Panorama internacional

Reino Unido pós-Brexit vs. UE: quem tem condições de recuperar economia mais cedo no pós-pandemia?

Como avaliar os crescimentos econômicos da União Europeia e do Reino Unido frente aos desafios da integração econômica e dos reflexos da pandemia? Para compreender essas e outras questões, a Sputnik Brasil conversou com a professora Carolina Pavese.
Sputnik
A pandemia de COVID-19 impactou todas as economias ao redor do mundo e se existe uma unanimidade nas avaliações mais sérias sobre seus reflexos é que as medidas de controle sanitário, fundamentais para a preservação da vida da população mundial, acentuaram desigualdades e derrubaram economias.
Países em desenvolvimento viram suas taxas de desemprego aumentarem vertiginosamente na medida em que a taxa de mortalidade subiu e o setor de serviços se viu particularmente impactado.
Neste sentido, um olhar mais atento sobre a União Europeia (UE), um bloco político e econômico composto por 27 Estados bastante heterogêneos, pode nos ajudar a compreender a real dimensão deste momento tão delicado para a economia mundial, mas não apenas isso, uma avaliação comparada ao Reino Unido, um ano após o Brexit, pode nos ajudar a entender se a decisão de Downing Street foi mesmo acertada.
Em busca de uma análise sobre o caso, a Sputnik Brasil conversou com a professora especialista em União Europeia e organizações internacionais, doutora em Relações Internacionais e coordenadora do Núcleo de Estudos e Negócios Europeus na ESPM, Carolina Pavese.
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Zona do Euro

Quando o assunto é economia, precisamos olhar para os Estados de forma a perceber a soma dos recursos monetários de todos os bens e serviços produzidos por ele, ou seja, seu produto interno bruto (PIB). Neste sentido, a UE representa a terceira maior economia no mundo com um PIB, em 2020, na casa de US$ 15 trilhões (cerca de R$ 78,8 trilhões), atrás apenas dos EUA e da China.
Esse valor nos dá um referencial do tamanho da economia a ser avaliada e ajuda a compreender o que significa um aumento percentual em termos reais. Para se ter uma ideia, o Brasil em 2020 teve o PIB avaliado em aproximadamente US$ 1,4 trilhão (R$ 7,3 trilhões), valor dez vezes inferior ao da UE. Logo, um aumento de 5% nessas economias teria muito maior impacto na UE que no Brasil, por exemplo.
"É preciso ter isso [o tamanho das economias] muito claro porque, se não, a gente tende a comparar indicadores e dizer coisas como 'a economia brasileira cresceu muito mais em 2020'. Bem, talvez em termos percentuais, mas em termos nominais, o que representa, por exemplo, 10% de crescimento para a economia brasileira e 5% para a economia europeia?", explica a professora Carolina Pavese.
Dentro do bloco europeu existem dois níveis de integração diferentes. O primeiro deles se traduz no mercado comum, uma zona em que se permite a livre circulação de bens, serviços, pessoas e capital. No segundo podemos identificar a união econômica e monetária, ou seja, um nível de integração mais avançado em que os países abrem mão de suas moedas nacionais em nome de uma moeda comum, neste caso o euro, e se submetem às políticas de metas fiscais, de gastos públicos e de inflação.
Ao todo, 19 Estados da UE se encontram neste nível de integração, mas, apesar da heterogeneidade, todas são economias robustas de países classificados como desenvolvidos, membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Para a doutora Pavese é possível avaliar que houve um crescimento expressivo de 2020 para 2021 para os países da Zona do Euro. Segundo ela, há uma projeção expressiva e importante dessa taxa de crescimento em torno de 4,2% para 2022. Em grande medida, para a professora, o crescimento está relacionado com a eficiência no combate à pandemia em função da vacinação e de políticas de financiamento.
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Os mais afetados do bloco

Analisando o crescimento de 5,2% do PIB da UE em 2021, é preciso compreender que esse crescimento é distribuído de maneira desproporcional entre os países do bloco, já que o valor representa uma média de crescimento, explica a especialista.
"De um lado temos França e Itália, com crescimento de mais de 6%, e de outro teremos casos como o da Espanha, com crescimento de 4,9%, mas o mais preocupante foi a taxa de crescimento registrada pela Alemanha de apenas 2,7%, menos da metade dos crescimentos de França e Itália", disse.
A Alemanha é a economia mais forte dentre os 19 Estados que compõe a Zona do Euro. Seu papel de financiadora da Zona do Euro mantém a coesão do bloco, e o resultado tão baixo de sua economia se deve à disruptura nas cadeias produtivas globais impactando o setor industrial e nas exportações do país, o que para a professora é muito preocupante.
"Se isso não for revertido em 2022 e 2023, a tendência é que tenhamos um reflexo negativo na taxa de crescimento do bloco inteiro puxando esse crescimento para índices muito tímidos", ponderou.
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Reino Unido

