Nesta quarta-feira (2), o Congresso Nacional retoma seus trabalhos após as férias de fim de ano. Em ano eleitoral, a expectativa para a aprovação de leis relevantes é baixa. Mas drama e troca-troca de partidos não devem faltar em nenhuma das casas.
De acordo com o cientista político e coordenador da pós-graduação em Ciência Política da FESP-SP Humberto Dantas, 2022 será ''um dos anos políticos mais efervescentes da história do Brasil''.
A alta temperatura política pode dificultar a aprovação das grandes reformas prometidas pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) na campanha eleitoral de 2018.
''Tem alguma chance dessas reformas andarem, mas é improvável que sejam concluídas, sobretudo as grandes reformas, como a tributária'', acredita Dantas.
Avançar pontos específicos das reformas é a estratégia de líderes como o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), cuja candidatura ao Palácio do Planalto segue na mesa.
''Pacheco quer que essa seja a sua marca no Legislativo, mas como podemos imaginar que um presidente do Senado imprima uma grande marca, em sua passagem pela casa, querendo ser candidato à presidente da República?'', questionou Dantas. ''Não haverá apoio dos colegas às suas pautas, porque não faz sentido para eles dar palanque para Pacheco.''
O presidente Jair Bolsonaro ao lado dos presidentes da Câmara, deputado Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco 3 de fevereiro de 2021 (foto de arquivo)
© Folhapress / Pedro Ladeira
O empenho pessoal de Pacheco, no entanto, parece estar rendendo frutos. A PEC-110/2019, que unifica nove tributos, deve ser discutida na primeira semana de atividade legislativa, com a leitura do relatório do senador Roberto Rocha (PSDB-MA) na Comissão de Constituição e Justiça do Senado.
Para Dantas, mesmo que o tema avance no Senado, a Câmara dos Deputados não terá o mesmo empenho para a sua aprovação.
''Reforma tributária mexe com muitos interesses: do povo, do empresariado e de diversos setores da economia, que têm subsídios das mais diferentes naturezas. Além disso, ela altera o pacto federativo e a relação entre o que a União, os estados e municípios arrecadam'', ponderou Dantas. ''É uma reforma, literalmente, de 360 graus, em que não há convergência. ''
Outro tema na mira dos presidentes da Câmara e do Senado é a aprovação de PEC que busca reduzir os tributos sobre os combustíveis. A pauta, no entanto, pode sofrer entraves por ser vista como favorável aos interesses do presidente Bolsonaro, que busca a reeleição.
Postos de Porto Alegre reajustam os valores da gasolina na manhã desta quinta-feira. O aumento na bomba foi de R$ 0,20 no litro do produto
© Folhapress / Evandro Leal
''Qualquer medida que seja tomada [em relação ao preço dos combustíveis], com certeza, não vai ser racional do ponto de vista econômico, só do ponto de vista político-eleitoral'', acredita Dantas. ''Então vai virar uma guerra e corre o risco de não andar''.
Agenda de costumes
Se parece tão difícil avançar as grandes reformas no Congresso, o Executivo planeja avançar os pontos da agenda de costumes do presidente Jair Bolsonaro (PL).
Em recente entrevista ao Poder 360, o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP), declarou que o presidente tem um ''foco muito especial no que diz respeito à discussão da redução da maioridade penal''.
Dantas, no entanto, acredita que tampouco a agenda de costumes tem chances de prosperar. Segundo ele, um dos principais obstáculos neste caso é a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF).
''O STF blinda uma parte da radicalidade da agenda do Bolsonaro, como uma arena de oposição. Hoje, [a corte] é mais eficiente como oposição do que o próprio Congresso Nacional'', considerou Dantas.
Para ele, os setores da esquerda tampouco teriam interesse em avanças pautas da agenda de costumes em ano eleitoral.
''O [ex-presidente] Lula vai fugir do debate da pauta ideológica e de costumes. Ele não precisa disso para se eleger'', disse o cientista político.
O ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva fala durante uma coletiva de imprensa em Brasília, em 8 de outubro de 2021
© AFP 2023 / Evaristo Sá
Com a esquerda desinteressada, a iniciativa na agenda de costumes ficaria a cargo de deputados mais à direita, que precisam dessas pautas para se reeleger. Mas Dantas lembra que esse grupo não atinge um terço da Câmara dos Deputados, número insuficiente para aprovar propostas como a da menoridade penal, que exige maioria qualificada.
Janela partidária
Sem perspectivas de avanço nas reformas nem na agenda de costumes, não fica claro o que o Congresso fará, afinal, em 2022.
Dantas explica que, em fevereiro, diversos temas serão colocados em pauta, dando uma falsa impressão de um ano de intensa atividade legislativa. A abertura da janela de transferência partidária no início de março deve frear a maioria das iniciativas.
''As peças precisam se realinhar no tabuleiro. E o tabuleiro político mudou muito'', anuncia Dantas.
O cientista político lembra do projeto de federação partidária entre PT, PSB, PV e PCdoB, o que pode atrair deputados de outras legendas, como o PDT de Ciro Gomes.
''Na minha opinião, [parlamentares] vão sair do PDT para não precisar apoiar o Ciro e se aliar a essa federação de esquerda'', considerou Dantas.
Ciro Gomes (PDT) participa do segundo debate televisivo das eleições de 2018 (foto de arquivo)
© Folhapress / Diego Padgurschi
O cenário também é de intensa movimentação na direita do espectro político, gerada principalmente pela filiação de Bolsonaro ao PL.
''Um grande grupo bolsonarista quer sair do PSL e migrar para o PL. E deputados do PL, insatisfeitos com essas novas filiações, buscarão abrigo em partidos como PP e MDB'', lembrou. ''Ainda temos [os parlamentares] do PSDB que podem querer sair para não fazer campanha para o [candidato João] Doria. ''
Fechada a janela de transferência partidária, o Congresso terá dois meses de trabalho mais intenso, entre abril e maio. Sessenta dias, no entanto, podem ser insuficientes para debater grandes projetos para o país.
''Em junho temos festa junina, e os parlamentares voltam para os seus estados. Em julho, recesso. E em agosto começam as eleições e, assim, acabou o ano do Congresso'', sentenciou Dantas.
Apesar do cenário parecer desolador, a queda na atividade do Congresso em ano de eleições é um fator recorrente não só no Brasil, mas em grande parte das democracias contemporâneas.
''A sociedade brasileira está acostumada com isso. De quatro em quatro anos vemos uma perda de dinamismo [...] O parlamentar se preocupa com a sua sobrevivência política, e é legítimo que seja assim'', explicou Dantas.
Para ele, o ano de 2022 será de muito discurso, mas pouco resultado legislativo: ''As pessoas dizem muitas coisas, mas, na hora de torcer o pano, sai pouca água''.