Narcotráfico, invasão ao Capitólio e mais: qual é o destino de brasileiros criminosos no exterior?
12:46, 23 de fevereiro 2022
Casos de deportação, extradição e julgamentos internacionais chamaram a atenção nacional nas últimas semanas. Mas o que pode acontecer com brasileiros que cometem crimes no exterior? A Sputnik Brasil tirou todas as dúvidas com um especialista.
SputnikA brasileira Letícia Vilhena Ferreira foi
presa nos Estados Unidos após ser acusada de entrar no Congresso norte-americano sem autorização no
dia 6 de janeiro de 2021. Outro caso vem sendo muito comentado nos veículos de imprensa, o dos brasileiros que foram barrados em aeroporto na Tailândia
transportando cocaína nas malas.
Mas afinal, o que o futuro guarda para um cidadão brasileiro que comete crimes no exterior? A Sputnik Brasil conversou com o advogado e especialista em Direito Constitucional, Thiago Tifaldi, e ele nos contou que algumas condições entram em jogo para definir os procedimentos destes tipos de casos.
Território nacional
Tifaldi explica que existem dois âmbitos de aplicação da legislação penal brasileira, o de territorialidade, crimes que acontecem no Brasil e por isso são julgados com as leis brasileiras, e casos de extraterritorialidade, situações específicas em que o Código Penal brasileiro é aplicado em crimes cometidos no exterior.
"Para efeitos de extraterritorialidade [...] a própria legislação penal vai dar a aplicação, quais são os assuntos, os tipos penais e os crimes relacionados a determinados motivos. Então, por exemplo, sujeito à legislação brasileira, crimes cometidos no estrangeiro contra a vida ou a liberdade do presidente da República, se ele sofre um atentado lá fora, a legislação brasileira que rege", explicou o advogado.
Também entram no âmbito da extraterritorialidade crimes contra o patrimônio ou a fé pública da União, Distrito Federal, municípios, autarquias ou qualquer representação brasileira no exterior.
No incidente envolvendo a brasileira Letícia Vilhena Ferreira, ela
não se enquadra na aplicação da lei penal brasileira por extraterritorialidade e será julgada mediante a legislação dos Estados Unidos. Letícia estava morando legalmente nos EUA, com um visto de trabalho, quando decidiu
participar da invasão do Congresso norte-americano.
"O caso de Letícia, a engenheira brasileira que residia nos EUA, no estado de Illinois, se deslocou de Illinois para Washington e participou no dia 6 de janeiro de 2021 da invasão ao Capitólio, esse ato praticado por uma brasileira nos EUA rege-se pelas leis norte-americanas", explicou Tifaldi.
Quem são os deportados?
Letícia não poderia, por exemplo, ser submetida a uma deportação. De acordo com o advogado, as deportações são relativas à imigração irregular e fazem parte do direito internacional público. A falha em cumprir algum requisito determinado pelo país em que você está indo visitar, pode resultar na deportação.
Um exemplo recente é o caso do tenista sérvio número um do mundo
Novak Djokovic, que foi
impedido de entrar em Melbourne para participar do Aberto de Tênis da Austrália em janeiro.
"Quando ele [Djokovic] foi para a Austrália para participar de um campeonato de tênis, por conta das exigências das autoridades australianas da obrigatoriedade da apresentação [de vacinação] da COVID-19, ele foi deportado. Ou seja, nada contra o sujeito Novak Djokovic, nada contra a pessoa, não é subjetivo, não é pessoal, ele simplesmente não cumpriu uma formalidade que está sujeita a todas as pessoas que viajam para uma localidade", disse Thiago Tifaldi.
De acordo com dados
citados pelo portal UOL, os últimos números oficiais divulgados pelos EUA mostram que
43.867 famílias brasileiras tentaram cruzar a fronteira pelo México entre outubro de 2020 e setembro de 2021. Os brasileiros representam quase
10% dos detidos neste período.
Somente neste ano,
segundo o portal de notícias G1, o Brasil já recebeu
12 voos provenientes dos Estados Unidos com cidadãos brasileiros deportados.
