Apesar de Portugal ter reelegido, com maioria absoluta, o candidato que já ocupa a cadeira de primeiro-ministro há anos, as eleições portuguesas corridas em 30 de janeiro foram surpreendentes.
As pesquisas pré-eleitorais não apontavam António Costa e o Partido Socialista (PS) como favoritos, pelo contrário, ao longo da campanha, a sigla havia perdido a maior parte de sua vantagem eleitoral. No entanto, Costa foi novamente escolhido pela população, que parece ter optado pelo "conhecido".
Mesmo com a perpetuidade do atual governo, a gestão terá algumas características inéditas nessa nova jornada de quatro anos.
Por exemplo, o fato de o partido ter alcançado 117 cadeiras do total de 230 no Parlamento, que faz com que o PS não precise mais se coligar com outras legendas de esquerda – o que ficou conhecido como "Geringonça" em 2015.
O partido Chega, que antes contava com apenas um deputado no Parlamento, passou a ser a terceira força política, com 7,15% dos votos e 12 assentos.
Apoiadores do PS reagem após uma pesquisa de boca de urna sugerir que o PS foi reeleito, em Lisboa, 30 de janeiro de 2022
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Para José Reis, professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (FEUC), coordenador do Observatório Sobre Crises e Alternativas do Centro de Estudos Sociais (CES) e autor do livro "Os Espaços da Indústria: a Regulação Econômica e o Desenvolvimento Local em Portugal" entrevistado pela Sputnik Brasil os portugueses passaram através do resultado eleitoral "uma mensagem de escolha", uma vez que "reforçou a continuidade" de Costa e sua administração.
A confiança no Partido Socialista (PS) e na gestão do primeiro-ministro – no cargo desse 2015 – pela população portuguesa é uma característica amplamente identificada pela seara política do país. Portanto, o resultado do pleito não foi tão diferente do esperando, mas ainda assim, "não deixou de ser surpreendente".
"Foi surpreendente por dois motivos: primeiro pela grande derrota da principal legenda que desafiava o atual governo, o Partido Social Democrata (PSD). E em segundo lugar, pela expressividade da vitória do PS ao ter maioria absoluta", diz o especialista.
Rui Rio, líder do Partido Social Democrata, de centro-direita, sinaliza ao se dirigir a apoiadores após os resultados das eleições, 31 de janeiro de 2022
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Outro elemento que colaborou para uma conclusão "surpreendente" e impulsionou "um fenômeno de sociologia eleitoral", segundo Reis, foi o fato de as pesquisas de intenções de voto apontarem para um quadro totalmente diferente do qual foi apresentado pelas urnas.
"As sondagens indicavam uma disputa muito acirrada, e creio que isso alertou o eleitorado, sobretudo o da esquerda, que ao ver o risco com a possibilidade de a direita ganhar, se concentrou no reforço da proposta do PS", analisa o professor.
Geringonça 'estacionada'
A Geringonça, coalizão de esquerda formada em 2015 que ajudou a alavancar a gestão de Costa, a qual começou em novembro do ano mencionado, não estará mais presente no atual governo do líder português.
Com o fim da participação do Bloco de Esquerda e do Partido Comunista (PCP) – que faziam parte da Geringonça – em conjunto ao PS, a ideia de um governo com mais "pluralismo, o qual permitia estabelecer um tipo de programa mais rico, fica desfeita".
O professor destaca que, agora, com essa nova configuração, o partido poderá exercer sua política de forma mais "convencional, sem ter que estabelecer acordos com aqueles que a esquerda tem uma posição mais crítica".
Um outdoor de campanha eleitoral do partido Bloco de Esquerda é retratado no Campo Pequeno, em Lisboa, em 16 de janeiro de 2022
© Patricia de Melo Moreira
"Dentro dessas medidas convencionais, podemos apontar um orçamento mais contido; uma gestão macroeconômica mais centrada nas próprias variáveis macroeconômicas e não na sociedade e na economia; uma recomposição das despesas sociais e uma ambição menor em relação a aspectos que estão 'em cima da mesa', por exemplo, o reforço do serviço público e a valorização do trabalho."
