'UE prega igualdade de gênero na política, mas não consolidou esse ideal até hoje', diz especialista
15:28, 24 de janeiro 2022
Em 70 anos, o Parlamento Europeu teve em sua chefia apenas duas mulheres. Com a vitória da jurista Roberta Metsola, esse número chega a três, mas ainda é pequeno, visto que 31 gestões já passaram pela Casa. A Sputnik Brasil entrevistou analista para saber o que esperar de seu comando e como está a representação de lideranças femininas na UE.
SputnikNa semana passada, o Parlamento Europeu recebeu uma nova autoridade para ocupar a cadeira da presidência: a maltesa Roberta Metsola, do Partido Popular Europeu (PPE).
Sinto-me honrada pela responsabilidade que hoje me é confiada como presidente do Parlamento Europeu. Quero agradecer aos meus colegas pelo apoio e aos colegas candidatos Alice Bah Kuhnke e Sira Rego.
Pode contar comigo para representar os valores europeus que a nossa Casa defendeMetsola entra no lugar de David Sassoli, que faleceu, de forma repentina,
no último dia 11, e do qual era vice-presidente. No entanto,
novas eleições foram realizadas para trazer uma nova pessoa ao cargo.
A eurodeputada, e agora, presidente, tem uma abordagem mais conservadora, por exemplo ao se posicionar contra o aborto, porém, ao mesmo tempo, apoia os direitos da comunidade LGBTQI+, e disse querer tornar a União Europeia (UE) mais atrativa para os jovens, de
acordo com o Euronews.
"O modelo político que desenvolvemos conduziu o nosso continente à democracia, à prosperidade e igualdade, mas se queremos agora elevar a Europa aos níveis prometidos à próxima geração, precisamos de formar algo ainda mais forte, em sintonia com os tempos que vivemos, que motive um público mais jovem e mais cético a acreditar na Europa", sublinhou.
Antes de se tornar presidente, Metsola foi assessora jurídica da ex-chefe da diplomacia europeia, Catherine Ashton. Em 70 anos, a jurista será a terceira mulher a ocupar a chefia do Parlamento, após Simone Veil (1979-1982) e Nicole Fontaine (1999-2002).
A vitória de Metsola, por um lado, é bastante positiva visto que poucas mulheres ocuparam lugar de liderança na organização, analisa Carolina Pavese doutora em Relações Internacionais, professora e coordenadora do Núcleo de Estudos e Negócios Europeus na ESPM especializada em União Europeia entrevistada pela Sputnik Brasil.
No entanto, isso também mostra a resistência do Parlamento em ter figuras femininas em sua chefia.
"O Parlamento existe desde 1952 e seus presidentes são eleitos a cada dois anos e meio, então, estamos falando de 31 gestões até agora nas quais só três foram executadas por mulheres, ou seja, apenas quase 10% do total. Um número muito pequeno, que mostra que a política europeia, assim como a política brasileira, é um campo extremamente machista", analisa.
Pavese também observa que diante desses números, é possível afirmar que "nesses 70 anos, não se conseguiu consolidar uma igualdade de gênero na política como a UE tanto prega e como o Parlamento tende a advogar".
Apesar de já ser a vice-presidente com David Sassoli e ser conhecida no ambeinte político europeu, Metsola também
seria vista como um ativo "seguro",
de acordo com o Politico, e sua "ascensão [e eleição] foi impulsionada pelo forte apoio do grande contingente de centro-direita e conservador do Parlamento, bem como de muitos centristas".
Função do Parlamento
Segundo
relatado pelo Expresso, as principais pautas que desafiarão a gestão de Metsola serão temas fundamentais sobre o meio ambiente, como a redução de emissões de carbono; a digitalização da economia e o drama da imigração e das fronteiras europeias.
Ciente de que os próximos tempos vão ser difíceis, disse a jornalistas em novembro do ano passado que "os próximos dois anos e meio estarão entre os mais
críticos para o Parlamento Europeu, à medida que emergimos de uma pandemia devastadora", de acordo com a mídia.
Esses são temas a serem debatidos no momento, mas o cargo de chefe do Parlamento vai além de apenas alguns tópicos em voga. Pavese explica que a Casa "hoje conta com 705 assentos e é o braço legislativo da União Europeia".
"O objetivo do Parlamento é defender os interesses dos cidadãos europeus, principalmente os pautados em valores democráticos. [...] Ele também trabalha em conjunto às outras instituições, por exemplo, nas aprovações das leis, das normas da UE, do Orçamento, das monções em termos de política externa. Muitas propostas são feitas pelo Executivo [que é a Comissão Europeia], mas quem vota é o Parlamento. Ele tem uma função bem importante", elucida a especialista.
