Qual a chance de Ucrânia renunciar a status não nuclear e adquirir armas atômicas?
16:47, 21 de fevereiro 2022
A Ucrânia pode desistir de sua promessa de ser uma nação não nuclear. A ameaça é do presidente do país, Vladimir Zelensky. Porém, qual é a chance de isso acontecer? E quais as implicações para uma região que já está em conflito? Nathana Garcez, especialista no assunto, apresentou algumas respostas.
SputnikA Ucrânia desistirá de sua promessa de ser uma nação não nuclear e reverterá a decisão que tomou ao desistir de suas armas atômicas após o colapso da União Soviética? O tema ligou o sinal de alerta no mundo.
Para compreender o que está por trás das declarações do presidente ucraniano, a Sputnik Brasil entrevistou Nathana Garcez, doutoranda em Relações Internacionais da Unesp-Unicamp-PUC-SP, que embora tenha definido as ameaças de Zelensky como um "blefe", também alertou sobre os perigos que a região poderá enfrentar caso a Ucrânia "dobre a sua aposta".
21 de fevereiro 2022, 09:48
Por um lado, a Europa há muito quer se livrar das armas nucleares que os EUA impuseram através da colocação de depósitos de armas atômicas nos países da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte). Do outro, o ministro da Defesa russo, Sergei Shoigu, disse que as declarações ucranianas são "excepcionalmente perigosas".
O alerta feito pelo presidente ucraniano, Vladimir Zelensky, aconteceu durante a 56ª Conferência de Segurança de Munique, no sábado (19). Ele apontou que, em 1994, a Ucrânia aderiu ao Memorando de Budapeste, desistindo de suas armas nucleares em troca de garantias de segurança.
Porém, com o aumento das tensões em Donbass, a Ucrânia quer convocar uma cúpula envolvendo os países que participaram do acordo, e afirmou que se não o conseguir, Kiev deixará de cumprir suas respectivas obrigações. Dmitry Kuleba, ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, falou sobre o assunto em suas redes sociais.
Por iniciativa do presidente Vladimir Zelensky, solicitei oficialmente aos estados membros do CSNU [Conselho de Segurança das Nações Unidas] que imediatamente realizassem consultas nos termos do artigo 6 do memorando de Budapeste para discutir ações urgentes destinadas à desescalada, bem como medidas práticas para garantir a segurança da Ucrânia.
Há chance?
Nathana Garcez não acredita que existe a possibilidade de Kiev renunciar ao seu status não nuclear. Para ela, embora a ameaça exista, pois não é possível determinar até onde vai a ambição de Zelensky, o país "não tem uma economia que permita tais investimentos".
Ela explicou que, além da incapacidade para enriquecer e transportar urânio, potências como o Reino Unido, a Alemanha e a Rússia não permitiriam isso.
"Isso poderia deflagrar uma ruptura no sistema de poder da Europa e, consequentemente, no sistema internacional. Romper essa balança acabaria colocando a reputação ucraniana sob risco", comentou.
Para ela, a questão deve ser
entendida de forma mais simples: "O que a Ucrânia quer com isso? É receber dinheiro dos EUA e da OTAN, principalmente para fortalecer seu programa militar".
A especialista avalia que o presidente ucraniano poderá dobrar suas apostas para ingressar na OTAN, apesar da rejeição de alguns países, como a Alemanha, e sobretudo da Rússia, que declarou como linha vermelha a expansão da aliança militar para Kiev.
"Suas ameaças são uma forma de garantir mais apoio militar. Além disso, é possível que a Ucrânia use essa ameaça para garantir apoio da OTAN em Donbass. A ideia dele [Zelensky] pode ser usar a OTAN para desmantelar as repúblicas populares de Donetsk e Lugansk. Mas, o que Zelensky realmente quer é se liberar das obrigações dos acordos de Minsk. Isso é uma ameaça grave à segurança russa e europeia", comentou.
Os Acordos de Minsk, assinados em setembro de 2014 e fevereiro de 2015 com a mediação de Alemanha, França e Rússia, lançaram as bases para uma solução política para o conflito. Além disso, eles instituíram, em 2015, um cessar-fogo entre o Exército ucraniano e as forças das autoproclamadas repúblicas de Donetsk (RPD) e Lugansk (RPL).
