência econômica dos EUA cria barreiras financeiras para que as discussões não avancem.
O exemplo europeu ilustra esse cenário de maneira clara. Na Europa, as redes sociais são organizadas por meio de um sistema de corregulação. Cabe ao governo impor obrigações procedimentais e organizacionais às mídias sociais, que por sua vez devem garantir a remoção imediata de conteúdo ilegal e a avaliação adequada da decisão.
O problema, conforme apontou Maria José Braga, presidente da Federação Nacional de Jornalistas (FENAJ), em entrevista à Sputnik Brasil, é o viés ideológico. O caso Europeu demonstra que "parece haver um viés ideológico [nas redes sociais] alinhado aos interesses geopolíticos e econômicos estadunidenses. O que nos leva a crer que as censuras não são 'equívocos' dos algoritmos, mas ações deliberadas".
Essas "ações deliberadas", como classificou a especialista, passaram a acontecer com mais intensidade principalmente após o Congresso dos EUA pressionar Mark Zuckerberg e outros CEOs proeminentes no âmbito das redes sociais.
Desde a eleição de Donald Trump em 2016 e as acusações de que as redes incentivavam a polarização política por meio dos algoritmos, houve "uma sinalização" das big techs em direção ao governo norte-americano, sobretudo no que tange ao controle social daquilo que é de interesse dos EUA.
Na Alemanha, o canal RT, da Rússia, foi bloqueado diversas vezes ao longo de 2021. Em maio, o escritório de imprensa da RT informou que o Facebook removeu a página do projeto Redfish por incluir publicações antifascistas com fotos históricas, afirmando que elas "violam os padrões da comunidade".
Ações semelhantes se proliferam. Em setembro de 2020, o Twitter baixou o status dos resultados de busca da agência de notícias russa RIA Novosti, já depois de o mesmo acontecer com as contas da RT e da Sputnik. Em dezembro de 2020, o Facebook bloqueou a conta do portal Baltnews, e em março eliminou uma entrevista da RT França com um legislador da União Europeia.
O estado da Califórnia detém um projeto de lei denominado "Ato Político da Califórnia para Redução de Ciberfraudes" (California Political Cyberfraud abatement Act). O ato tem como objetivo tornar ilegais os denominados atos de ciberfraudes, definidos como aqueles que impossibilitem de qualquer maneira o acesso as informações políticas verdadeiras.
A iniciativa californiana destaca "que os desenvolvedores de redes sociais estão realizando fortes investimentos em suas plataformas para conseguirem alterar o algoritmo de exibição de postagens. Tal iniciativa pode, a médio-longo prazo, diminuir o número de notícias falsas".
O problema, entretanto, como se entende de modo cada vez mais latente, é que os EUA e seus aliados na Europa passaram a decidir o que são notícias falsas, corrompendo, deste modo, a legislação de outros países, e também sabotando a discussão sobre práticas condenáveis nas redes sociais.
É neste sentido que urge a necessidade de cada país implementar políticas de regulamentação das plataformas digitais, ou a censura privada que essas plataformas estabelecem continuará acontecendo, indiscriminadamente, à mercê dos interesses estabelecidos por parlamentos que representam exclusivamente os interesses norte-americanos.
Para Alessandra Mello, essa "é a forma de controlar a informação do mundo, de maneira discricionária, sem nenhum tipo de regulamentação, controlando uma arma tão poderosa quanto a informação de acordo com os seus interesses geopolíticos".
A posição da Rússia
A Rússia expressou sua preocupação com relação às ações discriminatórias das redes sociais norte-americanas contra a mídia russa. O Ministério das Relações Exteriores do país declarou que o bloqueio de conteúdos da mídia russa pelas plataformas digitais dos EUA representa "uma censura" praticada pelos monopólios das redes sociais de acordo com a política externa do governo norte-americano.
"O governo dos EUA tenta retirar de circulação as fontes de informação que expressam opiniões diferentes dos acontecimentos em torno do mundo, que não coincidem com os pontos de vista da mídia norte-americana, reprimindo a liberdade de expressão e a democracia", ressaltou.
Outras violações de direitos
Jornalistas russos já sofreram diversas violações de direitos nos Países Bálticos como, por exemplo, em 2019, quando políticos da Lituânia solicitaram o bloqueio de conteúdos da Sputnik Lituânia. Em maio de 2019, o editor-chefe da Sputnik Lituânia, Marat Kasem, foi detido e expulso do país por cinco anos por ser considerado "uma ameaça à segurança nacional".
No final de 2019, a Sputnik Estônia foi pressionada pelas autoridades do país a encerrar suas operações. Na ocasião, as autoridades também citaram as sanções da União Europeia impostas a Dmitry Kiselev. No entanto, o próprio portal não aparece em nenhuma lista de sanções.
Em 2020, o Conselho Nacional de Comunicação Social Eletrônica da Letônia proibiu a transmissão de sete canais do grupo RT (Russia Today) baseando-se nas sanções impostas pela União Europeia (UE) contra Dmitry Kiselev, diretor-geral da agência Rossiya Segodnya.
No dia 3 de dezembro de 2020, os funcionários da Sputnik Letônia e da Baltnews, mídias pertencentes ao grupo Rossiya Segodnya, foram alvos de buscas e tiveram seus equipamentos e aparelhos de comunicação confiscados como parte de uma ação na qual são acusados de violar, com seu trabalho, o regime de sanções da União Europeia.