No caso, as responsabilidades do presidente da Casa são diversas e bem burocráticas, como "manter e fazer andar as pautas, definir a agenda dessas votações e representar a instituição".
Vale lembrar que, ao falarmos da Comissão Europeia, há uma outra importante liderança feminina, a da
belga Ursula von der Leyen, que ocupa a presidência do Executivo da UE desde 2019.
Além do altíssimo cargo, o qual demanda grande seriedade e dedicação, von der Leyen é mãe de sete filhos.
Pautas em voga na gestão de Metsola
Conforme mencionado anteriormente, a maltesa apoia os direitos da comunidade LGBTQI+, sendo tal fato confirmado por Pavese a partir do momento que "ela teve importante papel na aprovação de alguns projetos, algumas emendas e monções para defesa e promoção dos direitos da comunidade".
Entretanto, a presidente vai na "contramão"
em relação ao aborto, o que tem incomodado a opinião pública, principalmente a feminina.
"Embora a gente possa celebrar sua eleição do ponto de vista quantitativo por ter uma mulher no Parlamento, necessariamente isso não foi um ganho para agenda das mulheres no que diz respeito aos direitos reprodutivos, tendo Metsola votado algumas vezes contra a descriminalização do aborto na Europa e ido na contramão de membros da instituição e da população europeia que visam ampliar o acesso das mulheres a métodos contraceptivos e ao direito do aborto assistido e seguro", conta.
Porém, mesmo com essa característica, o que teria ancorado sua vitória seria o fato de a presidente prometer que vai ouvir a "posição coletiva do Parlamento, que é uma posição a favor da descriminalização do direito ao aborto, mesmo que seja contrária a sua opinião", afirma Pavese.
"Metsola tem pouco tempo de mandado, mas não acredito que vá fazer defesa pessoal das suas ideias diante da Casa, até porque não tem base fortalecida para isso. [...] Ela teve uma reunião com o presidente francês, Emmanuel Macron, na semana passada, o qual pediu a inclusão do direito ao aborto na Carta dos Direitos Fundamentais da UE, portanto, não creio que ela vá se opor de forma incisiva à frente parlamentar europeia."
A França, "Estado-membro tão crucial para manter a integração da União Europeia de pé" nas palavras da especialista, terá eleições presidenciais esse ano, ao mesmo tempo, dentro da presidência rotativa do bloco europeu,
começou sua administração no dia 1º de janeiro deste ano.
Pavese diz que esse momento é importantíssimo para Paris que poderá projetar seus planos e ideias dentro da liderança do bloco e que há diversas pautas para o presidente francês se posicionar.
"Temos a crise do Brexit ainda em curso, da migração, da pandemia, a Ucrânia – que se as coisas tomarem outro rumo vai ser um conflito armado em torno de vizinhos europeus – além do desafio externo que é a China, todos esses tópicos são muitas questões para o Macron se posicionar e para trabalhar em conjunto ao Parlamento Europeu."
Dentro do tópico feminista, o apoio à agenda das mulheres, pode fazer o presidente francês ganhar eleitorado nas eleições, principalmente na ala progressista.
Metsola, de 43 anos, é a mais jovem a assumir a presidência com 458 votos de 690 votos válidos. Seguida pela sueca Alice Kuhnke, do Grupo dos Verdes/Aliança Livre Europeia com 101 votos e a espanhola Sira Rego, do Grupo Confederal da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Nórdica Verde com 57 votos.
Dentro dessa votação,
os Estados-membros da UE se dividem em grupos políticos de acordo com sua identificação política, em um total de sete, que representam os 27 países-membros.
Segundo a especialista, "alguns grupos que propuseram suas candidatas insistiram na necessidade de se ter uma mulher, mas não queriam a Metsola e propuseram outras. Isso talvez seja algo que renove o nosso interesse na igualdade de gênero na política".
"Mesmo com esse pequeno número, mais de 33% do Parlamento Europeu é composto por mulheres. Eles colocaram a meta de 50%, mas ainda estão trabalhando para isso. Contudo, vale a gente lembrar, que não é só importante termos quantitativo de mulheres, mas sim avançar com políticas de direitos, não somente com representações. A gente precisa ter mulheres que advoguem pelos direitos da mulher em uma pauta progressista, e não em uma conservadora. Qualidade e quantidade é a chave para gente promover uma igualdade de gênero na política, não só na Europa como no Brasil", complementa Pavene.