Panorama internacional

Encontro Brasil-Rússia no formato 2+2 reforça interesses mútuos na arena global, diz pesquisador

A parceria estratégica entre Brasil e Rússia inaugurou um novo formato de consultas bilaterais em Moscou discutindo uma série de questões de interesse mútuo. A Sputnik Brasil consultou um especialista em Relações Internacionais para discutir os temas levantados no encontro.
Sputnik
Nesta quarta-feira (16), o ministro da Defesa da Rússia, Sergei Shoigu, e o chanceler russo, Sergei Lavrov, receberam em Moscou no formato "2+2" os seus equivalentes brasileiros, o ministro Walter Braga Netto e o chanceler Carlos França.
Durante a reunião de ministros da Defesa e Relações Exteriores, realizada pela primeira vez no formato entre Brasil e Rússia, foram tratados temas como cooperação militar, econômica e diplomática. O encontro ocorreu no âmbito da visita do presidente brasileiro Jair Bolsonaro (PL) à Rússia, que se reuniu mais tarde com o presidente russo, Vladimir Putin.
A parceria estratégica Brasil-Rússia foi um dos destaques do encontro de ministros. O pesquisador Paulo Velasco, professor de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) recorda que a Rússia é considerada um parceiro estratégico do Brasil desde o final do governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o que se aprofundou principalmente nos governos petistas de Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva.
Em Moscou, se reúnem o ministro da Defesa da Rússia (na ponta esquerda), o chanceler russo, Sergei Lavrov, (no centro, à esquerda), o chanceler brasileiro, Carlos França (no centro, à direita), e o ministro da Defesa do Brasil, Walter Braga Netto (à direita), em 16 de fevereiro de 2022
Segundo o pesquisador, isso reflete o fato de que os dois países têm interesses em comum no âmbito internacional e não à toa ambos são parceiros no BRICS. Apesar das diferenças existentes em determinados temas, Velasco acredita que ter a Rússia como parceira amplia o alcance do Brasil na comunidade internacional.
"Essa parceria estratégica reflete muito a defesa de uma ordem mais multipolar, de uma reforma na ordem vigente. E pressionar nesse sentido ao lado de Rússia ou China certamente ajuda na posição do Brasil. São iniciativas que tendem certamente a ganhar um efeito multiplicador, reverberar mais, se feitas com atores desse porte, como a Rússia", afirma Velasco em entrevista à Sputnik Brasil.

Apoio da Rússia à reforma do Conselho de Segurança legitima interesse brasileiro

Após o encontro, o chanceler russo Sergei Lavrov defendeu em coletiva que o Brasil integre o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), destacando um dos temas da reunião que exemplifica a convergência de interesses dos dois países.
O apoio da Rússia à reforma do Conselho de Segurança e à inclusão do Brasil como membro permanente do órgão não é novidade, recorda Velasco, que ressalta a importância da parceria Brasil-Rússia nesse tema devido à dificuldade para concretizar a mudança - que requer dois terços de apoio na ONU e o consenso do Conselho de Segurança.
"O que Lavrov fez foi reiterar, reafirmar o apoio da Rússia ao desejo do Brasil de ocupar um assento permanente no principal órgão das Nações Unidas, no órgão decisório, no órgão que tem condições de aprovar resoluções vinculantes em temas de guerra e paz. A reiteração desse apoio para o Brasil é muito interessante. Evidentemente contar com o apoio de Estados que já são membros permanentes do Conselho – é o caso da Rússia, justamente – legitima ainda mais o pleito brasileiro", afirma Velasco à Sputnik Brasil.
O pesquisador ressalta que a Rússia é o único membro do Conselho de Segurança a manifestar apoio formal ao Brasil nesse sentido. França e Reino Unido manifestaram apoio informal, enquanto a China não deixou clara sua posição, apesar de sinalizar simpatia ao desejo brasileiro. Já os EUA nunca se posicionaram.
Em Moscou, o chanceler brasileiro, Carlos França (à esquerda), e o chanceler russo, Sergei Lavrov (à direita), participam de coletiva de imprensa, em 16 de fevereiro de 2022
Em termos econômicos, Velasco destaca que os dois países têm espaço para ampliar parcerias, apesar do foco da visita no comércio de fertilizantes. Segundo o professor, a Rússia é um parceiro que se mantém muito aquém do seu potencial em termos de comércio com o Brasil.
"Há espaço para uma retomada de um comércio bilateral mais intenso, inclusive ampliando, indo além do que foi alcançado no passado. O Brasil não pode ficar só vendendo alimentos e comprando fertilizantes, produtos químicos. Há espaço para uma diversificação dessa parceria comercial, podemos investir em um dinamismo maior", afirma.

Cooperação militar com a Rússia mostra pluralização de parcerias

O professor Paulo Velasco destaca que no passado o Brasil já fechou acordos de compras de armas da Rússia, mas aponta que a novidade em termos militares do encontro desta quarta-feira (16) em Moscou são as tratativas em termos de pesquisa.
"O interessante, e é aí que está a novidade, é tratarmos da questão de pesquisa e desenvolvimento, olharmos para as tecnologias militares russas", destaca o pesquisador. "A gente sabe que a Rússia é uma grande potência em termos militares, em termos de defesa. O Brasil, aí sim, está buscando avançar em um novo tipo de acordo, que não se limitará à compra de armamento russo, mas busca algum tipo de acerto, de entendimento, em termos de pesquisa e desenvolvimento", explica Velasco.
Em Moscou, o ministro brasileiro da Defesa, Walter Braga Netto (à esquerda), cumprimento o ministro da Defesa da Rússia, Sergei Shoigu (à direita) diante do chanceler russo, Sergei Lavrov (centro), no âmbito da visita do presidente brasileiro Jair Bolsonaro à Rússia, em 16 de fevereiro de 2022
O especialista em Relações Internacionais lembra que anteriormente o Brasil fechou acordos semelhantes com os Estados Unidos em termos de pesquisa militar e que a eventual aproximação com Moscou nesse sentido mostraria a capacidade brasileira de pluralizar parcerias.
"Fazer isso com a Rússia seria muito interessante, porque seria um outro parceiro com grande envergadura e revelaria a capacidade do Brasil de pluralizar as parcerias. 'Não tenho que estar preso só aos Estados Unidos, posso fazer esse tipo de entendimento com outros atores'. A ideia não é ruim", avalia.
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