Sobre as deportações, Tifaldi esclareceu que uma pessoa deportada tem o direito de voltar ao país onde sofreu o processo, caso posteriormente tenha a documentação correta e completa, seja como turista ou com algum tipo de visto de trabalho.
Casos de extradição
Outra modalidade de aplicação do direito penal internacional é a extradição, quando um cidadão é retirado de um país para responder judicialmente a um crime cometido em outra nação. No Brasil temos dois casos recentes envolvendo extradições, a situação do jogador de futebol Robinho, acusado de estupro coletivo na Itália, e do ex-militante comunista Cesare Battisti.
10 de dezembro 2020, 14:52
"Ele [Robinho] foi acusado, tramitou o processo inteiro na Itália e esse seria o cometimento de um crime em um país diferente. A questão é que Robinho deixou a Itália, veio para o Brasil, e aí nós temos uma regra que não está na legislação penal, mas está na Constituição, mesmo ele tendo cometido um crime lá, não se extradita brasileiro nato. Robinho é brasileiro nato", explicou Tifaldi.
Já no caso de Battisti, ele foi considerado refugiado político no Brasil durante o governo Lula, mas a decisão acabou sendo revogada pelo então presidente Michel Temer. Em 2018 ele foi preso e em 2019
extraditado e
condenado pela Justiça italiana por quatro assassinatos.
Agora não pode mais voltar
"A expulsão é o caso de um imigrante regular com toda a documentação idônea, perfeita, todos os formulários preenchidos. Mas que por uma regra de cometimento de uma prática que não condiz com o Estado que o recebeu, ele se transforma em, digamos assim, uma persona non grata", disse Tifaldi.
O especialista em Direito Constitucional inclusive acredita que o caso envolvendo a brasileira Letícia poderia terminar com a expulsão dela. Para o advogado, o caso envolvendo os atentados ao Capitólio em janeiro de 2021 tem uma força interna muito grande e está diretamente relacionado a um pedido de
impeachment do ex-presidente Donald Trump.
"Então é mais prático para esse Estado soberano expulsar, banir, vamos dizer assim, deixá-la [Letícia] considerada impedida de entrar nesse país, talvez do que julgar em uma investigação desse porte", opinou Tifaldi.
Pena de morte
Em casos em que brasileiros são condenados a uma pena não existente em território nacional, como a prisão perpétua ou pena de morte, cabe aos Estados soberanos envolvidos discutirem e chegarem a uma conclusão conjunta.
9 de fevereiro 2022, 05:00
Essa é a atual situação de três brasileiros que foram presos no aeroporto de Bangkok, na Tailândia, após entrarem no país com 15,5 quilos de cocaína nas malas no dia 14 de fevereiro. O tráfico de drogas pode ser punido com a pena de morte na Tailândia.
"Aí você tem uma questão de soberania, então o caso da brasileira [e de outros dois brasileiros] na Tailândia está apelando à reciprocidade, está apelando ao Itamaraty, para verificar a possibilidade de uma comutação, digamos assim, do ilícito que ela cometeu no estrangeiro, aqui no Brasil", detalhou o advogado.
Caso fossem julgados no Brasil, os criminosos seriam punidos com base na legislação brasileira, onde
não consta a pena de morte.
Sonegação de impostos
Os crimes de
sonegação de impostos e
lavagem de dinheiro no exterior são julgados pela justiça local, onde o crime foi cometido. No entanto, Thiago Tifaldi chama atenção para outro detalhe importante das questões criminais internacionais:
tratados e convenções.
"No caso de lavagem de dinheiro, evasão fiscal, estes crimes, a regra de territorialidade ela impera. Na aplicação da legislação penal, se o Brasil tiver uma legislação com um tratado ou convenção internacional, vale o que a convenção ditar. [...] O tratado ou a convenção internacional, ela é lei entre os Estados soberanos", explicou Tifaldi.
Dois ou mais países podem firmar acordos ou tratados sobre crimes ou punições específicas. Caso o crime se enquadre em um desses tratados pré-estabelecidos, vale o que consta no tratado.