Entretanto, um outro conjunto de medidas pode ser estabelecido, o qual, pessoalmente, Reis gostaria que fosse o desenvolvido: o que foca mais na economia e na sociedade em seus detalhes, dando mais prioridade para problemas no nível do micro do que do macro.
"A economia e a sociedade portuguesas têm fragilidades muito fortes […]. Há uma forte dependência do exterior que não é só financeira, muito da sua capacidade industrial regrediu, a subordinação ao turismo aumentou e o mercado de trabalho acontece através de lógicas de baixos salários e precariedade das relações trabalhistas […]."
Com esse contexto, o professor espera que o governo perceba "que há uma transformação na sociedade portuguesa", e que é preciso desencadear ações que possam "melhorar as relações de trabalho, […] promover melhores salários e, com isso, tornar a economia mais robusta e menos dependente".
"Eu creio que o PS não fará bem se deixar os portugueses ficarem com a ideia de que as melhorias mencionadas era apenas uma exigência dos partidos mais radicais à esquerda. Isso será terrível para o PS porque ele perderia essa confiança que lhe foi dada para se ir contra a direita."
Por ter sua economia fortemente apoiada na área da gastronomia através do turismo, com a pandemia, o setor entrou em profunda crise, com donos de restaurante fazendo greve de fome em frente ao Parlamento em Lisboa, 20 de novembro de 2020
© Carlos Costa
Porém, mesmo em meio às fragilidades, Reis destaca o Serviço Nacional de Saúde (SNS) como um sistema bom, que funcionou bem durante a pandemia. No entanto, ressalta que é importante que "o Estado, através de políticas e até do Orçamento, não deixe o cerco que os mercados privados fazem em torno da Saúde ter êxito".
Economia e Orçamento de Estado 2022
Em relação ao Orçamento do Estado (OE) para 2022, Reis não acredita que o mesmo terá muitas mudanças, visto que a mesma gestão continua. Além disso, Costa parece ter pressa em colocar o planejamento econômico em andamento, visando sua execução para abril.
"Assim que termine a discussão do programa do governo estamos em condições de apresentar o Orçamento de Estado. O programa está feito. Para março, podemos estar em condições de começar a discutir um OE. Em abril, podemos ter o Orçamento em vigor", afirmou o primeiro-ministro à rádio Renascença.
Em relação ao OE, o especialista acredita que ele deveria ser usado pelo governo "sem ter uma obsessão de gerir o déficit", com objetivo de utilizá-lo como "um instrumento de organização das políticas públicas".
Reis também sublinha a importância de, na condução da economia, o governo modificar intensamente o curso vigente no qual "o país baseia sua recuperação econômica no turismo, com serviços de baixos salários, de baixa qualidade".
"Portugal equilibra o déficit de transações industriais com o exterior às custas do turismo. Isso é saudável? Não", afirma.
Pessoas aproveitam o Sol do verão na praia de Carcavelos, em Cascais. O turismo é um dos principais motores da economia portuguesa
© Patricia de Melo Moreira
Zona do euro
Segundo Reis, Portugal é visto como uma economia endividada na zona do euro, principalmente depois da austeridade e da pandemia, e que "um reequilíbrio através da capacidade reprodutiva reforçada" é necessário.
O professor salienta que, atualmente, o investimento direto estrangeiro aumentou no país, o que é benéfico. Contudo, esse capital injetado ocorre em áreas que não são necessariamente vantajosas para as finanças nacionais, como investimentos no setor imobiliário.
"A economia portuguesa precisa ser na União Europeia uma economia que reforça sua capacidade produtiva e não que depende mecanismos mais artificias e fáceis de relacionamento econômico exterior, como atrativos através de Vistos Gold e de práticas dumping fiscal."
O primeiro-ministro de Portugal, António Costa, e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, se cumprimentam entre outros líderes na Cúpula da UE em Bruxelas, Bélgica, 24 de junho de 2021
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O lisboeta de 60 anos, António Luís Santos da Costa, foi eleito para seu terceiro mandato como primeiro-ministro de Portugal no dia 30 de janeiro. Costa conseguiu 41,6% dos votos, o que lhe permite assegurar 117 dos 230 deputados que compõem o Parlamento português.