19 de fevereiro 2022, 03:13
Ucrânia como pária internacional
Alguns países, como Coreia do Norte e Irã, no processo de desenvolvimento de seus respectivos programas nucleares, sofreram com as constantes sanções de outros países, que alegavam preocupações com as implicações geopolíticas de uma possível escalada nuclear.
Ao analisar o cenário em Kiev, Nathana Garcez destacou que "existem movimentos internacionais para o controle de armas nucleares, inclusive da OTAN. Mas, por outro lado, é preciso enfatizar que alguns países da aliança têm programa nuclear, e
partilham de políticas para compartilhamento de ogivas nucleares", comentou.
Embora exista, dentro do sistema da OTAN, esse programa de compartilhamento de tecnologia nuclear, isso não significa necessariamente que a Ucrânia terá facilidade para conquistar seu objetivo, segundo a especialista.
"É de notório saber que existem países com armas nucleares que sofrem sanções. Isso significa que existe a possibilidade de sanções, pois a Ucrânia é uma democracia frágil, como todos sabem", afirmou.
Ao citar uma das dificuldades (no caso, a frágil democracia) que a Ucrânia poderá ter ao buscar adquirir um arsenal nuclear, a especialista se refere ao conflito em Donbass, que começou em 2014, após a proclamação de independência pelas repúblicas populares de Donetsk e Lugansk, no leste do país, e na sequência do golpe de Estado que derrubou o então presidente eleito Viktor Yanukovich.
Desde então,
Kiev mantém operações militares na região contra essas forças independentistas. A guerra em Donbass já levou à morte de, aproximadamente, 13.000 pessoas, deixou dezenas de milhares de feridos e mais de 2,5 milhões de deslocados dentro ou fora da Ucrânia.
OTAN, a Ucrânia e as armas nucleares
"Embora a OTAN se diga comprometida com a paz, a aliança é militar e também nuclear". A avaliação de Nathana Garcez sobre os compromissos prometidos pelo bloco é sucinta. Ela entende que, apesar do caráter bélico da OTAN, "um novo país ingressante com novas armas nucleares poderia afetar o equilíbrio dessa aliança".
Para ela, essa é uma questão que fere os interesses dos EUA na região, dado que o governo norte-americano opera e protege a maioria das ogivas que estão na Europa.
21 de fevereiro 2022, 05:30
Questionada se a Ucrânia seria capaz de desenvolver a tecnologia necessária para obter um arsenal nuclear, a especialista é cética. "Embora a infraestrutura esteja lá, a economia está severamente prejudicada".
"Produzir armas nucleares é complexo tanto no âmbito da infraestrutura quanto no cientifico. Não acho que a Ucrânia seja capaz de ter um arsenal nuclear em curto prazo. Principalmente sem apoio de outros países", acrescentou.
Ela avaliou que "o mais fácil para este cenário seria o ingresso da Ucrânia na OTAN, e a região abrigando armas nucleares dos EUA".
A análise da especialista difere um pouco daquela feita pelo
ministro da Defesa russo, para quem a Ucrânia seria
capaz de recuperar seu status nuclear, pois tem equipamentos e tecnologias para isso, além de especialistas capazes. "A meu ver, [a Ucrânia tem capacidades] muito maiores que o Irã e a Coreia do Norte têm", explicou.
Ocidente acusa Putin
Nos últimos dias, o Ocidente passou a insistir em uma retórica de que a Ucrânia não tem interesse em armas nucleares, e que isso seria mais uma suposta "false flag" utilizada pela Rússia para fomentar os confrontos em Donbass. Mas vale lembrar que as intenções do presidente ucraniano de, possivelmente, adquirir armas nucleares foram anunciadas por ele mesmo.
Em uma declaração a um canal de televisão nesta segunda-feira (21), Putin denunciou esses planos da Ucrânia e prometeu reagir. O presidente russo enfatizou que não são "palavras vazias".
"No momento em que a Ucrânia tiver uma arma de destruição em massa, a situação no mundo, na Europa, especialmente para nós, para a Rússia, mudará de forma radical. Não podemos deixar de reagir a esta situação", comentou.
Vladimir Putin comentou que os EUA destinaram quantias milionárias para apoio militar à Ucrânia: "Será mais fácil para Kiev construir armas nucleares do que para outros países, especialmente com o apoio tecnológico do exterior, não podemos descartá-la", disse.
"Além disso, os patrocinadores ocidentais da Ucrânia podem ajudar este país a obter essas armas para criar uma nova ameaça para nós", concluiu.
19 de fevereiro 2022, 21:01