O resultado de crescimento do Reino Unido em 2021, em 7,5%, foi bastante positivo se comparado à UE e ao G7 (grupo dos sete países mais industrializados do mundo, composto por Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido), mas não se resume a isso, tampouco reflete um excelente resultado. Sinalizando apenas uma retomada de crescimento, ainda é preciso tempo para analisar se a taxa vai permanecer estável e se refletir em crescimento real.
"Se olharmos para o Reino Unido em 2020, a economia britânica foi a economia com a menor taxa de crescimento registrada dentro do G7, com taxa negativa de 9,4% de crescimento. Então, para falarmos em retomada de crescimento, é preciso que ela se materialize por um período maior de tempo, caso contrário será apenas pontual."
As perdas de 2020 para a Zona do Euro, em relação ao Reino Unido, foram muito menores, portanto, para Pavese é preciso cautela além de entusiasmo. "Os resultados do Reino Unido na pré-pandemia foram superiores. Correlacionando os resultados de 2020 e 2021 ainda há um saldo negativo no crescimento que precisa ser analisado nessa perspectiva. Portanto, é cedo para saber se o país está passando à frente da União Europeia."
Sem mão de obra estrangeira, por conta das resoluções do Brexit, algumas funções tornaram-se mais onerosas para o Reino Unido. Para além disso, questões fiscais nas transações comerciais também impactam negativamente a economia britânica, cujo maior parceiro comercial é a UE.

Inflação, um fenômeno atual

As taxas altas de inflação no ano de 2021, quer nos EUA (7%), Brasil (10%), UE (5,1%) e Reino Unido (5,4%), não são um fenômeno isolado como se pode perceber e, segundo os analistas, representam uma demanda reprimida de consumo, com as medidas de restrição, isolamento e distanciamento, durante o pior período da pandemia.
O aumento de preços foi registrado de forma mais intensa no segundo semestre de 2021 por conta do aumento da demanda, que acabou pressionado o aumento de preços.

"Houve uma procura maior por serviços, alimentos, bens industriais, e esse reaquecimento da economia levou a maiores gastos com energia, que puxou a inflação para cima. A tendência é que esse número, pelo menos nas economias mais fortes, caia já nos próximos anos", conta Pavese.

Apesar de não despertar muito medo nos economistas, por ser compreendida como um episódio pontual, a taxa de 5% de inflação na Zona do Euro foi a maior taxa já registrada desde 1999, quando a moeda única foi adotada. Para Carolina, essa taxa de inflação deve nortear as políticas macroeconômicas a serem adotadas neste ano.
Considerado um fenômeno temporário para a UE e para o Reino Unido, a taxa de inflação não deve impactar a taxa de juros pelos próximos meses, quando a dinâmica da retomada econômica vai poder ser observada com maior cautela.
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Libra versus euro

A valorização da libra esterlina em face ao euro, para Pavese, é explicável quando se observa de que medidas o governo pode lançar mão para conter a pressão inflacionária. Neste caso, é a taxa de juros.
"Para conter as crises internas – pressão inflacionária, aumento de custo de vida, elevação nos preços de aluguel e energia – agravadas agora por uma crise política relacionada à incerteza da permanência de Boris Johnson no cargo de primeiro-ministro, assim como vimos no Brasil, o governo britânico aumentou a taxa de juros", explicou ela.
Ao aumentar a taxa de juros, a economia se torna mais atrativa para investimentos financeiros porque significa um maior retorno financeiro para o investidor. Essa medida tem tornado a economia britânica mais atrativa para investimentos estrangeiros, o que resulta em uma valorização da libra, o que não se observa no Reino Unido.
"A moeda está sendo artificialmente induzida à valorização por conta do aumento na taxa de juros e não um reflexo real de um aquecimento econômico de condições estruturais de uma economia saudável, ao contrário. Não há muita margem do quanto mais o governo britânico pode aumentar essa taxa", explica a especialista.
Nem sempre uma moeda extremamente valorizada resulta em bons resultados para as atividades econômicas, como no caso dos EUA, que constantemente intervêm no dólar em busca de desvalorizar a moeda para ter um retorno maior com o preço de suas exportações. Carolina observou ainda que o aumento da taxa de juros para conter a taxa de inflação impacta negativamente na aquisição de crédito, deixando-o mais caro.
"Esta medida é boa para quem investe com capital financeiro, sobretudo especulativo, mas é preciso lembrar que é muito prejudicial ao investidor, à indústria, ao cidadão e à cidadã comuns que precisam de crédito, para gerar mão de obra e fazer o dinheiro circular na economia", concluiu.
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